segunda-feira, 5 de junho de 2017

O RÉU TEM DIREITO DE SER INTERROGADO POR ESCRITO?


Divulgou-se notícia de que a Polícia Federal encaminhou 84 perguntas a serem respondidas por escrito - e se quiser -, pelo Presidente da República.

Porém, é importante deixar claro que não há qualquer previsão legal para que o interrogatório de uma autoridade ocorra mediante o envio de perguntas escritas e o recebimento das respostas também por escrito. A única previsão nesse sentido diz respeito ao interrogatorio do surdo-mudo (art. 192, CPP).

Com efeito, a regra prevista no art. 222, §1º, CPP, aplica-se ao depoimento da autoridade na condição de testemunha, e não de investigado ou réu:


CAPÍTULO VI
DAS TESTEMUNHAS

 Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.                 

§ 1o  O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício. 


Dessa forma, fui pesquisar a razão de o Ministro Relator ter determinado o interrogatório por escrito. O Ministro, mesmo mencionando que a regra acima aplica-se à testemunha, entendeu que não haveria prejuízo à adoção desse procedimento ao caso em apreço, sobretudo porque não houve oposição por parte do MPF, senão vejamos:


"No que pertine à oitiva do Presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia, sabido que, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, “a exceção estabelecida para testemunhas não se estende nem a investigado nem a réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados (Inq 1628, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 11/05/2000, publicado em Dj 16/05/2000 PP-00013)” (Inq 4.243, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI).
A par dessa orientação, não estará prejudicada a persecução criminal com a observância, no caso em tela, do previsto no art. 221, § 1º, do Código de Processo Penal, em razão da excepcionalidade de investigação em face do Presidente da República, lembrando-se que o próprio Ministério Público Federal não se opôs ao procedimento."

Portanto, e sobretudo para provas e concursos, é preciso ter em mente que a regra do art. 222, §1º, CPP, aplica-se ao depoimento da testemunha, e não ao interrogatório do investigado/réu.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

ALGUMAS PERGUNTAS E RESPOSTAS PARA AJUDAR NOS DEBATES EM MÍDIAS SOCIAIS E NO TRABALHO

Considerando-se as últimas - e gravíssimas - notícias, e com o propósito de ajudá-lo a não passar vergonha nas redes sociais e nos debates nas faculdades, escolas e no trabalho, seguem algumas perguntas e respostas pertinentes ao momento atual:


1 - GRAVAÇÃO DE CONVERSA PODE?


De acordo com a jurisprudência do STF, é lícita a prova decorrente de gravação da conversa feita por um dos interlocutores. Por todos, cito o RE 685764 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, p. 23/04/15 


2 - O PRESIDENTE DA REPUBLICA PODE SER INVESTIGADO?


Sim, considerando que, em tese, o fato investigado ocorreu durante e tem relação com o mandato, é possível investigá-lo. Eventual Denúncia só seria processada com autorização de 2/3 da Câmara dos Deputados. O crime comum seria julgado no STF. O crime de responsabilidade seria julgado pelo Senado (art. 86, CF).

Para fatos ocorridos antes do mandato ou sem relação com o mandato, há controvérsia: para alguns, pode-se investigar, mas não processar. Para outros, sequer seria possível investigar (posicionamento do PGR) (art. 86, §4º, CF).


3 - O QUE É AÇÃO CONTROLADA?


Também chamada de flagrante diferido ou flagrante postergado, basicamente consiste em retardar a efetivação da prisão em flagrante, a fim de se aguardar um momento mais propício do ponto de vista da investigação, seja com o propósito de identificar outros criminosos, obter mais provas ou recuperar o produto/proveito do crime. 

Exemplificando, imagina-se a hipótese de a polícia deixar de prender o pequeno traficante no ato de comercialização da droga, a fim de acompanhá-lo e buscar maiores informações sobre o seu fornecedor. 

Estava prevista na antiga Lei do crime organizado (Lei 9034/95) e, atualmente, tem previsão no art. 53, II, da Lei de Drogas e na Lei de crime organizado (art. 8º, Lei n. 12.850/13).


4 - QUEM ASSUME EM CASO DE RENÚNCIA OU IMPEDIMENTO DE TEMER?


Pela Constituição, não havendo mais sucessores, o Presidente da Câmara iria substituir o Presidente da República, seguido do Presidente do Senado e do Presidente do STF (art. 80, CF).

Caberia ao substituto convocar, no prazo de 30 dias, eleições indiretas, uma vez que a vacância ocorreu na segunda metade do mandato (art. 81, §1º, CF). O eleito apenas completaria o mandato até o final de 2018 (art. 81, §2º, CF).

Ou seja, o novo Presidente da República seria escolhido pelo Congresso Nacional



5 - EXISTE POSSIBILIDADE DE HAVER ELEIÇÕES DIRETAS ANTES DE 2018, EM CASO DE RENÚNCIA OU CASSAÇÃO? 


De acordo com a Constituição Federal, não há essa hipótese. As eleições indiretas estão previstas na Constituição e, portanto, são legítimas. Eventual eleição direta necessitaria da aprovação de Emenda Constitucional, e ainda, teria a sua validade possivelmente discutida no STF.


6 - EXISTE POSSIBILIDADE DE HAVER ELEIÇÕES DIRETAS ANTES DE 2018, EM CASO DE CASSAÇÃO DA CHAPA DILMA-TEMER PELO TSE?


Embora o direito eleitoral não seja minha aérea e pareça existir certa controvérsia sobre o tema, acredito que, se a chapa for cassada e considerando-se que obteve a maioria absoluta dos votos, deverão ser convocadas novas eleições diretas, na forma do art. 224, do Código Eleitoral, pois a regra do art. 81, §1º, CF, aplicar-se-ia a questões não-eleitorais, tais como renúncia, morte, e não a questões eleitorais, tal como o reconhecimento do abuso de poder político e econômico. 


7 - É POSSÍVEL PRENDER UM SENADOR DA REPÚBLICA?


Tema bastante polêmico. Sem adentrar no debate (a meu ver, a prisão do Delcídio foi equivocada, se adotada a premissa de que não é possível a prisão preventiva de um parlamentar), o STF, no caso Delcídio do Amaral, entendeu que é possível prender em flagrante um Senador se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, visto que, em tal caso, o crime não seria passível de fiança e, portanto, na equivocada visão do STF, seria inafiançável, atendendo-se ao disposto no art. 53, §2º, CF. 

O julgamento foi proferido na AC 4039Ref, Rel. Min. Teori Zavascki. 


8 - O PRESIDENTE DA REPÚBLICA PODE SER PRESO?


De acordo com a Constituição, apenas após sentença condenatória transitada em julgado. Ou seja, não é possível prendê-lo em flagrante ou provisoriamente (art. 86, §3º, CF).







STF E A PERDA AUTOMÁTICA DO MANDATO PARLAMENTAR EM CASO DE CONDENAÇÃO SUPERIOR A 120 DIAS EM REGIME FECHADO

Prezados,


O Informativo 863, STF, trouxe importantíssima decisão sobre a perda do mandato do parlamentar decorrente de condenação criminal.

Isto porque, no julgamento do Mensalão, o STF fixou a tese de que a perda do mandato dependeria de DECISÃO do Senado ou da Câmara. 

Entretanto, nesta recente decisão, o STF parece ter alterado parcialmente esse posicionamento, fixando a tese de que, se a condenação for superior a 120 dias e em regime fechado, a perda do mandato deverá ser DECLARADA pelo Senador ou pela Câmara, e não decidida.

Fixou-se tal entendimento com base na circunstância de que a Constituição prevê que o parlamentar que se ausentar por mais de 120 dias ou 1/3 das sessões terá declarada a perda de seu mandato. Considerando que o sujeito preso em regime fechado não pode sair do estabelecimento prisional, e, portanto, comparecer à sessão, a perda do mandato seria imediata. 


Vejamos a notícia do julgamento:


Perda do mandato parlamentar e declaração da mesa diretora da casa legislativa


A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, julgou procedente ação penal e condenou deputado federal à pena de 12 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais 374 dias-multa no valor de 3 salários mínimos, pela prática dos crimes de corrupção passiva [Código Penal, art. 317 (1)] e lavagem de dinheiro [Lei 9.613/1998, art. 1º, V (2)]. Como efeitos da condenação foram determinadas a perda do mandato parlamentar e a interdição para o exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas citadas na lei de combate à lavagem de dinheiro (redação anterior), pelo dobro da duração da pena privativa de liberdade.

(...)

O Colegiado, nos termos do voto do ministro Roberto Barroso e por decisão majoritária, decidiu pela perda do mandato com base no inciso III do art. 55 da Constituição Federal (CF) (3), que prevê essa punição ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a 1/3 das sessões ordinárias. Nesse caso, não há necessidade de deliberação do Plenário e a perda do mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Salientou que, como regra geral, quando a condenação ultrapassar 120 dias em regime fechado, a perda do mandato é consequência lógica. Nos casos de condenação em regime inicial aberto ou semiaberto, há a possibilidade de autorização de trabalho externo, que inexiste em condenação em regime fechado.

Ressaltou que a CF é clara ao estabelecer que o parlamentar que não comparecer a mais de 120 dias ou a 1/3 das sessões legislativas perde o mandato por declaração da Mesa, e não por deliberação do Plenário. Assim, para quem está condenado à prisão em regime fechado, no qual deva permanecer por mais de 120 dias, a perda é automática. Vencido, quanto à interdição, o ministro Marco Aurélio.

Por último, a Turma assentou a perda do mandato e sinalizou a necessidade de declaração pela Mesa da Câmara, nos termos do § 3º do art. 55 da CF (4).

O STF E A AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA PROCESSAMENTO DO GOVERNADOR DE ESTADO

Prezados,


Alterando o entendimento firmado pelo STJ, e superando o seu próprio posicionamento, o STF concluiu julgamento no sentido de entender como inválida eventual previsão na Constituição Estadual que condicione o processamento de Ação Penal em face do Governador à autorização da Assembléia Legislativa.

Vejamos a notícia veiculada no Informativo 863:




Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções - 3


Não há necessidade de prévia autorização da assembleia legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.

Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão e por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para: a) dar interpretação conforme ao art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais para consignar não haver necessidade de autorização prévia de assembleia legislativa para o recebimento de denúncia e a instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento da denúncia ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo; e b) julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão “ou queixa” do art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais — ver Informativos 851 e 855.

O referido dispositivo prevê que o governador será submetido a processo e julgamento perante o STJ nos crimes comuns e será suspenso de suas funções, na hipótese desses crimes, se recebida a denúncia ou a queixa pelo STJ.

Preliminarmente, o Colegiado, por maioria, conheceu da ação. Vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.

No mérito, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin (relator), reajustado nesta sessão com os acréscimos do voto do ministro Roberto Barroso no sentido do afastamento do cargo não se dar de forma automática.

O relator afirmou a necessidade de superar os precedentes da Corte na dimensão de uma redenção republicana e cumprir a promessa do art. 1º, “caput”, da Constituição Federal (CF), diante dos reiterados e vergonhosos casos de negligência deliberada pelas assembleias legislativas estaduais, que têm sistematicamente se negado a deferir o processamento de governadores. Asseverou ser refutável a referida autorização prévia em razão de: a) ausência de previsão expressa e inexistência de simetria; b) ofensa ao princípio republicano (CF, art. 1º, “caput”); c) ofensa à separação de poderes (CF, art. 2º, “caput”) e à competência privativa da União (CF, art. 22, I); e d) ofensa à igualdade (CF, art. 5º, “caput”).

Esclareceu não haver na CF previsão expressa da exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para o processamento e julgamento de governador por crimes comuns perante o STJ. Dessa forma, inexiste fundamento normativo-constitucional expresso que faculte aos Estados-membros fazerem essa exigência em suas Constituições estaduais.

Não há, também, simetria a ser observada pelos Estados-membros. No ponto, o relator considerou que, se o princípio democrático que constitui nossa República (CF, art. 1º, “caput”) se fundamenta e se concretiza no respeito ao voto popular e à eleição direta dos representantes do povo, qualquer previsão de afastamento do presidente da República é medida excepcional e, como tal, é sempre prevista de forma expressa e taxativa, sem exceções.

O afastamento do presidente da República é medida excepcional, e, no caso de crime comum, seu processamento e julgamento devem ser precedidos de autorização da Câmara dos Deputados (CF, arts. 51, I; e 86, “caput” e § 1º, I). Essa exigência foi expressamente prevista apenas para presidente da República, vice-presidente e ministros de Estado. Essa é uma decorrência das características e competências que moldam e constituem o cargo de presidente da República, mas que não se observam no cargo de governador.

Diante disso, verifica-se a extensão indevida de uma previsão excepcional válida para o presidente da República, porém inexistente e inaplicável a governador. Sendo a exceção prevista de forma expressa, não pode ser transladada como se fosse regra ou como se estivesse cumprindo a suposta exigência de simetria para governador. As eventuais previsões em Constituições estaduais representam, a despeito de se fundamentarem em suposto respeito à Constituição Federal, ofensa e usurpação das regras constitucionais.

Segundo o relator, afastado o argumento de suposta obediência à simetria, a consequência da exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ é o congelamento de qualquer tentativa de apuração judicial das eventuais responsabilizações dos governadores por cometimento de crime comum. Essa previsão afronta a responsividade exigida dos gestores públicos, o que viola o princípio republicano do Estado.

A exigência viola, ainda, a separação de poderes, pois estabelece condição não prevista pela CF para o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Assim, o STJ fica impedido de exercer suas competências e funções até a autorização prévia do Poder Legislativo estadual. Esse tipo de restrição é sempre excepcional e deve estar expresso na CF. Além disso, a previsão do estabelecimento de condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição penal pelo STJ consiste em norma processual, matéria de competência privativa da União (CF, art. 22, I), portanto impossível de ser prevista pelas Constituições estaduais.

O relator afirmou que estabelecer essa condição de procedibilidade equivale a alçar um sujeito à condição de desigual, supostamente superior por ocupar relevante cargo de representação. No entanto, tal posição deveria ser, antes de tudo, a de servidor público. A autorização prévia de assembleias estaduais para o processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ é, portanto, afronta cristalina à cláusula geral de igualdade estabelecida na CF.

Destacou que a Emenda Constitucional (EC) 35/2001 alterou a redação do art. 53, § 1º, da CF e aboliu a exigência de autorização prévia das casas legislativas para o processamento e julgamento de deputados federais e estaduais. O mesmo entendimento de valorização da igualdade e “accountability” dos representantes do povo deve ser aplicado aos governadores, sem as exigências prévias que consubstanciam privilégios e restrições não autorizados pela CF.

Por fim, sustentou inexistir inconstitucionalidade na expressão “ou queixa”, por considerá-la coerente com o disposto no art. 105, I, “a”, da CF. Explicou que a CF não fez nenhuma distinção ao se referir a “crimes comuns”, ou seja, não fez diferenciação entre crimes de ação penal pública ou crimes de ação penal privada. Da mesma forma, a Constituição do Estado de Minas Gerais previu o afastamento do governador no caso de recebimento de denúncia ou queixa.

Nesta assentada, o ministro Roberto Barroso esclareceu acompanhar o relator, e o ministro Marco Aurélio esclareceu, ultrapassada a preliminar de admissibilidade da ação, também acompanhar o relator.

Vencidos os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que julgaram improcedente a ação, na linha da jurisprudência até então prevalecente na Corte no sentido de considerar legítimas as normas de Constituições estaduais que subordinam a deflagração formal de um processo acusatório contra o governador a um juízo político da assembleia legislativa local.

sábado, 7 de janeiro de 2017

O MP PRECISA AGUARDAR O RELATÓRIO POLICIAL PARA DENUNCIAR OU ARQUIVAR?

Recentemente, divulgou-se, na imprensa, notícia de que o Ministro do STF, Teori Zavascki, determinara ao PGR Rodrigo Janot que juntasse à Denúncia oferecida em face de um Senador da República, o Relatório do Inquérito que embasou a referida peça processual.


Trata-se, a nosso sentir, de decisão equivocada. E, por isso mesmo, o próprio PGR já se manifestou naqueles autos, afirmando, resumidamente, que o titular da Ação Penal (MP) já estava satisfeito com a investigação, portanto, tendo decidido ajuizar a Denúncia, não sendo necessário aguardar a confecção do relatório policial.


Eu mesmo já fiz inúmeras Denúncias sem que o Inquérito estivesse, na visão do Delegado de Polícia Federal, concluído. Assim como já fiz diversas requisições de continuidade da investigação, especificando novas diligências investigativas, em Inquéritos que, na visão do Delegado de Polícia Federal, já estavam finalizados.

Portanto, não há nada demais em se denunciar sem relatório policial. Salvo melhor juízo, desconheço qualquer doutrinador, brasileiro ou internacional, que afirme que a conclusão do inquérito policial, com a confecção do relatório policial, seja condição de procedibilidade ao ajuizamento da Ação Penal.

Um alerta: Salvo engano, pelo menos no âmbito da Polícia Federal, há dado estatístico, avaliado por sua Corregedoria, que leva em consideração o parâmetro "inquéritos distribuídos x inquéritos relatados", o que concede importância ao número de relatórios elaborados, o que leva, em um ou outro caso, à elaboração premeditada desses relatórios, a fim de "gerar estatística".

E aqui deixo bem clara a minha opinião (que, parece-me, é a opinião amplamente majoritária, senão pacífica, na doutrina brasileira): a investigação preliminar, receba ela o nome que receber (inquérito policial, procedimento investigatório criminal, termo circunstanciado etc...) não é um fim em si mesmo, mas apenas um instrumento para se evitar acusações infundadas.

Ou seja, a investigação serve apenas a um propósito: subsidiar a tomada de decisão por parte do titular da Ação Penal acerca da existência, ou não, de justa causa para acusar alguém, imputando-lhe a prática de um crime. Ponto final.

Nessa linha de raciocínio, firmada a convicção do Ministério Público (a chamada 'opinio delicti'), o MP, não só pode - como deve -, oferecer Denúncia o mais rápido possível, até porque o primeiro termo de interrupção da prescrição é o recebimento da Denúncia e, quanto mais se demorar para denunciar, maior o risco da prescrição da pretensão punitiva em abstrato ou da prescrição retroativa.

AFINAL, O INQUÉRITO POLICIAL É INDISPENSÁVEL À DENÚNCIA?!

É possível ler-se, em textos e artigos que circulam na internet, doutrina do processo penal escrita por delegados de polícia sustentando que o inquérito policial é indispensável à propositura da Ação Penal.

Trata-se de erro crasso. Aliás, erro não, pois erro é desconhecimento da realidade. Trata-se de nítido posicionamento doutrinário decorrente de um anseio corporativista em valorizar, ao máximo, o seu instrumento de trabalho.

É natural que isso aconteça. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. O juiz sempre vai valorizar a sentença; o MP, a Denúncia; e o Delegado, o inquérito. Mas não se pode ir ao ponto de querer desvirtuar a natureza das coisas.

Quem afirma que o inquérito policial tem, como uma de suas características, a "dispensabilidade" não sou eu. Na verdade, desconheço qualquer doutrinador que afirme que a Denúncia só possa estar fundamentada no inquérito policial, ou, em outras palavras, que não possa existir processo penal sem inquérito policial.

Realmente, se assim o fosse, teríamos o inquérito policial como uma condição de procedibilidade, tal como a representação do ofendido.

Percebam, inclusive, que o próprio art. 12, CPP, determina que o inquérito acompanhará a denúncia ou queixa-crime, sempre que servir de base àquela ou a esta, deixando claro que nem sempre a base probatória surgirá de um inquérito policial.

Com efeito, o inquérito policial é apenas uma das várias formas de investigação preliminar, podendo-se citar, exemplificativamente, o termo circunstanciado, o procedimento investigatório criminal, o inquérito civil público (que pode fundamentar uma Denúncia, conforme pacífico entendimento do STF e do STJ), além dos procedimentos administrativos desenvolvidos no âmbito de outros órgãos públicos, tais como Receita Federal, INSS, IBAMA, dentre outros.

Até mesmo uma representação de um indivíduo qualquer, acompanhada da documentação pertinente, poderá, em tese, ensejar a propositura da Ação Penal.

Não se desconhece que o inquérito policial ainda é a forma mais comum de investigação criminal e, por isso mesmo, reveste-se de importância. Sem dúvidas. E aqui há de se reconhecer que boa parte dos membros do MP ainda não assumiu o ônus da investigação criminal.

De todo modo, o argumento de que o inquérito policial é indispensável porque a maioria das Denúncias é ancorada em um inquérito policial ofende o próprio significado linguístico do termo "indispensável".

Indispensável é algo necessário, imprescindível, que não pode faltar. A partir do momento em que se afirma que a maioria das Denúncias surge de inquérito policial, conclui-se que há espaço para Denúncias que não foram antecedidas por inquérito; logo, não se trata de algo indispensável.

Assim sendo, se se quer mencionar que o inquérito policial é o meio mais comum de investigação, para como isso defender a sua relevância, talvez a melhor definição dessa sua característica seja "habitualidade", mas jamais "indispensabilidade".

A AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO DE CONSENSO PENAL E A PENA MÁXIMA PARA FINS DE TRANSAÇÃO

A temática da justiça penal negociada (ou consenso penal) é um dos temas mais interessantes e atuais. Sou um grande entusiasta da ampliação do espaço de consenso penal, inclusive, com a previsão do acordo para fixação da pena.

Entretanto, sabendo-se que a criação do acordo penal trata-se de assunto mais complexo - e polêmico -, venho pontuando existir espaço para uma mudança de pequena monta, mas com grande repercussão prática.

Com efeito, a transação penal, atualmente, limita-se àqueles crimes cujas penas máximas não superam dois anos (art. 61, da Lei n. 9.099/95). Inicialmente, era um ano; depois, passou-se para dois.

Sabe-se que, na transação, celebra-se acordo para que o requerido possa se submeter a uma pena restritiva de direitos ou multa (art. 76, da Lei n. 9.099/95).

Por outro lado, a partir de 1998, houve a ampliação das hipóteses de substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direito, autorizando-se esta substituição para as condenações até quatro anos, salvo se houver violência ou grave ameaça (art. 44, CP).

Ou seja, na grande maioria dos casos de condenação com pena até quatro anos, ao fim e ao cabo, o sujeito irá se submeter a penas restritivas de direito.

Nessa linha de raciocínio, perceba-se que, na prática, tanto na transação, quanto nas condenações até quatro anos, o sujeito irá cumprir penas restritivas de direito, com a diferença de que, no primeiro caso, sequer houve processo (e muito menos condenação), enquanto que, na segunda hipótese, houve necessidade de acusação, instrução e condenação).

Portanto, parece-nos que, sendo a consequência prática direta a mesma (pena restritiva de direitos), seria bastante interessante que a pena máxima que autorizasse a transação penal fosse elevada de dois para quatro anos, haja vista que, se condenado a até quatro anos, o sujeito, via de regra, se sujeitará, ao final do processo, ao cumprimento de pena restritiva de direito.

Com esta pequena mudança, seria possível evitar uma maior quantidade de processos penais (imaginem o que seria o nosso processo penal hoje sem transação penal?), e alcançar efeito prático semelhante àquele que viria com a condenação, economizando recursos humanos e financeiros para os processos de crimes mais graves, tudo isso ainda mantendo o sujeito a sua condição de inocente.

DELEGADO DE POLÍCIA TEM GARANTIA DE INAMOVIBILIDADE?

Recentemente, com a edição da Lei n. 12.830/2013, que, em seu art. 2º, §5º, estabeleceu que "[a] remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.", parcela da doutrina (especialmente autores delegados de polícia) passou a afirmar que tal dispositivo teria estabelecido a garantia da inamovibilidade, tal como ela existe para a magistratura,para o MP, e mais recentemente, para a Defensoria.

Esta conclusão é absolutamente equivocada e demonstra, mais uma vez, a presença de forte desejo corporativista por detrás desse tipo de afirmação, senão vejamos:

A garantia da inamovibilidade, em resumo, consiste na garantia dos membros da magistratura, do MP e da Defensoria Pública de não serem removidos de suas lotações, sem que haja a sua concordância, salvo por interesse público, em caráter de sanção administrativa (art. 95, II; art. 128, §5º, I, b; e 134, I, todos da Constituição Federal).

Em outras palavras, um Procurador da República não pode ser removido de uma cidade para a outra, contra a sua vontade, salvo se esta remoção for aplicada como sanção pela prática de infração disciplinar. Mas, por exemplo, este mesmo Procurador não poderá ser removido porque a outra lotação está com um volume maior de trabalho, ou porque está vaga há certo tempo etc...

Logo se vê, portanto, que afirmar-se que o delegado de polícia não pode ser removido sem ato fundamentado não guarda nenhuma semelhança com o instituto da inamovibilidade, que, como dito, veda qualquer tipo de remoção, ainda que fundamentada, salvo se aplicada como sanção disciplinar.

Frise-se que a inamovibilidade é garantia assegurada em sede constitucional, e a Lei n. 12.830/2013 é mera lei ordinária.

Além disso, basta uma leitura dos textos normativos para se identificar a absoluta distinção entre as suas redações. Com efeito, enquanto os dispositivos constitucionais que estabelecem a inamovibilidade fazem alusão expressamente ao instituto e o apresenta como uma garantia dos membros daquelas instituições, a Lei n.12.830/2013 não faz qualquer referência ao instituto da inamovibilidade.

Muito pelo contrário. Ela trata justamente do instituto que é vedado pela inamovibilidade: a remoção sem a concordância do agente público.

Afinal, se a norma veda a remoção sem fundamentação, conclui-se que ela autoriza a remoção, desde que fundamentada. E, sendo possível a remoção fundamentada, descabe cogitar-se de inamovibilidade.

Interessante mencionar que essa doutrina, ciente da absoluta discrepância entre as situações narradas, afirma que a inamovibilidade do delegado de polícia existiria, mas seria relativa.

Inamovibilidade relativa, com o devido respeito, é algo parecido com a história da mulher que está meio grávida. Não dá para engolir. Ou há inamovibilidade, ou não há. No caso dos delegados de polícia, não há inamovibilidade alguma.

Quanto a isto, basta indagar, por exemplo: Se o Delegado atua em uma Delegacia com outros dois Delegados, ele pode ser removido para atuar em outra Delegacia, cujo único Delegado aposentou-se? Ou seja, diante do interesse público de não deixar aquela Delegacia sem qualquer Delegado, poderá ser feita a remoção? A resposta é, desenganadamente, positiva.

Se alguém ainda tem dúvida sobre como as situações são escancaradamente diversas, cumpre questionar: na mesma hipótese acima, o Juiz poderia ser removido para uma outra Vara, que ficaria sem titular? Sem dúvidas, não, porque é inamovível.

Nessa linha de raciocínio, resta evidente que a regra prevista no art. 2º, §5º, da Lei n. 12.830/2013, longe de estabelecer a garantia da inamovibilidade ao delegado de polícia, apenas reafirmou o óbvio: o ato de remoção, como ato administrativo que é, precisa ter motivo e este motivo precisa ser explicitado.

O que se buscou vedar, na verdade, foi o desvio de finalidade, vício que invalida o ato administrativo. Já inviabilizava antes dessa norma e continuará inviabilizando após a sua edição. Com efeito, se o Delegado for removido por perseguição política, por exemplo, esta remoção é nula, não porque ele não poderia ser removido sem a sua concordância (inamovível), e sim porque um dos elementos do ato administrativo está viciado e vicia, por sua vez, a higidez de todo o ato.

Mas, diferentemente de juízes, membros do MP e da Defensoria, que verdadeiramente possuem inamovibilidade e não podem ser removidos sem a sua concordância, salvo em caráter de punição disciplinar, o delegado de polícia continua sendo passível de remoção, sim, por determinação de seu superior hierárquico, bastando, para tanto, que o ato seja devidamente motivado em razões de interesse público, como, pex., aposentadorias, excesso de trabalho em outra localidade etc...

A QUEM COMPETE A DECISÃO SOBRE O ARQUIVAMENTO DA INVESTIGAÇÃO EM UM SISTEMA PROCESSUAL PENAL ACUSATÓRIO?

Sabe-se que, de acordo com o vigente art. 28, CPP, caso o Juiz discorde e não homologue a Promoção de Arquivamento formulada pelo Ministério Público, ele deve encaminhar os autos à apreciação do órgão superior do Ministério Público.

No caso do MPE, o Procurador Geral de Justiça. No caso do MPF, se antes apenas a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão tenha atribuição criminal; atualmente, outras Câmaras também possuem semelhante atribuição, tal como a 4ª CCR, em matéria criminal ambiental, e a 5ª CCR, que abarca a matéria criminal referente ao desvio de recursos públicos, por exemplo.

O ponto em discussão é saber se, em um sistema acusatório, cabe ao Poder Judiciário decidir sobre a manifestação do titular da Ação Penal acerca do “não-processo”, ou seja, a respeito da inexistência de elementos que permita a instauração de um processo penal, com a propositura da Denúncia.

A resposta é desenganadamente negativa.

Em um sistema acusatório, a decisão final sobre ajuizar, ou não, Ação Penal em face de alguém recai sobre o Ministério Público, e não sobre o Poder Judiciário.

O papel do Juiz, durante a investigação, é apenas atuar nas demandas relacionadas à reserva da jurisdição, tais como pedidos de prisão, busca e apreensão, afastamentos de sigilos etc...Tanto é assim que a tramitação do Inquérito Policial dá-se diretamente entre Polícia e MP. Por tal razão, descabe cogitar-se de qualquer atuação do Juiz quanto à decisão do MP em propor Denúncia ou promover arquivamento.

Não se trata de querer fortalecer o MP ou de desmerecer a atuação do Poder Judiciário, nem de qualquer tentativa de submissão desse àquele órgão, mas apenas de reconhecer o papel de cada qual no contexto da persecução penal. Ao MP, cabe denunciar ou arquivar. Ao Juiz, cabe decidir se aceita, ou não, a acusação, e, nesse caso, dá-se prosseguimento ao processo penal.

É válido registrar, por oportuno, que, no âmbito do MPF, muitos colegas já adotam a sistemática proposta no Enunciado n. 09, da 2ªCCR, submetendo o arquivamento dos Inquéritos Policiais diretamente ao órgão revisor, com a devida comunicação ao Juiz, em caso de homologação do arquivamento.

Quando se defende esse posicionamento – o de que cabe ao MP decidir sobre denunciar ou arquivar – logo se levantam vozes contrárias (comumente de Delegados de Polícia), argumentando que tal entendimento significaria concentração de amplos poderes nas mãos do MP, que passaria a atuar sem qualquer tipo de controle por parte do Poder Judiciário.

Se você é uma das pessoas que tem a visão acima citada, cabe alertá-lo de que, atualmente, o MP já possui a palavra final em caso de arquivamento, uma vez que o Juiz não pode determinar o oferecimento da Denúncia. De fato, ele apenas encaminha os autos ao órgão revisor do próprio MP, a quem caberá tomar a decisão final. Se o arquivamento for mantido, o Juiz obrigatoriamente terá de acatá-lo. Portanto, o controle da atuação do Promotor Natural já é feito pelo próprio MP, e não pelo Poder Judiciário, que exerce uma função meramente intermediária.

Por esse motivo, a jurisprudência do STF e do STJ é pacífica em reconhecer que, diante de um arquivamento formulado pelo Procurador Geral da República ou por um Subprocurador Geral da República (agindo sob delegação do PGR), o Tribunal não pode rejeitá-lo, visto que não haveria como enviar os autos ao órgão interno superior ao Promotor Natural, eis que o PGR é a autoridade máxima dentro do MPF.

Portanto, ao se retirar a participação intermediário do Poder Judiciário no arquivamento da investigação, além de evitar o constrangimento de o Juiz ter que acatar um arquivamento em relação ao qual se manifestou contrário, fortalece-se o sistema acusatório, conferindo ao titular da Ação Penal a decisão sobre denunciar ou arquivar, sendo que, neste último caso, caberia o envio, de ofício, ao órgão revisor, para homologação, ou não, dessa decisão.

Ante o exposto, entende-se que o Projeto do NCPP, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, perderá grande oportunidade de aperfeiçoar, à luz do sistema acusatório, o procedimento de arquivamento da investigação, ao manter, em seu art. 38, o sistema atualmente adotado pelo art. 28, CPP.