Atualmente, segundo o art. 400, CPP, o interrogatório é o último ato da instrução criminal, muito embora, até o advento da Lei n. 11.719/08, fosse o seu primeiro ato, de forma que o réu era citado para, comparecendo em Juízo, ser interrogado. Assim, somente após a colheita de todo o material probatório (oitiva da vítima, depoimento das testemunhas etc...), é que o réu virá a ser interrogado.
Por outro lado, nos casos de julgamento de crimes de competência originária dos Tribunais Superiores, cujo procedimento vem narrado na Lei n. 8.038/90, o interrogatório continua previsto como o primeiro ato da instrução. É dizer, o réu é citado para interrogatório (art. 7º), oferecendo sua defesa prévia nos 05 dias seguintes (art. 8º). Ou seja, o réu é interrogado primeiro, e depois há a colheita do restante do material probatório
Dessa maneira, é de se questionar: À luz da nova sistemática do CPP, o interrogatório, nos crimes de competência originária dos Tribunais, passa também a ser o último ato da instrução, ou, ao contrário, permanece como o seu primeiro ato?
A matéria ainda não se encontra pacificada!
No STJ, há decisão recente, afirmando a manutenção do interrogatório como primeiro ato da instrução, a saber:
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO DO PACIENTE REALIZADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA NOVA OITIVA DO PACIENTE, PERANTE A CORTE DE ORIGEM. APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE PREVÊ A INQUIRIÇÃO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PROCEDIMENTO REGIDO PELA LEI N. 8.038/90. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Como se sabe, a Lei 8.038/90 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais originárias de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal. 3. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito em tese cometido pelo paciente, autoridade com foro por prerrogativa de função, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário, previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação, pressupõe por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese. 4. Se a Lei 8.038/1990 determina que o interrogatório do acusado deve se dar após o recebimento da inicial acusatória, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final da audiência de instrução e julgamento, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas. (...) (STJ, HC 121171, Rel. Min. Jorge Mussi, p. 25/04/2011)
No STF, há duas decisões recentes e divergentes entre si. A primeira, mais antiga, de Relatoria do Min. Joaquim Barbosa, segue o entendimento do STJ, mantendo o interrogatório como primeiro ato da instrução. A segunda, de Relatoria do Min. Ricardo Lewandovski, ao revés, determina a adoção da sistemática geral do CPP, de maneira que o interrogatório passaria a ser o último ato da instrução, senão vejamos:
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. LEI 11.719/2008. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO. ESPECIALIDADE DA LEI 8.038/1990, CUJOS DISPOSITIVOS NÃO FORAM ALTERADOS. INDEFERIMENTO. A Lei 8.038/1990 é especial em relação ao Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008. Por conseguinte, as disposições do CPP aplicam-se aos feitos sujeitos ao procedimento previsto na Lei 8.038/1990 apenas subsidiariamente, somente “no que for aplicável” ou “no que couber. Daí por que a modificação legislativa referida pelos acusados em nada altera o procedimento até então observado, uma vez que a fase processual em que deve ocorrer o interrogatório continua expressamente prescrita no art. 7º Lei 8.038/1990, o qual prevê tal ato processual como a próxima etapa depois do recebimento da denúncia (ou queixa). Questão de ordem resolvida no sentido do indeferimento da petição de fls. 40.151-40.161 (STF, AP 470 – 8QO, J. 07/10/2010)EMENTA: PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou. III – Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AP 528, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24/03/2011)
Particularmente, entendo que deve prevalecer a regra especial, sobretudo porque a Lei n. 11.719/08 poderia ter revogado ou alterado o disposto no art. 7º, da Lei n. 8038/90, mas não o fez.
Nem se diga, quanto a tal aspecto, que poderia ter a Lei incorrido em omissão, posto que, quando ela desejou atingir, com suas disposições, os procedimentos previstos em legislação especial, ela assim o fez, como se percebe da leitura do art. 396, §4º, CPP, que impõe a adoção do procedimento a todos os procedimentos de 1º grau, ainda que previstos em legislação esparsa.
Ademais, data maxima venia, o fundamento adotado pelo eminente Min. Ricardo Lewandosvki em seu voto, como justificativa para a transferência do interrogatório para o último momento da instrução criminal, não nos convence.
Segundo consta no Informativo n. 620, “registrou-se, tendo em conta a interpretação sistemática do Direito, que o fato de a Lei n. 8.038/90 ser norma especial em relação ao CPP não afetaria a orientação adotada, porquanto inexistiria, na hipótese, incompatibilidade manifesta e insuperável entre ambas as leis. Ademais, assinalou-se que a própria Lei n. 8.038/90 dispõe, em seu art. 9º, sobre a aplicação subsidiária do CPP”.
Ocorre que, salvo melhor juízo, é evidente a incompatibilidade entre as normas em análise. Ora, uma norma afirma que o interrogatório será o primeiro ato da instrução. A outra, em sentido diametralmente oposto, impõe o interrogatório como ato derradeiro da instrução. Como se poderia compatibilizar, então, estas normas? Ou é uma, ou é outra. No caso, ficamos com a regra especial.
E mais: Não precisa ser um profundo conhecedor das normas de interpretação/integração do Direito, para se saber que a aplicação subsidiária do dispositivo de uma Lei a outra pressupõe que esta Lei seja omissa na tratativa da matéria. No caso em foco, a Lei n. 8.038/90 não é omissa, pelo contrário, trata expressamente da matéria, não existindo, pois, possibilidade de aplicação subsidiária do CPP.
Por desencargo de consciência, destaco que defendo o interrogatório como último ato da instrução, a fim de que o réu, conhecedor de todas as alegações e provas formuladas contra si, possa comportar-se da melhor forma possível quanto à sua defesa. Porém, não vejo como se possa adotar o entendimento de que, nos crimes sujeitos à Lei n. 8.038/90, o interrogatório seja o último ato da instrução, se a Lei, norma especial em relação ao CPP, longe de ser omissa, é categórica em destacar que o interrogatório será o primeiro ato da instrução. Faz-se necessária, para tanto, a modificação da Lei n. 8.038/90.
RESUMO DA ÓPERA: Ainda não há um posicionamento pacífico do STF e do STJ a respeito do tema, embora a posição mais recente do STF é no sentido de que o ato do interrogatório passou a ser o último ato da instrução, inclusive nos processos de competência originária dos Tribunais.
A questão não poderia ser solucionada levando-se em conta a "teoria do diálogo das fontes"?
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