Atualmente, a Constituição Federal admite a hipótese de reeleição do Chefe do Poder Executivo, para um único período subsequente, nos termos do art. 14, §5º.
Hipótese curiosa, que retrata prática comum nos pequenos municípios do nosso Brasil, diz respeito à figura do chamado “prefeito itinerante”.
O “prefeito itinerante” é aquele que, após exercer o mandato decorrente da reeleição (e, portanto, estando inelegível para um outro mandato subsequente no Município), transfere seu domicílio eleitoral para um Município vizinho, vindo a se eleger Prefeito desse outro Município. Após o mandato, ele pode “voltar” e se candidatar a Prefeito do primeiro Município ou candidatar-se à Prefeitura de Município terceiro, e assim sucessivamente, perpetuando-se no poder.
Contextualizada a expressão, surge a dúvida: É possível a prática da candidatura itinerante?
A jurisprudência do TSE formou-se no sentido de reconhecer a inelegibilidade do “prefeito itinerante”, sob o argumento de que tal prática caracterizaria, na verdade, má-fé e fraude do candidato, almejando o exercício do terceiro mandato sucessivo, ensejando a perpetuação da pessoa no cargo, indo de encontro ao espírito e à finalidade da norma que veda a reeleição indeterminada, que é justamente permitir a alternância do poder. Cite-se, por exemplo, o Resp 35880, Rel. Min. Arnaldo Versiani.
Em obiter dictum, é importante acentuar que o TSE não admite a figura do “prefeito itinerante”, por considerá-la fraude do candidato, de maneira que, não restando caracterizado o elemento subjetivo de índole negativa, afasta-se a inelegibilidade. Com esse entendimento, recentemente, o TSE negou o reconhecimento da condição de “prefeito itinerante” ao Prefeito de Florianopólis, eleito e reeleito Prefeito do Município vizinho de São José, posto que a transferência do domicílio eleitoral para Florianópolis foi alvo de Consulta formulada ao Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, de modo que o candidato agiu embasado naquilo que a Justiça Eleitoral lhe dissera, inexistindo má-fé ou fraude (Resp 35906).
Vale mencionar a consideração feita pelo Min. Marco Aurélio, um dos que são contrários à tese da inelegibilidade do “prefeito itinerante”, por ocasião no julgamento do Resp 35880 acima comentado, em defesa de seu posicionamento, verbis:
“O que a Constituição veda é a reeleição, não que aquele cidadão concorra a um mandato em município diverso. Não se pode partir para a ficção jurídica e entender que no caso há uma terceira candidatura, ou seja, uma tentativa de reeleição”.
A respeito do tema, comungo da opinião de que não se pode extrair, do art. 14, §5º, CF, a proibição da candidatura à Prefeito em um Município vizinho, após ter sido eleito e reeleito em outro Município.
Como se sabe, normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente, notadamente quando se refiram ao exercício dos direitos políticos do cidadão, nesse caso, do direito de elegibilidade (=ser votado). Reeleição é eleger-se novamente para o mesmo cargo eletivo atualmente exercido, dentro da mesma circunscrição eleitoral, e não eleger-se, originariamente, para cargo eletivo equivalente, mas em circunscrição eleitoral distinta.
Se aplicarmos essa lógica ao mandato de Governador, seria possível afirmar que o Governador da Paraíba, eleito e reeleito, estaria concorrendo ao terceiro mandato sucessivo, se fosse candidato ao Governo de Pernambuco ou do Rio Grande do Norte?
Cremos que não, do que se percebe que, na verdade, essa interpretação é bastante casuística, considerando apenas as eleições municipais. Mas, partindo do pressuposto da correção de seu fundamento jurídico, a inelegibilidade deveria ser aplicada também nas eleições estaduais, onde fica flagrante, a nosso sentir, o desacerto da tese.
Atualmente, o tema encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal (AC 2821, Rel. Min. Luiz Fux). O Relator votou contrariamente à legitimidade do “prefeito itinerante”, e o Min. Gilmar Mendes pediu vistas dos autos.
RESUMO DA ÓPERA: O TSE não admite a figura do “prefeito itinerante”, o qual se encontra inelegível, por força do art. 14, §5º, CF, ante a conduta de má-fé do candidato.
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ResponderExcluirCreio que nesse caso a discussão deve ser mais profunda, analisando os diversos fundamentos laterais (obiter dicta, caso prefira) que levaram àquela conclusão.
ResponderExcluirPonderando apenas um desses pontos (dos vários que entendo justificar a posição atual do TSE), já interpreto que existe uma grave fraude (ou, no mínimo, uma conduta que é repugnante, sobretudo para o Constituinte originário e seus princípios da Administração Pública) no que tange à questão do domicílio eleitoral.
Utilizando seu exemplo: como entender que o Governador da Paraíba, em pleno exercício do mandato, venha a transferir seu domicílio eleitoral para Pernambuco um ano e meio antes do término do seu segundo mandato, neste permanecendo até o prazo fatal de desincompatibilização?
Isso é uma fraude (por ele não preencher, de fato, os requisitos legais para a transferência) e/ou uma temeridade para um governante eleito para gerir determinada localidade, com imensas repercussões na seara administrativa.
Tudo isso deve ser levado em conta para se chegar a uma conclusão sobre a matéria.
Não se trata de direito individual à elegibilidade de determinada pessoa, mas do interesse coletivo de uma massa que sufragou um nome buscando soluções para seus problemas e se vê abandonada por vontades egoístas e quase sempre espúrias.
A ideia do Prefeito itinerante me agrada. Ao menos na teoria, o Prefeito de um Município não teria influência e grande poder político/econômico nos outros. Então, a princípio, o Prefeito itinerante seria aquele que administrou bem e foi reconhecido. Então, a profissão do cidadão seria "prefeito", independentemente do Município. Por exemplo, um bom Prefeito em João Pessoa poderia assumir depois em Santa Rita, Bayeux, e continuaria recebendo seu "salário" de prefeito.
ResponderExcluirNo entanto, desconstruo meu pensamento, ao compreender que o TSE não admite a figura do “prefeito itinerante", por entender que meu pensamento é utópico. A experiência mostra que o ingresso no Poder Executivo se baseia em interesses privados diversos (e não no público), ao se analisar a sociedade brasileira.
Por fim, permitindo-me uma analogia, assim como ocorre com os recursos processuais, institutos que deveriam ser bons para a sociedade terminam sendo combatidos pelo "jeitinho brasileiro" de desvirtuá-los.
BBB, isso é uma vergonha.
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