terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tópicos de Processo Penal


II – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO

            Consiste em averiguar se, no confronto entre a lei velha e lei nova, qual deve prevalecer. Segundo a doutrina, o tema deve ser analisado sob três enfoques:

a) em caso de lei penal pura, aplica-se a regra da retroatividade da lei mais benéfica; 
b) em caso de lei processual penal pura, aplica-se a regra da imediatidade, segundo o princípio do tempus regit actum (art. 2º, CPP);
c) em caso de lei mista (penal e processual penal), prevalece a regra aplicável à lei penal, isto é, a retroatividade da lei mais benéfica.

Quanto ao item “c”, cumpre acentuar que a lei mista seria aquela que, a par de dispor sobre regras e institutos processuais, tais como prisão, recursos, procedimentos, também produzirá efeitos sobre a pretensão punitiva estatal, interferindo, p.ex, na natureza jurídica da Ação Penal, estabelecendo uma nova hipótese de extinção da punibilidade etc...

         De acordo com essa divisão adotada pela grande parte da doutrina, cabe trazer à tona algumas situações interessantes:

1 – Ação Pública Incondicionada e lei posterior que a transforme em Ação Pública condicionada ou em Ação Privada: Se, no momento da prática do crime, este é de Ação Penal Pública Incondicionada, caso lei posterior modifique a natureza jurídica da Ação Penal, passando a dispor ser ela Ação Penal Pública condicionada ou Ação Penal Privada, tratar-se-á de lei mista, porque é inegável o seu reflexo na pretensão punitiva estatal, bastando ter em mente que, sem a representação da vítima ou sem o próprio ajuizamento da Ação Penal pela vítima, o Estado jamais poderia aplicar uma sanção ao indivíduo. Foi o que aconteceu com a Lei n. 9.099/95, que passou a exigir a representação da vítima nos delitos de lesão corporal leve e culposa.

2 – A revogação do Protesto pelo Novo Júri: O Protesto pelo novo Júri era um recurso exclusivo da defesa, tendo sido revogado em 2008. Trata-se de lei processual penal pura ou lei mista? A resposta gerará efeitos práticos relevantes, visto que, se considerarmos ser uma lei processual penal pura, o cabimento, ou não, desse recurso deve ser analisado a partir da data da sentença do Juiz-Presidente do Júri. Se, naquela data, a lei já houvesse revogado o recurso, e este não mais seria cabível. Se a sentença for anterior, será cabível. Porém, se considerarmos tratar-se de lei mista, o marco temporal deixa de ser a data da condenação, e passa a ser a data do fato criminoso. Assim, se o fato ocorreu antes da revogação da lei, caberia o recurso, mesmo que, na data da condenação ou, até mesmo, na data do protocolo do recurso, a lei já tivesse sido publicada. Por fim, vale salientar que a jurisprudência do STJ (REsp 1094482 e HC94281) e a parcela dominante da doutrina entendem que se está diante de lei processual penal pura.

3 – A alteração do momento do interrogatório. Até 2008, o interrogatório era o primeiro ato da instrução, ou seja, recebida a Denúncia ou a Queixa, o réu, ou querelado, era citado para comparecer em Juízo e ser interrogado. Atualmente, entretanto, o interrogatório é o último ato da instrução. Tratando-se, a nosso sentir, de lei processual penal pura, caso o réu já tenha sido interrogado antes do advento da nova legislação, não há qualquer nulidade em não realizar um segundo interrogatório, após a instrução. Os TRF´s 3 e 5 já decidiram dessa maneira (ACR 00015112220054036181 e ACR 00035612520084058100). Há de se registrar, porém, que é bastante comum, nesse caso, que o Juiz abra oportunidade para um novo interrogatório do réu, com fundamento no princípio da ampla defesa e do contraditório.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

STJ: Critério de definição da competência no crime de uso de documento falso

Caros leitores,

Após um tempo sem postar, trago hoje uma questão interessante que me apareceu na prática. Como se define a competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso? Deve-se considerar o órgão que teria atribuição para expedir o documento falsificado, ou, noutro sentido, deve-se considerar o orgão perante o qual o documento foi apresentado?

Trago dois exemplos:

1 -Apresentação de CNH falsa (atribuição do DETRAN) perante a Polícia Rodoviária Federal;

2 - Apresentação de CTPS (atribuição do MTE) perante empresa privada;

Nesses dois casos, a competência será da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

O critério adotado pelo STJ é o seguinte: Como se trata de crime de uso de documento falso, que se consuma com a apresentação desse documento perante terceiros, deve-se verificar perante quem o documento foi usado. Se é orgão, entidade ou agente federal, a competência é federal, ainda que o documento seja particular ou de atribuição estadual ou municipal (exemplo 1). Se é órgão, entidade ou agente estadual, municipal ou particular, a competência é estadual, ainda que o documento seja se atribuição federal (exemplo 2).

Nesse sentido:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. UTILIZAÇÃO PERANTE A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A qualificação do órgão expedidor do documento público é irrelevante para determinar a competência do Juízo no crime de uso de documento falso, pois o critério a ser utilizado para tanto define-se em razão da entidade ou do órgão ao qual foi apresentada, porquanto são estes quem efetivamente sofrem os prejuízos em seus bens ou serviços. 2. In casu, como a CNH teria sido utilizada, em tese, para tentar burlar a fiscalização realizada por agentes da Polícia Rodoviária Federal, que possuem atribuição de patrulhamento ostensivo das rodovias federais, resta caracterizado o prejuízo a serviço da União, justificando-se a fixação da competência da Justiça Federal, consoante o disposto no art. 109, inciso IV, da Carta da República. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, o suscitante. (STJ, CC99105, Rel. Min. Jorge Mussi, p. 27.02.09)

 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO E USO DE ATESTADO MÉDICO, SUPOSTAMENTE EMITIDO PELA DIRETORIA DE SAÚDE DO COMANDO DA AERONÁUTICA. FINALIDADE DE JUSTIFICAR FALTA AO TRABALHO PERANTE EMPRESA PRIVADA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A apresentação de atestado médico falso, ainda que supostamente proveniente de órgão da União ou de entidade autárquica ou empresa pública, com a finalidade exclusiva de justificar falta ao trabalho em empresa privada, não atrai a competência da Justiça Federal (...). (STJ, CC119939, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, p. 07.05.2012
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. JUÍZO COMPETENTE. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO E REGISTRO GERAL. NATUREZA DO ÓRGÃO ONDE FOI APRESENTADO. FLAGRANTE EFETUADO POR POLICIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. (...) II. A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, aplica-se às hipóteses em que os crimes são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. III. In casu, a documentação falsa foi apresentada em detrimento de serviço da União, qual seja, a fiscalização prestada pela Polícia Federal, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. Precedentes. IV. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (STJ, 195037, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 17.08.2011