quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Direito de Defesa: Defesa técnica e autodefesa

A postagem de hoje é um breve resumo sobre o direito de defesa no processo penal.

De acordo com a doutrina, o direito de defesa deve ser analisado em dois aspectos:

              (a)defesa técnica; e

(b) autodefesa.

A defesa técnica é aquela desempenhada por profissional habilitado, com capacidade postulatória. É obrigatória e indispensável, mesmo contra a vontade do réu (art. 261, CPP). Pode ser exercida pelo advogado constituído pelo réu, por um Defensor Público ou, por fim, por um defensor dativo, nomeado pelo Juízo. A ausência de defesa técnica é causa de nulidade absoluta do processo.

Ademais, o réu tem o direito de escolher o seu defensor, razão pela qual não cabe ao Juízo indicar, de logo, um novo defensor, em caso da renúncia do defensor anterior (Sumula n. 708, STF, aplicável por analogia). Deve o réu ser intimado para constituir um novo defensor e, somente se ele se omitir, é que o Juízo poderá nomear um defensor dativo.

E se o defensor do réu não oferecer Alegações Finais? Deve o Juiz intimar o réu para constituir um novo defensor, ou pode nomear um defensor imediatamente? A jurisprudência é vacilante. Há corrente que entende que o réu deve ser intimado para constituir um novo advogado (STJ, HC154250; HC 195783), como também há corrente que entende que o Juiz pode nomear, de logo, um defensor dativo (STF, HC107780; STJ, HC 161653; RHC 26252). O que não pode, em atenção ao princípio da ampla defesa e do contraditório, é o réu não oferecer Alegações Finais.

Lembrar que, no caso de processos administrativos, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante n. 05, consignou que a defesa não precisa ser formulada por advogado. Contudo, atenção para a questão do procedimento que apura a prática de falta grave. Nesta hipótese, o STF entende que há necessidade da presença de advogado, haja vista os reflexos penais da falta grave (STF, RE398269; STJ, HC171364).

Por outro lado, a autodefesa é a defesa exercida pelo próprio réu, desdobrando-se em três vertentes, a saber: (a) direito de presença, (b) direito de audiência e (c) direito de postular.

No primeiro aspecto, está compreendido o direito de o réu participar dos atos processuais, acompanhando o andamento do processo e a produção probatória. Por tal razão, o réu tem o direito de ser intimado para comparecer à audiência. Entretanto, se for intimado e não comparecer a um ato processual, poderá ser decretada a sua revelia (art. 367, CPP), e o processo prosseguirá sem a sua intimação.

O direito de audiência configura-se na prerrogativa de o réu, se quiser, ter contato direto com o Juiz e expor a sua versão sobre os fatos que lhe são imputados. Corporifica-se no interrogatório, que, atualmente, é considerado meio de defesa, e não meramente um meio de prova. É essa a razão pela qual o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instrução e passou a ser o último. Ora, se é meio de defesa do réu, o momento mais propício para a sua ocorrência é após a produção de todas as provas, de maneira que o réu tenha consciência das provas que foram produzidas em seu favor e em seu desfavor e possa formar seu convencimento sobre a melhor estratégia para a sua defesa.

Há doutrina que enxerga o direito de audiência em duas óticas: na ótica positiva, o réu tem a possibilidade de se manifestar sobre os fatos e expor a sua versão, a fim de influenciar a formação do convencimento do Juízo; na ótica negativa, o réu tem o direito de manter-se em silêncio, e este silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo.

Por fim, o direito de o réu postular dá-se em casos em que a legislação admite que ele formule pretensões, mesmo sem a presença de um advogado. Por exemplo, o réu pode interpor recurso de Apelação, pode impetrar Habeas Corpus e ajuizar Revisão Criminal.  Por tal razão, o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença condenatória (art. 392, CPP).

A regra do art. 366, CPP, que prevê a suspensão do processo quando o réu, citado por Edital, não comparecer nem constituir advogado, também é decorrência da autodefesa, posto que, considerando-se que a citação editalícia é ficta, provavelmente sequer o réu terá conhecimento da Ação Penal em seu desfavor, de modo que não poderá estar presente aos atos processuais tampouco ser interrogado.



quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Peculato de uso é crime?

Prezados,


Destaco uma decisão do STF publicada no último Informativo n. 712:

Peculato de uso e tipicidade (INFO 712)

É atípica a conduta de peculato de uso. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma deu provimento a agravo regimental para conceder a ordem de ofício. Observou-se que tramitaria no Parlamento projeto de lei para criminalizar essa conduta.
HC 108433 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-108433)

O crime de peculato nada mais é do que a apropriação indébita praticada por agente público, estando tipificado no art. 312, CP. Para a sua caracterização, é preciso que o agente tenha o animus, a intenção de apoderar-se da coisa (tê-la como sua) ou desviá-la em favor de terceiro (tê-la como de terceiros).
Dessa forma, se ele apenas usa a coisa, com a intenção de devolvé-la posteriormente, não estaria configurado o elemento subjetivo do tipo, sendo a conduta, portanto, atípica, como sinalizado pelo STF neste julgamento.
Porém, há uma exceção, que pode ser cobrada em concurso público: No Decreto-lei n. 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade de Prefeitos, há a tipificação do peculato de uso, no art. 1º, inciso II, a saber:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (peculato normal)
Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; (peculato de uso)


Assim, se o Prefeito utiliza veículos da Prefeitura em proveito próprio, p.ex, para levar materiais de construção para o terreno onde ele está construindo a sua casa, estará configurado o crime do art. 1º, inciso II, que, para boa parte da doutrina, é hipótese de peculato de uso.
Percebem que o núcleo do tipo é “utilizar-se”, o que permite o seu uso momentâneo. Caso haja apropriação ou desvio, de forma permanente, o crime será o do inciso I.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

STF e a teoria da dupla imputação nos crimes ambientais

 Prezados leitores,

Venho chamar a atenção de vocês para uma questão certa nos próximos concursos. Trata-se de recente decisão do STF afastando a necessidade de que, nos crimes ambientais, caso a pessoa jurídica seja denunciada, a pessoa física responsável também deveria ser. É a chamada teoria da “dupla imputação”, que vinha sendo adotada pelo STJ.

Vejamos os dois entendimentos (primeiro, o do STF; depois, o do STJ):

Primeira Turma admite abertura de ação penal contra Petrobras
Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a possibilidade de se processar penalmente uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso contra pessoa física com relação ao crime. A decisão determinou o processamento de ação penal contra a Petrobras, por suposta prática de crime ambiental no ano de 2000, no Paraná.
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal do Paraná, o rompimento de um duto em refinaria situada no município de Araucária, em 16 de julho de 2000, levou ao derramamento de 4 milhões de litros de óleo cru, poluindo os rios Barigui, Iguaçu e áreas ribeirinhas. A denúncia levou à instauração de ação penal por prática de crime ambiental, buscando a responsabilização criminal do presidente da empresa e do superintendente da refinaria, à época, além da própria Petrobras.
Em habeas corpus julgado em 2005 pela Segunda Turma do STF, o presidente da Petrobras conseguiu trancamento da ação penal, alegando inexistência de relação causal entre o vazamento e sua ação. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 6ª Turma concedeu habeas corpus de ofício ao superintendente da empresa, trancando também a ação contra a Petrobras, por entender que o processo penal não poderia prosseguir exclusivamente contra pessoa jurídica. Contra a decisão, o Ministério Público Federal interpôs o Recurso Extraordinário (RE) 548181, de relatoria da ministra Rosa Weber, levado a julgamento na sessão desta terça (6) da Primeira Turma.
Relatora
Segundo o voto da ministra Rosa Weber, a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, ao deixar de aplicar um comando expresso, previsto no artigo 225, parágrafo 3º, segundo o qual as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas. Para a relatora do RE, a Constituição não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, como fez o STJ ao prever o processamento simultâneo da empresa e da pessoa física.
A ministra afastou o entendimento do STJ segundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas só é possível se estiver caracterizada ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato a uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. “A dificuldade de identificar o responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física”, afirmou a ministra, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional.
A relatora também abordou a alegação de que o legislador ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. “O mais adequado do ponto de vista da norma constitucional será que doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios”, sustentou.
Ao votar pelo provimento do RE, a posição da relatora foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física – quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados. (STJ, RMS37293, Rel. Min. Laurita Vaz, p. 09/05/2013)


domingo, 4 de agosto de 2013

INFO 522, STJ, e três importantes decisões em processo penal

Prezados,

No último Informativo do STJ, há três interessantes decisões na esfera do processo penal. Vamos a elas.

1 – Na exceção de verdade contra autoridade com prerrogativa de foro, há que se diferenciar o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. O primeiro compete ao Juiz da causa, que deverá avaliar os requisitos necessários à exceção, bem como instrui-la. O juízo de mérito compete ao Tribunal perante o qual a autoridade possui prerrogativa de foro. É o que prevê o art. 85, CPP. Assim, o Tribunal irá apenas julgar a exceção, mas o seu recebimento e processamento competem ao juízo da causa.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE EXCEÇÃO DA VERDADE OPOSTA EM FACE DE AUTORIDADE QUE POSSUA PRERROGATIVA DE FORO.
A exceção da verdade oposta em face de autoridade que possua prerrogativa de foro pode ser inadmitida pelo juízo da ação penal de origem caso verificada a ausência dos requisitos de admissibilidade para o processamento do referido incidente. Com efeito, conforme precedentes do STJ, o juízo de admissibilidade, o processamento e a instrução da exceção da verdade oposta em face de autoridades públicas com prerrogativa de foro devem ser realizados pelo próprio juízo da ação penal na qual se aprecie, na origem, a suposta ocorrência de crime contra a honra. De fato, somente após a instrução dos autos, caso admitida a exceptio veritatis, o juízo da ação penal originária deverá remetê-los à instância superior para o julgamento do mérito. Desse modo, o reconhecimento da inadmissibilidade da exceção da verdade durante o seu processamento não caracteriza usurpação de competência do órgão responsável por apreciar o mérito do incidente. A propósito, eventual desacerto no processamento da exceção da verdade pelo juízo de origem poderá ser impugnado pelas vias recursais ordinárias. Rcl 7.391-MT, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/6/2013.

2 – No caso de superveniência de fato que enseje prerrogativa de foro, não há necessidade de ratificação da Denúncia já oferecida, uma vez que tais atos foram praticados pelo Promotor Natural. Exemplo: Cidadão é denunciado pelo Procurador da República oficiante perante a Justiça Federal de 1º Grau em junho de 2012. Em outubro, ele vence as eleições para Prefeito e é empossado em janeiro/2013. Nessa hipótese, o Juízo Federal deverá remeter os autos ao TRF, que dará prosseguimento ao feito, sem necessidade de ratificação, pelo Procurador Regional, da Denúncia oferecida.
CUIDADO: Se, no momento do oferecimento da Denúncia, já existia a prerrogativa de foro, haverá necessidade de sua ratificação pelo Promotor Natural.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RATIFICAÇÃO DA DENÚNCIA NA HIPÓTESE DE DESLOCAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE SUPERVENIENTE PRERROGATIVA DE FORO DO ACUSADO.
Não é necessária a ratificação de denúncia oferecida em juízo estadual de primeiro grau na hipótese em que, em razão de superveniente diplomação do acusado em cargo de prefeito, tenha havido o deslocamento do feito para o respectivo Tribunal de Justiça sem que o Procurador-Geral de Justiça tenha destacado, após obter vista dos autos, a ocorrência de qualquer ilegalidade. Isso porque tanto o órgão ministerial que ofereceu a denúncia como o magistrado que a recebeu eram as autoridades competentes para fazê-lo quando iniciada a persecução criminal, sendo que a competência da Corte Estadual para processar e julgar o paciente só adveio quando iniciada a fase instrutória do processo. Assim, tratando-se de incompetência superveniente, em razão da diplomação do acusado em cargo detentor de foro por prerrogativa de função, remanescem válidos os atos praticados pelas autoridades inicialmente competentes, afigurando-se desnecessária a ratificação de denúncia oferecida. Desse modo, não há que se falar em necessidade de ratificação da peça inaugural, tampouco da decisão que a acolheu, uma vez que não se tratam de atos nulos, mas válidos à época em que praticados. Ademais, não tendo o órgão ministerial — após análise da denúncia ofertada e dos demais atos praticados no Juízo inicialmente competente — vislumbrado qualquer irregularidade ou mácula que pudesse contaminá-los, conclui-se, ainda que implicitamente, pela sua concordância com os termos da denúncia apresentada. HC 202.701-AM, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.

3 – Após o oferecimento da resposta à acusação, o Juiz poderá, não só absolver sumariamente o réu, mas também reconsiderar a decisão de recebimento da Denúncia, e rejeitá-la.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A DEFESA PRÉVIA DO RÉU.
O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do CPP, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do CPP, suscitada pela defesa. Nos termos do art. 396, se não for verificada de plano a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 395, a peça acusatória deve ser recebida e determinada a citação do acusado para responder por escrito à acusação. Em seguida, na apreciação da defesa preliminar, segundo o art. 397, o juiz deve absolver sumariamente o acusado quando verificar uma das quatro hipóteses descritas no dispositivo. Contudo, nessa fase, a cognição não pode ficar limitada às hipóteses mencionadas, pois a melhor interpretação do art. 397, considerando a reforma feita pela Lei 11.719/2008, leva à possibilidade não apenas de o juiz absolver sumariamente o acusado, mas também de fazer novo juízo de recebimento da peça acusatória. Isso porque, se a parte pode arguir questões preliminares na defesa prévia, cai por terra o argumento de que o anterior recebimento da denúncia tornaria sua análise preclusa para o Juiz de primeiro grau. Ademais, não há porque dar início à instrução processual, se o magistrado verifica que não lhe será possível analisar o mérito da ação penal, em razão de defeito que macula o processo. Além de ser desarrazoada essa solução, ela também não se coaduna com os princípios da economia e celeridade processuais. Sob outro aspecto, se é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento processual definido no art. 397 do CPP, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do processo sem julgamento do mérito por aplicação analógica do art. 267, § 3º, CPC. Precedentes citados: HC 150.925-PE, Quinta Turma, DJe 17/5/2010; HC 232.842-RJ, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.318.180-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2013.

Por fim, destaco uma boa reportagem sobre a delação anônima e o entendimento do STJ: