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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
quarta-feira, 13 de julho de 2016
As elementares "ocultas" do crime de dispensa indevida de licitação.
O crime de contratar
diretamente, por dispensa ou inexigibilidade, encontra-se tipificado no art.
89, da Lei n. 8.666/93:
Art. 89. Dispensar
ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Observa-se, a partir de uma simples
leitura do tipo penal, que a lei não estabelece nenhum elemento subjetivo do
tipo (“com a finalidade de .....”, “a fim de obter vantagem...”, “causando
dano....”), diferentemente, por exemplo, do crime de fraude em licitação (art.
90), a saber:
Art. 90. Frustrar
ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter
competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou
para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação
Como
não poderia ser diferente, o entendimento dos Tribunais Superiores foi, por
muito tempo, o de que o crime do art. 89 tratar-se-ia de crime formal, cuja
consumação ocorre independentemente da configuração de algum resultado material
(vantagem, dano etc...).
No
entanto, a partir de uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça na
Ação Penal n. 480 (que tratava de uma ex-Prefeita, atual Conselheira do TCE.
Surpreendentemente, as guinadas jurisprudências costumam ocorrer em casos com
réus importantes e influentes), o posicionamento foi revisto, tanto pelo STJ,
quanto pelo STF, passando-se a exigir, para fins de caracterização do crime,
(i) a intenção de causar dano e (ii) a efetiva ocorrência do dano.
Esse
entendimento, ao atrelar a ideia da ocorrência do crime à existência de prejuízo
ao Erário, no sentido de que, se o preço contratado era compatível com o preço
de mercado, não houve dano, para além de criar elementares inexistentes no tipo
penal, chancelou a absurda conclusão de que, basta que haja contratação dentro
do preço de mercado, para que não haja o crime.
Curiosa,
por sinal, a Ementa do seguinte Acórdão do STJ:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. DOLO ESPECÍFICO. EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Como cediço, a jurisprudência desta Corte Superior acompanha o entendimento do Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq. n. 2.482/MG, julgado em 15/9/2011), no sentido de que a consumação do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a intenção de causar dano ao erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, malgrado ausência de disposições legais acerca dessa elementar. Precedentes. (...) (STJ, RHC35598, Rel. Min. Ribeiro Dantas, p.15/04/2016)
Um
exemplo bem claro demonstra o equívoco desta interpretação.
Tício
é Prefeito do Município X. Tício é empresário do ramo de venda de veículos,
possuindo, juntamente com seus familiares, a empresa Y, sediada naquele
Município. No curso de seu mandato, Tício vislumbra a necessidade de renovação da
frota de veículos do Município, razão pela qual determina a realização de uma
pesquisa de preços, constatando-se que o veículo custa em torno de R$
50.000,00. Com base nessas informações, Tício mantém contato com os seus
familiares e propõe que a empresa Y, de sua propriedade, forneça diretamente os
veículos, pelo preço de R$ 49.000,00, sem que esteja configurada qualquer
situação de dispensa ou inexigibilidade.
Seguindo a lógica do STF e
do STJ, Tício, Prefeito do Município X, que contratou diretamente a sua própria
empresa, não cometeu o crime de dispensar, fora das hipóteses legais,
licitação, haja vista que não restou caracterizada a intenção de causar dano,
muito menos a efetiva ocorrência de dano ao Erário.
Alguém acha que essa é a
conclusão adequada?
A falha principal do
posicionamento que exige tais “elementares” é restringir o fundamento da
licitação à busca pela melhor proposta, esquecendo-se, dessa forma, que a
licitação também almeja fazer valer princípios constitucionais outros, tais
como a impessoalidade, moralidade e a isonomia,
permitindo, assim como deve ocorrer em uma República, que todos tenham
possibilidade de concorrer, em igualdade de condições, para contratar com o
Poder Público.
Em boa hora, e renovando as
esperanças de uma nova reviravolta jurisprudencial, o STF, no julgamento da
Ação Penal 971, de Relatoria do Ministro Edson Fachin, decidiu sem sentido
contrário, enfatizando que o crime de dispensar licitação é meramente formal. A
notícia pode ser lida AQUI.
Assinalou-se que:
“Em relação ao crime de dispensa indevida de licitação, o ministro Fachin ressaltou a natureza formal do delito, não sendo necessária demonstração de efetivo prejuízo para tipificar a conduta. Destacou não ser possível que o administrador escolha quem vai efetuar determinada obra, ainda que fique provado que o poder público não fosse receber melhor proposta, pois a exigência de licitação para a contratação pelo poder público tem como objetivo de preservar bens maiores que apenas eventuais prejuízos ao erário.”
domingo, 19 de junho de 2016
BOA-FÉ OBJETIVA E O PROCESSO PENAL
É praxe que, quando alvo de investigação ou Denúncia, a pessoa, sobretudo quando se trata de alguém com notoriedade social, p.ex, um político, mencione que esteja disposto a colaborar com a Justiça, a fim de provar a sua inocência. Infelizmente, não é preciso ter tanta experiência na seara criminal para se constatar que o discurso é, como se diz, da “boca para fora”, pois, a bem da verdade, a realidade do nosso processo penal é pródiga em manobras defensivas procrastinatórias, protelatórias e contraditórias, que visam, muito longe de permitir que seja proferida uma decisão, a evita-la, ou a prolonga-la ao máximo. Costumou-se designar este comportamento de advocacia das nulidades.
Qualquer oposição ou manifestação contrária a este tipo de comportamento, ou ainda, qualquer tentativa de coibi-lo, encontra forte resistência no discurso de que se está apenas a exercer o direito constitucional à ampla defesa.
Em sendo assim, é de se questionar: ainda que ampla, a defesa é absoluta e ilimitada? Tudo é válido em nome da ampla defesa? A boa fé processual, expressamente reconhecida no Novo Código de Processo Civil (arts. 5º e 6º), estende-se ao processo penal? Em caso negativo, por quê não? Em caso positivo, de que maneira boa-fé processual e ampla defesa são conciliáveis?
A fim de apresentar a nossa opinião sobre estes questionamentos, relataremos três situações comuns, a saber:
(i) a defesa arrola diversas testemunhas, notadamente autoridade políticas (que seguem rito próprio de arguição), domiciliadas em várias cidades de diversos Estados e, até mesmo, residentes no exterior, sem especificar como tais pessoas poderiam contribuir com os fatos. O Juízo indefere a produção das provas. Em sede recursal ou em Habeas Corpus, a defesa suscita a nulidade da decisão, por ofensa ao princípio da ampla defesa.
(ii) a defesa compromete-se a trazer consigo para a audiência, independentemente de intimação, as suas testemunhas. Por ocasião do ato, menciona que não foi possível trazê-las, pugnando pela redesignação da audiência e substituição destas testemunhas, o que é indeferido. Em sede recursal ou em Habeas Corpus, a defesa suscita a nulidade da decisão, por ofensa ao princípio da ampla defesa.
(iii) réu devidamente citado em seu endereço, muda-se sem comunicar ao Juízo, razão pela qual o processo segue sem a sua presença (art. 367, CPP), não sendo realizado o seu interrogatório. Em sede recursal ou em Habeas Corpus, a defesa suscita a nulidade da decisão, por ofensa ao princípio da ampla defesa, argumentando que o Estado não adotou todas as diligências possíveis para localizá-lo.
Pois bem. O princípio da boa-fé processual encontrou amparo expresso no Novo Código de Processo Civil. Nada obstante isto, é possível extrair o seu fundamento primário na própria Constituição Federal, especificamente na cláusula do devido processo legal, haja vista que o processo deve caminhar sempre adiante, devendo as partes colaborarem e contribuírem para que o procedimento avance e seja possível a resolução do mérito da causa.
Trata-se de norma de conduta, ou comportamento, direcionada a estabelecer deveres de lealdade, informação e cooperação aplicável ao Juízo e às partes. Diferentemente da boa-fé subjetiva, focada na intenção ou na vontade da pessoa, a boa-fé objetiva é pragmática, preocupa-se com o comportamento efetivo, independentemente da existência, ou não, de alguma má intenção.
Não há qualquer razão para limitar a aplicação do dever processual de as partes agirem conforme a boa-fé objetiva apenas ao processo civil, no qual, via de regra, os interesses são meramente econômicos e disponíveis, e não ao processo penal, no qual estão em jogo, de um lado, a liberdade individual do réu, e, de outro, a ofensa a variados bens jurídicos tutelados pelo Estado (vida, liberdade, patrimônio, meio ambiente etc...). Como dito, trata-se de princípio com envergadura constitucional, portanto, devendo as normas processuais serem lidas, ou relidas, à luz dos dispositivos constitucionais.
A própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de consolidar esta conclusão, ao analisar casos semelhantes às situação acima narradas, senão vejamos:
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DEPUTADO ESTADUAL. DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO E PECULATO. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO MOTIVADO DE DILIGÊNCIAS. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. ARTIGO 89 DA LEI N. 8.666/93. EXAME PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. PROVA EMPRESTADA. CONTRADITÓRIO NOS PRESENTES AUTOS. PARTICIPAÇÃO NA PRODUÇÃO PERANTE O PROCESSO DE ORIGEM. INÉRCIA DA DEFESA DEVIDAMENTE INTIMADA PARA O ATO. ARTIGO 565 DO CPP. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ACESSO À INTEGRALIDADE DE AUTOS DE INQUÉRITO CIVIL E DE REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS. INDEFERIMENTO JUSTIFICADO. MODIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. REVOLVIMENTO DE PROVAS. DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO ORIGINÁRIO PARA TRASLADO DE PEÇAS. INVESTIGAÇÕES E AÇÕES DE NATUREZA CÍVEIS PRESIDIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INEXISTÊNCIA. DESNECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO DAS DILIGÊNCIAS PELA CORTE A QUO. RÉUS COM ADVOGADOS DIFERENTES. PRAZO EM DOBRO. NÃO INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INDEFERIMENTO DAS DILIGÊNCIAS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, pois o magistrado, que é o destinatário final da prova, pode, de maneira fundamentada, indeferir a realização daquelas que considerar protelatórias ou desnecessárias ou impertinentes" (REsp. 1.519.662/DF, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, j. em 18/8/2015, DJe 1/9/2015). (....) (STJ, HC35763, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, p. 01/06/16)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/97. OITIVA DE TESTEMUNHA DA DEFESA. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. RÉU E DEFENSOR QUE SE COMPROMETERAM A APRESENTAR TESTEMUNHAS INDEPENDENTEMENTE DE INTIMAÇÃO. ARTIGO 565 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. "Uma vez assumido pela defesa o compromisso de apresentação espontânea de suas testemunhas na audiência, eventual ausência configura verdadeira desídia defensiva, não podendo, portanto, o indeferimento dos pedidos de substituição do rol e de realização de nova audiência serem considerados como cerceamento de defesa" (HC 117.952/PB. Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 27/05/2010, DJe 28/06/2010). 2. A declaração de nulidade a que tenha dado causa ou para a qual tenha a parte contribuído, viola o princípio do nemo auditur propriam turpitudinem allegans e a disposição do artigo 565 do Código de Processo Penal. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (STJ, RHC40851, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, p.09/03/2016)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME DE HOMICÍDIO. INTIMAÇÃO PARA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. RECORRENTE NÃO ENCONTRADO. APLICAÇÃO DA DISCIPLINA DO ART. 267 DO CPP. 2. NECESSIDADE DE INFORMAR A ALTERAÇÃO DO ENDEREÇO. VENIR CONTRA FACTUM PROPRIUM. PRECEDENTES. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. 1. Embora o recorrente tivesse plena consciência de que contra ele havia um processo criminal em curso, mudou-se de endereço, sem comunicar à justiça, razão pela qual não foi encontrado para ser intimado da audiência de instrução, debates e julgamento. Dessarte, incide no caso dos autos a disciplina do art. 367 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que "o processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo". 2. Não pode ser atribuído ao judiciário o não esgotamento dos meios para encontrá-lo, pois, sabendo do processo em curso contra si, tinha o dever de manter seu endereço atualizado. Ademais, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta. Portanto, reconhecer eventual nulidade no caso seria inadequado no plano da ética processual, por implicar violação do princípio da boa-fé objetiva, na dimensão venire contra factum proprium. 2. Recurso em habeas corpus improvido. (STJ, RHC49159, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, p. 28/03/16)
Portanto, a primeira conclusão que podemos extrair da aplicação da boa-fé no processo penal é a descaracterização de supostas situações de nulidade suscitadas pela defesa. Em outras palavras, o comportamento processual da defesa advoga no sentido contrário do seu pedido de reconhecimento do suposto vício.
Avançando, ainda nas hipóteses em que tenha ocorrido algum vício processual, a boa-fé processual impõe às partes o dever de comparecer em Juízo e suscitá-lo na primeira oportunidade em que dele tomar conhecimento, ou, pelo menos, em prazo razoável, sob pena de preclusão. Não se coaduna a boa fé processual com a prática de “guardar” uma tese de nulidade para argui-la em um momento processual futuro, objetivando causar o maior prejuízo possível à marcha processual e, com isso, maximizar a possibilidade da configuração da prescrição retroativa, assim como o próprio trânsito em julgado.
Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento acerca da abusividade da “nulidade de algibeira”, ou seja, aquela matéria que, nada obstante pudesse ter sido suscitada há muito tempo pela defesa – vez que de seu conhecimento -, é guardada como um trunfo para ser arguida apenas lá na frente. Por todos, citamos o AgRg no REsp 1391066, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, p. 19/11/05.
Em caso paradigmático, o STJ refutou a tese de nulidade em virtude da ausência de intimação da defesa para constituir novo advogado, nomeando-se, de logo, a Defensoria Pública para representa-lo, sob o fundamento de que a ausência de intimação teria ocorrido em 1992, enquanto que a nulidade só teria sido suscitada, em sede de Habeas Corpus, em 2005, doze anos depois, e que os réus desapareceram, o que impossibilitaria qualquer tentativa de intimá-los, senão vejamos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO, ESPECIAL OU DE REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO. NULIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO SEM INTIMAÇÃO DO PACIENTE. INOCORRÊNCIA. INÉRCIA DA DEFESA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. (...) 3. Não se vislumbra qualquer ilegalidade na decretação de revelia com a conseqüente nomeação de Defensor Público, quando, devidamente intimados, a defesa e o paciente não compareceram à audiência. 4. O alegado cerceamento de defesa decorrente da nomeação da Defensoria Pública teria ocorrido em 1992, sendo argüido em sede do presente habeas corpus apenas no ano de 2005, ou seja, cerca de 12 anos após a ocorrência da nulidade. Dessa forma, não há como reconhecer a nulidade, uma vez operada a preclusão. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. (STJ, HC44104, Rel. Min. Nefi Cordeiro, p. 17/03/05)
Com efeito, não nos parece comportamento compatível com o “devido processo leal” a defesa, mesmo tendo tomado ciência de uma possível nulidade, deixar de comunica-la, na primeira oportunidade possível, ao Juiz, a fim de que, se for o caso, seja sanada. Muito pelo contrário, realça um comportamento inadequado e deliberadamente intencionado a tumultuar o andamento processual com um possível reconhecimento futuro que, como consequência, ensejaria a anulação de todos os atos processuais posteriores e decorrentes do ato nulo.
Importante destacar, por fim, que a alteração do regime das nulidades processuais, notadamente a fixação de prazos adequados para suscitá-las, é uma das dez medidas propostas pelo Ministério Público Federal, que deu origem a Projetos de Lei que, atualmente, encontram-se em tramitação no Congresso Nacional.
A título de conclusão, estamos absolutamente convencidos de que o princípio da boa-fé processual tem total aplicação no processo penal, sem que isso caracterize ofensa ou limitação à ampla defesa, posto não ser possível confundir ampla defesa com impunidade. A defesa pode muito, mas não pode tudo. O processo precisa caminhar até o seu desfecho e a ampla defesa não pode justificar medidas defensivas em sentido diametralmente oposto.
quarta-feira, 11 de maio de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (8)
Prosseguindo na análise a respeito
dos efeitos do NCPC sobre o processo penal, importante relatar
recente decisão do STJ no tocante ao prazo para interposição do
Agravo Regimental previsto no art. 39, da Lei n. 8.038/90.
Qual o problema?
Conforme o art. 39, da Lei n.
8.038/90, o prazo para interpor o Agravo Regimental é de 05 dias. No
entanto, conforme o NCPC, o prazo para interpor Agravo
Regimental/Interno passou de 05 para 15 dias.
Em sendo assim, qual o prazo a ser
aplicado no processo penal?
Conforme decidido pelo STJ, no AgR na
Reclamação 30.714, o art. 39, da Lei n. 8.038/90, diferentemente de
outros dispositivos da mesma Lei, os quais foram expressamente
revogados pelo NCPC (tema já tratado neste blog), permanece vigente
e aplicável ao processo penal, senão vejamos:
PROCESSUAL
CIVIL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. RECURSO
QUE IMPUGNA DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR PROFERIDA APÓS A
ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CPC. PRAZO AINDA REGIDO PELO ART. 39 DA LEI
8.038/90. INTEMPESTIVIDADE. 1. O agravo contra decisão monocrática
de Relator, em controvérsias que versam sobre matéria penal ou
processual penal, nos tribunais superiores, não obedece às regras
no novo CPC, referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art.
219, Lei 13.105/2015) e ao estabelecimento de prazo de 15 (quinze)
dias para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração
(art. 1.003, § 5º, Lei 13.105/2015). 2. Isso porque, no ponto, não
foi revogada, expressamente, como ocorreu com outros de seus artigos,
a norma especial da Lei 8.038/90 que estabelece o prazo de cinco dias
para o agravo interno. (…)
terça-feira, 29 de março de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (7) - A superação da Súmula 699, STF
Uma questão extremamente comum nas provas de concurso era o prazo para a interposição do então Agravo de Instrumento contra decisão que inadmitiu Recurso Especial/Extraordinário.
Quanto a este tema, o STF editou a Súmula 699, a saber:
"O PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO, EM PROCESSO PENAL, É DE CINCO DIAS, DE ACORDO COM A LEI 8038/1990, NÃO SE APLICANDO O DISPOSTO A RESPEITO NAS ALTERAÇÕES DA LEI 8950/1994 AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL."
Este prazo estava previsto no art. 28, da Lei n. 8.038/90. O STF entendia que esta norma era especial à previsão do CPC, cujo prazo fixado era de 10 dias.
Entretanto, o NCPC revogou expressamente o art. 28, da Lei n. 8.038/90, de modo que o agravo para "destrancar" Recurso Especial/Extraordinário passa a ser regulado pelo próprio NCPC, em seu art. 1042, c/c art. 3º, CPP.
Qual o prazo, então, para a interposição do Agravo em processo penal?
O prazo para interposição de agravo é de 15 dias, na forma do art. 103, §5º, NCPC, que é prazo geral para qualquer recurso no NCPC, à exceção dos Embargos de Declaração.
Portanto, com o advento do NCPC, fica superada a Súmula 699, STF.
quinta-feira, 17 de março de 2016
O encontro fortuito de provas na interceptação: E quando o alvo conversa com alguém que tem prerrogativa de foro?
Quanto um determinado alvo é
interceptado, não há como se antever com quem e sobre o que ele conversará. Não
se pode fazer juízo de futurologia.
Portanto, é natural que, em
algumas oportunidades, a partir do acompanhamento dos diálogos interceptados, sejam
descobertos indícios de envolvimento criminoso de uma terceira pessoa (o
interlocutor, e não o alvo interceptado). Ou ainda, sejam descobertos novos
fatos criminosos associados à pessoa do alvo.
Nessas ocasiões, ocorre o
denominado “encontro fortuito de provas”. Fortuito porque as provas dizem respeito
a novos fatos ou novas pessoas, além do fato ou da pessoa efetivamente
investigado(a).
Por exemplo, durante a
interceptação de um tráfico de drogas, descobre-se que o alvo também pratica
contrabando de cigarro estrangeiro. Ou ainda, durante esta mesma interceptação,
verifica-se o envolvimento, p.ex, dos seus comparsas, até então desconhecidos.
O que ocorre, no entanto,
quando a terceira pessoa (quem está do outro lado da linha, e não o alvo da
investigação) possui prerrogativa de foro? Como proceder?
Apenas a título de exemplo,
foi o que aconteceu com o ex-Senador Demóstenes Torres, que foi flagrado em
conversas com Carlinhos Cachoeira, que estava interceptado por determinação de
um Juiz.
Aqui, há duas situações
distintas.
É possível que sejam
identificados indícios objetivos do envolvimento desta autoridade com o crime
ora investigado, ou a ele conexo (serendipidade em 1º grau, ou “elementos de
investigação”), como também que sejam identificados indícios objetivos do
envolvimento desta autoridade com outro crime diverso (serendipidade em 2º
grau, ou “elementos fortuitos”).
Na primeira situação, todos
os autos devem ser remetidos ao Tribunal competente, a quem competirá decidir
acerca de eventual desmembramento da investigação.
Na segunda situação, apenas
os elementos referentes aos indícios do crime diverso devem ser encaminhados ao
Tribunal competente, a quem competirá instaurar, se assim entender, a
investigação.
sábado, 5 de março de 2016
A (agora) famosa condução coercitiva em 12 pontos.
Algumas considerações sobre o tema da moda: condução coercitiva. A análise é meramente jurídica e desvinculada do fato concreto da condução coercitiva do ex-Presidente Lula.
1 - A condução coercitiva é medida controvertida?
R - Sim, é um tema controvertido. Muitos doutrinadores não a admitem, afirmando que a condução coercitiva só poderia ocorrer se, intimado, o investigado não comparecesse (art. 260, CPP).
2 - Qual é o embasamento jurídico da condução coercitiva?
R - É considerada uma medida cautelar diversa da prisão (art. 319, CPP), com base no poder geral de cautela do CPC, aplicável na forma do art. 3º, CPP.
3 - A medida já foi utilizada anteriormente?
R - Sim, a medida é amplamente utilizada em operações policiais em todo o país há anos, tanto na Justiça Federal, quanto na Justiça Estadual. Eu, na minha pouca experiência prática, já requeri a condução coercitiva inúmeras vezes.
4 - A medida já foi adotada anteriormente na Operação Lava Jato?
R - Sim, nas 23 fases anteriores da Operação, a medida foi adotada dezenas de vezes.
5 - Existe posicionamento do STF a respeito do tema?
R - Sim, HC 107.644/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandosvki.
6 - Há necessidade de decisão judicial determinando a condução coercitiva?
R - Não, de acordo com o precedente do STF acima mencionado. Todavia, desconheço qualquer condução coercitiva que não tenha sido requerida e autorizada por ordem judicial.
7 - Qual a razão da condução coercitiva?
R - Resumidamente, busca-se levar a pessoa à Delegacia ou ao MP, evitando que mantenha contato com outros investigados ou com terceiras pessoas, no sentido de emitir ordens de destruição de provas, sonegação de bens, orientações, ameaças ou coações a terceiros, assim como evitar a combinação de versão defensiva.
8 - Cite um exemplo.
R - Imagine uma investigação acerca de uma empresa constituída em nome de sócios laranjas. Se houver a intimação dos laranjas e do proprietário de fato, provavelmente este poderá contactar os laranjas e estabelecer a versão defensiva, muitas vezes, mediante coação ou oferecimento de algum tipo de vantagem. Com a condução coercitiva, os três serão levados ao mesmo tempo à Delegacia ou ao MP e serão inquiridos separadamente, sem que mantenham contato um com o outro.
9 - Na condução coercitiva, afasta-se o direito ao silêncio?
R - Obviamente que não. No seu depoimento, o investigado terá assegurado o seu direito ao silêncio.
10 - Mas, se é possível ficar calado, por que conduzir o investigado coercitivamente?
R - Como mencionado no item 8, a razão da condução não é simplesmente interrogar o investigado, mas assegurar a eficácia da investigação.
11 - Se a condução coercitiva não for considerada válida, o que iria acontecer?
R - Se não for reconhecida a validade da condução coercitiva, provavelmente o investigado seria preso temporariamente (5 dias + 5 dias). Via de regra, nos pedidos de condução coercitiva, há um pedido subsidiário de prisão temporária.
12 - É possível, então, afirmar que a medida é mais benéfica ao investigado?
R - Sim, considerando que é um instrumento que busca evitar medida mais drástica (prisão temporária), é comum que a doutrina e as decisões judiciais pontuem que a medida é proporcional, haja vista atingir, em menor grau, a liberdade do investigado, limitando-a por pequeno espaço de tempo, e não por até 10 dias (5 + 5).
quarta-feira, 2 de março de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (6)
Sabe-se que a admissibilidade do Recurso Especial e/ou do Recurso Extraordinário está condicionada, dentre outros aspectos, ao prequestionamento da matéria, posto que os dispositivos da Constituição Federal fazem referência à matéria "decidida".
Nesse particular, a presente postagem é sobre a possibilidade de aceitar-se o prequestionamento ficto, compreendido como o reconhecimento do prequestionamento de uma matéria se, a despeito de ter sido a decisão embargada, o Tribunal não saná-la,considerando que a decisão não foi omissa, contraditória ou obscura.
Exemplificativamente: Julgada a apelação no TRF, a parte opõe Embargos de Declaração, suscitando que o Tribunal não apreciou uma determinada matéria. No julgamento desses Embargos, o TRF nega provimento, afirmando que não houve omissão. A parte, então, interpõe Recurso Especial para discutir aquela matéria. No entanto, o STJ não conhece do Recurso Especial, sob o argumento de que a matéria não teria sido apreciada pelo TRF, ou seja, não teria sido prequestionada.
Nesse panorama, surge a discussão sobre a existência, ou não, de prequestionamento ficto. Isto é, se a parte embargou a decisão e os embargos foram rejeitados, é de se presumir o prequestionamento?
Durante muito tempo, o STF aceitou o prequestionamento ficto (Súmula 356). Entretanto, mais recentemente, em sintonia com a jurisprudência do STJ, passou a refutá-lo.
Diante deste cenário, qual seria a solução? A parte deveria interpor Recurso Especial ou Extraordinário para discutir a negativa de vigência à lei federal ou negativa de jurisdição e, uma vez provido o recurso, os autos desceriam ao Tribunal inferior para exarar uma nova decisão, contra a qual, aí sim, a parte poderia interpor Recurso Especial ou Extraordinário quanto à matéria de fundo.
Porém, o art. 1025, do NCPC, prevê, expressamente, a admissibilidade do prequestionamento ficto, a saber:
Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
A nosso sentir, esta disposição é perfeitamente aplicável aos Recursos Especial e Extraordinário de natureza criminal, notadamente porque o prequestionamento é tratado na Constituição Federal, inexistindo, no CPP, qualquer definição do que deve ou não ser considerado prequestionado.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
STF e a execução provisória da pena.
Prezados,
Abro parênteses na análise da aplicação prática do NCPC sobre o processo penal, para fazer algumas considerações a respeito da decisão proferida pelo STF na tarde de ontem.
Meu objetivo não é convencer ninguém. Afinal, acredito que esta seja mais uma daquelas discussões em que cada um já tem a sua opinião e nada do que o outro falar modificará esse seu convencimento.
Também não pretendo trazer inúmeros argumentos jurídicos. Muito já se escreveu - nos dois sentidos - sobre o tema. Se alguém tiver curiosidade, o voto de Zavascki está AQUI.
Queria apenas deixar registrada, em tópicos, a minha opinião e refutar alguns argumentos extrajurídicos apontados pelos advogados criminalistas.
Primeiro: O Brasil não se tornará uma ditadura, um Estado totalitário, que não respeita as garantias individuais. O entendimento do STF é adotado nas maiores democracias do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Itália etc... Certamente, ninguém ousa afirmar que estes países não sejam democráticos ou não assegurem as garantias individuais aos seus cidadãos.
Segundo: Conforme informações obtidas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, intérprete primeira da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) também chancela a execução da pena após o esgotamento das instâncias ordinárias. Convenhamos que a CIDH também não deve ter muito interesse em vilipendiar direitos humanos.
Terceiro: A presunção de inocência (não-culpabilidade) é um princípio jurídico, não uma regra. Portanto, a forma de sua aplicação/interpretação é diversa do "tudo ou nada", aplicando-se na maior medida possível, considerando o caso concreto e os demais princípios relevantes acerca do tema, em um juízo de ponderação.
Quarto: Conforme doutrina, a presunção de inocência (não-culpabilidade) é a garantia de que ninguém será considerado culpado antes de decisão definitiva a respeito dessa culpa. Em outras palavras, sou inocente até que tenha sido definitivamente comprovada a minha culpa. Daí decorrem duas regras: (i) tratamento - sou inocente até a formação da culpa; e (ii) probatória - não cabe a mim provar que sou inocente, mas sim ao Estado provar que sou culpado.
Quinto: A nós é assegurada a garantia da presunção de inocência (não-culpabilidade). Mas em relação ao que somos considerados inocentes? Somos considerados inocentes em relação ao fato que nos é imputado na Denúncia/Queixa. Portanto, até que seja provada a ocorrência do fato criminoso a mim imputado e que eu o pratiquei, eu sou inocente.
Sexto: Quando e onde se forma a culpa? A discussão a respeito dos fatos e das provas ocorre até a 2ª instância. STJ e STF não têm atribuição constitucional para discutir fatos e provas. Discutem apenas questões jurídicas. Assim sendo, p.ex, uma vez definido, na 2ª instância, que o réu adentrou ao estabelecimento comercial, utilizando-se de arma de fogo, rendeu o atendente e subtraiu o dinheiro contido no caixa, nem o STJ nem o STF poderão dizer, p.ex, que o assalto não ocorreu ou que não foi o sujeito que cometeu aquele assalto. Este ponto tornou-se imutável.
Sétimo: O STF, já no julgamento da Ação Penal 470 (Caso Mensalão) reconheceu a teoria da coisa julgada progressiva, segundo a qual a coisa julgada vai se formando pouco a pouco no decorrer do processo, conforme vão se tornando imutáveis os diversos capítulos de sentença.
Oitavo: É possível decompor ideologicamente a sentença condenatória em vários capítulos autônomos, sendo, por isso, possível concluir que o capítulo referente à formação da culpa (existência do fato e comprovação de sua autoria) torna-se imutável após a decisão de 2ª instância, sem prejuízo que outros capítulos ainda possam ser discutidos no STJ ou no STF.
Nono: É válido lembrar que a reversibilidade da decisão existe, sem dúvidas. Mas não há decisão condenatória absolutamente imutável, posto que o réu poderá valer-se, a qualquer tempo, da Revisão Criminal, no bojo da qual poderá, muito mais do que pode no RE/Resp, discutir fatos e apresentar provas novas.
Décimo :Por fim, acreditamos que, assim como já ocorre (infelizmente) na Justiça Eleitoral, os advogados certamente valer-se-ão de diversos mecanismos hábeis à concessão de efeito suspensivo ao RE/REsp, tais como HC, MS, medida cautelar ou pedido de efeito suspensivo na peça de interposição. A diferença, agora, é que o efeito suspensivo deverá demonstrar a verossimilhança do argumento jurídico, não sendo mais automático, o que instigava o réu e a sua defesa a recorrer de tudo e contra tudo, quantas vezes forem necessárias para evitar o trânsito em julgado, destacando-se, inclusive, que não há preparo no processo penal
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (5)
Uma das maiores aberrações jurídicas - na minha humilde visão - é o entendimento de que, se o recurso for interposto antes da intimação, ele ser extemporâneo. É o denominado recurso prematuro.
Ora, quem atua na prática forense sabe que, muitas vezes, se tem acesso à decisão antes da intimação. Cito, por exemplo, a hipótese de o ator processual estar acompanhando de perto um determinado caso importante e, ao pedir vista dos autos no Cartório Judicial, verificar que há decisão pendente de intimação da sua publicação. Por outro lado, no âmbito dos Tribunais, enquanto a ementa da decisão é publicada antes, a lavratura do Acórdão só ocorre tempos depois.
Quanto a este aspecto - interposição de recurso antes da intimação - há entendimentos nos dois sentidos. De todo modo, quer nos parecer que o art. 218, §4º, CPC, poderá ser aplicado ao processo penal e afastará, de uma vez por todas, a admissão do denominado recurso prematuro, senão vejamos:
Art. 218 (...)
§ 4o Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.
Duas nos parecem ser as acertadas razões desse entendimento. Primeiro, uma razão jurídica, qual seja, a parte pode renunciar ao prazo que lhe favoreça. Segundo, uma razão prática, seria demasiada formalidade não admitir o recurso sob o argumento de que a parte não foi intimada, haja vista que a própria interposição já denota que a parte tomou conhecimento da decisão recorrida. Ademais, a medida contribui para a celeridade processual, por ensejar a economia de atos processuais de intimações.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (4)
Uma das novidades mais comentadas do NCPC é, sem dúvidas, o §1º, do art. 489, que esmiuça o que é considerada uma decisão fundamentada, a partir de uma interpretação a contrario sensu, ou seja, a partir da identificação do que não se considera uma decisão devidamente fundamentada, senão vejamos:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Busca-se evitar as decisões no estilo "defiro (indefiro) a liminar, vez que presentes (ausentes) os requisitos legais", ou então, "decreto a prisão preventiva de Tício a fim de assegurar a ordem pública". Mas este não é o objetivo da postagem.
É possível aplicar tais parâmetros às decisões proferidas no processo penal?
Estamos convencidos de que sim, afinal, o dever de fundamentação das decisões judicias tem amparo constitucional (art. 93, IX, CF), de maneira que o novel dispositivo apenas elenca, de forma objetiva e com base em dados empíricos, situações nas quais não se considera atendido o aludido dever de fundamentação. Em sendo assim, não vemos qualquer óbice que impossibilite que estes parâmetros também possam ser utilizados no processo penal.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal - 3
O NCPC acabou com a figura dos Embargos Infringentes (embora criando coisa pior). Porém, ainda há Embargos Infringentes e de Nulidade no processo penal (art. 609, parágrafo único). Logicamente, a revogação do recurso cível não importará na revogação do recurso penal. Este não é o ponto.
A importância do NCPC em relação aos Embargos Infringentes e de Nulidade diz respeito ao momento de interposição do Recurso Especial/Extraordinário quando a decisão contiver parte unânime e parte não-unânime (esta recorrível pelos Embargos).
Nesta hipótese, o que fazer? Interpor Embargos em relação á parte não-unânime e REsp/RE em relação à parte unânime? Ou interpor Embargos e aguardar o julgamento para, só então, interpor RE/REsp em relação à parte unânime?
À luz do antigo CPC, a jurisprudência do STF e do STJ era divergente quanto á aplicação, no processo penal, do art. 498, CPC, a saber:
Art. 498. Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos
O STJ admitia a sua incidência, autorizando que o RE/Resp só fosse interposto após a intimação do resultado do julgamento dos Embargos. Por todos, citamos o AgRg no AREsp 226158. Por sua vez, o STF afastava a sua incidência, determinando que os recursos tivessem que ser interpostos simultaneamente. Por todos, citamos o AI 432884 QO.
Agora, com o advento do NCPC, parece-nos que a interpretação conferida pelo STJ (acertada, a nosso sentir) perde a sua fundamentação, de modo que a parte deverá interpor, simultaneamente, os Embargos Infringentes e de Nulidade e o RE/REsp.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016
Efeitos práticos do NCPC sobre o processo penal (2)
Considerando-se
a previsão contida no art. 219, NCPC, e no art. 3º, CPP, os prazos
processuais penais só correrão nos dias úteis?
Não.
A previsão do NCPC não se aplica ao processo penal, haja vista que
neste há previsão expressa acerca da contagem dos prazos, senão
vejamos:
Art. 798. Todos
os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios,
não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
§ 1o Não
se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do
vencimento.
(…)
§ 3o
O
prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á
prorrogado até o dia útil imediato.
Considerando-se
a previsão contida no art. 180, NCPC, e no art. 3º, CPP, os prazos
processuais penais serão contados em dobro para o MP?
Não.
No processo penal, há prazo em dobro apenas para Defensoria ou
defensor dativo, na forma do art. 5º, §5º, da Lei n. 1.060/50, c/c
art. 44, I, LC n. 80/94.
Considerando-se
a previsão contida no art. 220,
NCPC, e no art. 3º, CPP, os prazos processuais penais
serão suspensos no período de 20/12 a 20/01?
Também
pensamos que não, uma vez que, de acordo com o art. 797, CPP, os
atos poderão ser praticados, inclusive, durante o período de
férias, domingo e feriados, a saber:
Art. 797. Excetuadas
as sessões de julgamento, que não serão marcadas para domingo ou
dia feriado, os demais atos do processo poderão ser praticados em
período de férias, em domingos e dias feriados. Todavia, os
julgamentos iniciados em dia útil não se interromperão pela
superveniência de feriado ou domingo.
Além
disso, a suspensão dos prazos não nos parece ser compatível com a
garantia da duração razoável do processo e com a prisão cautelar,
considerando-se, de um lado, a possibilidade de prescrição da
pretensão punitiva mesmo após o início da Ação Penal (p.ex,
entre o recebimento da Denúncia e a sentença condenatória) e, de
outro, que diversas Ações Penais lidam com réus presos, não sendo
razoável suspender prazos e audiências durante o período em
questão.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
STF: Há prescrição contra a Fazenda Pública em casos de reparação de dano ao Erário.
Decisão importantíssima do STF, que cairá nos próximos concursos sem a menor dúvida.
Resumidamente, o STF entendeu que há prescrição contra a Fazenda Pública no tocante a ilícitos civis, aqui não compreendidos os atos de improbidade administrativa.
Exemplificativamente, se um particular causar dano a um veículo do INSS, a União terá prazo de 03 anos para ajuizar a demanda.
Quarta-feira, 03 de fevereiro de 2016
STF decide que há prescrição em danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil
Na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (3), os ministros firmaram tese de repercussão geral no sentido de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. Essa tese foi elaborada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 669069 em que se discute o prazo de prescrição das ações de ressarcimento por danos causados ao erário, entretanto essa tese não alcança prejuízos que decorram de ato de improbidade administrativa, tema não discutido nesse recurso.
Conforme o recurso, a União propôs ação de ressarcimento contra uma empresa de transporte rodoviário e um de seus motoristas por entender que houve culpa exclusiva do condutor do ônibus em batida contra uma viatura da Companhia da Divisão Anfíbia da Marinha, ocorrida no dia 20 de outubro de 1997 em uma rodovia no Estado de Minas Gerais. Naquele ano ainda vigorava o Código Civil de 1916, que estabelecia prazo para efeito de prescrição das pretensões reparatórias de natureza civil. No entanto, a ação foi ajuizada pela União em 2008, quando vigorava o Código Civil de 2002.
O RE foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que aplicou o prazo prescricional de cinco anos para confirmar sentença que extinguiu a ação de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público, decorrente do acidente. A União alegava a imprescritibilidade do prazo.
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Teori Zavascki, que negou provimento ao recurso, bem como a tese proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso no sentido de que, em se tratando de ilícitos civis, há a incidência da prescrição.
De acordo com o relator do processo, a ressalva contida na parte final do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, que remete a lei a fixação de prazos de prescrição para ilícitos que causem prejuízos ao erário, mas excetua respectivas ações de ressarcimento, deve ser entendida de forma estrita. Segundo ele, uma interpretação ampla da ressalva final conduziria à imprescritibilidade de toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que não decorram de culpa ou dolo.
Na sessão de hoje, o ministro Dias Toffoli apresentou voto-vista e acompanhou o relator. Toffoli lembrou que o caso trata da possibilidade de o direito do ente público à reparação de danos em decorrência de acidente de trânsito poder ser alcançado ou não pela prescrição. “Não há no tema de fundo discussão quanto à improbidade administrativa nem mesmo de ilícitos penais que impliquem em prejuízos ao erário ou, ainda, das demais hipóteses de atingimento do patrimônio estatal nas suas mais variadas formas”, destacou. “Portanto, não há como se debater sobre todo o comando jurídico do artigo 37, parágrafo 5º”, completou o ministro.
Também votaram na sessão de hoje, com o relator, os ministros Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski. Ficou vencido o ministro Edson Fachin, que votou no sentido de dar provimento ao RE, determinando o retorno do processo ao TRF-1, se superada a questão da prescrição pelo Supremo, a fim de que fosse julgada a matéria de fundo, ainda não apreciada naquela instância.
O ministro Ricardo Lewandowski observou que, no meio acadêmico, os professores costumam lembrar que “a prescrição visa impedir que o cidadão viva eternamente com uma espada de Dâmocles na cabeça”. O ministro também citou o jurista Clóvis Beviláqua que dizia que o fundamento da prescrição é a necessidade de se assegurar a ordem e a paz na sociedade. “Me parece absolutamente inafastável a necessidade de garantir-se, por meio da prescrição, certeza e segurança nas relações sociais, sobretudo no campo patrimonial”, ressaltou.
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