Caros concurseiros,
Como vocês já devem ter lido
nas notícias diárias do Supremo Tribunal Federal, este Tribunal julgou
inconstitucional a previsão contida no art. 44 da Lei de Drogas da vedação à
concessão da liberdade provisória. Segue a notícia:
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente habeas corpus para que um homem preso em flagrante por tráfico de drogas possa ter o seu processo analisado novamente pelo juiz responsável pelo caso e, nessa nova análise, tenha a possibilidade de responder ao processo em liberdade. Nesse sentido, a maioria dos ministros da Corte declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC 104339) apresentado pela defesa do acusado, que está preso desde agosto de 2009. Ele foi abordado com cerca de cinco quilos de cocaína, além de outros entorpecentes em menor quantidade.ArgumentosO relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei “é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios”.O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, “analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais”.Segundo ele, a lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade uma exceção. O ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada.Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes indicou que o caput do artigo 44 da Lei de Drogas deveria ser considerado inconstitucional, por ter sido editado em sentido contrário à Constituição. Por fim, destacou que o pedido de liberdade do acusado deve ser analisado novamente pelo juiz, mas, desta vez, com base nos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.O mesmo entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Celso de Mello e pelo presidente, ministro Ayres Britto.Fiança e liberdade provisóriaDe acordo com o ministro Dias Toffoli, a impossibilidade de pagar fiança em determinado caso não impede a concessão de liberdade provisória, pois são coisas diferentes. Segundo ele, a Constituição não vedou a liberdade provisória e sim a fiança.O ministro Toffoli destacou regra da própria Constituição segundo a qual “ninguém será levado à prisão ou nela mantida quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.Liberdade como regra“A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, destacou o ministro Ayres Britto. Ele lembra que chegou a pensar de forma diferente em relação ao caso: “eu dizia que a prisão em flagrante em crime hediondo perdura até a eventual sentença condenatória”, afirmou, ao destacar que após meditar sobre o tema alcançou uma compreensão diferente.O presidente também ressaltou que, para determinar a prisão, é preciso que o juiz se pronuncie e também que a continuidade dessa prisão cautelar passe pelo Poder Judiciário. “Há uma necessidade de permanente controle da prisão por órgão do Poder Judiciário que nem a lei pode excluir”, destacou.O ministro Celso de Mello também afirmou que cabe ao magistrado e, não ao legislador, verificar se se configuram ou não, em cada caso, hipóteses que justifiquem a prisão cautelar.DivergênciaO ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir da posição do relator. Ele entende que a vedação à concessão de liberdade provisória prevista no artigo 44 da Lei Drogas é constitucional e, dessa forma, negou o habeas corpus. O ministro afirmou que “a criminalidade que paira no país está umbilicalmente ligada à questão das drogas”.“Entendo que foi uma opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir, inclusive, a fiança e a liberdade provisória”, afirmou.Excesso de prazoO ministro Marco Aurélio foi o segundo a se posicionar pela constitucionalidade do artigo e afirmou que “os representantes do povo brasileiro e os representantes dos estados, deputados federais e senadores, percebendo a realidade prática e o mal maior que é revelado pelo tráfico de entorpecentes, editou regras mais rígidas no combate ao tráfico de drogas”.No entanto, ao verificar que o acusado está preso há quase três anos sem condenação definitiva, votou pela concessão do HC para que ele fosse colocado em liberdade, apenas porque há excesso de prazo na prisão cautelar.O ministro Joaquim Barbosa também votou pela concessão do habeas corpus, mas sob o argumento de falta de fundamentação da prisão. Ele também votou pela constitucionalidade da norma.
Ontem mesmo, em debate, via facebook, com meu amigo Hendrikus
Garcia, afirmei que entendia, em uma primeira análise, correta a decisão do
STF, uma vez que o indivíduo preso em flagrante ficaria enclausurado durante
todo o processo. Ocorre que, reanalisando o tema, convenci-me no sentido oposto.
Tentarei explicar.
O STF afirmou, nesse
precedente, que a Lei não poderia vedar a concessão da liberdade provisória. Agora,
leiam as seguintes frases:
1 - “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”
2 - “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, pois a lei sempre admitirá a liberdade provisória, com ou sem fiança.”
Feita
a leitura, faço duas perguntas:
a)
Qual das duas frases veda a possibilidade de a lei obstar a liberdade
provisória?
b)
Qual das duas frases está prevista na Constituição Federal?!
A
Constituição veda a manutenção da prisão quando a lei admitir a liberdade provisória.
Em outras palavras, há ilegalidade na prisão se, e somente se, a lei admitir a
liberdade provisória.
Percebam
que a Constituição Federal não impede que a lei restrinja a liberdade
provisória, e isso já seria suficiente para justificar a constitucionalidade da
norma em questão.
Poder-se-ia
alegar ofensa à presunção da inocência, tal como afirmado pela corrente que
prevaleceu no STF. Contudo, no confronto
entre os valores em jogo (de um lado, a segurança e saúde públicas e o
combate ao tráfico de drogas; de outro, a presunção da inocência) , foi a
própria Constituição Federal, por força do Poder Constituinte Originário, que “tudo
pode”, como destaca o Ministro Ayres Britto, quem fez a escolha, não competindo
ao Poder Judiciário questionar tal decisão, notadamente pela pacífica
jurisprudência construída no âmbito do STF quanto à impossibilidade de se
alegar a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias.
Portanto,
salvo melhor juízo, mais uma vez, prevaleceu o garantismo tupiniquim, ou o
chamado garantismo hiperbólico monocular (termo usado pelo Procurador Regional
da República Douglas Fischer). Hiperbólico porque interpretado ao extremo.
Monocular porque enxerga apenas o lado do acusado, da proteção de seus direitos
diante do Estado (direito de defesa), descuidando-se da outra face do papel do
Estado no que tange os direitos fundamentais, qual seja, o papel de promoção
(direito à proteção).
RESUMO DA ÓPERA: Na visão do STF, o art. 44, da Lei de Drogas, que veda a concessão da liberdade provisória, é inconstitucional.
Bruno,
ResponderExcluirTerei que discordar da sua argumentação.
De fato, a redação do dispositivo dá a entender que o legislador pode estabelecer hipóteses em que a liberdade provisória não é cabível.
Mas veja só: a presunção de inocência, como regra constitucional (em vez de princípio), é estabelecida até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Sendo assim, qualquer prisão que não seja cautelar é antecipação de pena e, por isso, inconstitucional.
Se a cautelaridade não pode ser aferida em abstrato, a vedação à prisão preventiva conflita com a presunção de inocência - o que você parece concordar.
Contudo, caso se entenda que a intenção do constituinte foi a de dar margem ao legislador para vedar a liberdade provisória em certos casos, estar-se-ia negando a validade da regra de presunção de inocência - pois, para esse dispositivo, o constituinte foi muito mais que claro: ela perdura até o trânsito em julgado. Qualquer relativização à presunção antes desse marco é negativa de validade do dispositivo, que é, obviamente, norma constitucional originária.
Se a presunção de inocência fosse estabelecida com mais vagueza, eu concordaria com a sua conclusão, mas, diante da precisão cirúrgica da redação do texto que estabelece a presunção de inocência, o resultado da sua argumentação leva àquilo que o princípio da concordância prática busca evitar: o afastamento de normas constitucionais originárias.
A solução que entendo cabível seria esta: o legislador tem liberdade para estabelecer restrições cautelares à liberdade de locomoção do réu, mas deve permitir, por pelo menos uma via (liberdade provisória com fiança ou sem fiança), que todo e qualquer acusado possa responder ao processo em liberdade, se não estiverem presentes os requisitos de cautelaridade.
Deve-se levar em conta que a mencionada ponderação não tem vez aqui porque qualquer restrição à presunção de inocência, pela especificidade da sua previsão, implica o seu aniquilamento. A prisão cautelar não a ofende, porque não implica assunção de culpa antes do trânsito em julgado, apenas a periculosidade concreta do agente em relação à instrução. Já a vedação abstrata, além de não derivar expressamente do texto constitucional somente permite entender que quem foi recolhido ao cárcere preventivamente sem oferecer risco está lá apenas porque já recebeu o rótulo de culpado antecipadamente.
Sobre a "tutela de direitos fundamentais", gostaria de saber se você defende que está no âmbito da cognição do juiz criminal a tutela específica do bem jurídico violado. Desde que me entendo por estudante de processo penal, guardei a informação de que a cognição judicial no processo criminal cinge-se a verificação da ocorrência de uma infração penal, e, paralelamente, à verificação de situações específicas que demandam a aplicação de medidas cautelares, visando à efetividade daquela verificação.
Por isso, não entendo o discurso daqueles que pretendem utilizar o processo penal para tutelar especificamente os tais "bens jurídico-penais", diante de juiz absolutamente incompetente para isso. Juiz criminal conhece apenas de pretensão condenatória/absolutória/cautelar e ponto.
Por isso, concordo com o STF, especialmente por não ter dado o braço a torcer diante de uma série de vergonhosos julgados feitos para "a torcida". O trecho do voto de Fux que li acima é incrivelmente tosco.
Abraço e sucesso.
Já eu entendo pela constitucionalidade da vedação. Lembremos que não se está impossibilitando que o réu, nos casos dos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 da Lei 11.343/2006, responda em liberdade, mas a limitação se deve apenas aos casos de flagrante, como uma opção do legislador (proporcional, em minha modesta opinição, diante da gravidade de tais condutas).
ResponderExcluirÉ nesse sentido que eu coaduno com o posicionamento de Pacelli, segundo o qual, a inafiançabilidade prevista pelo Constituinte Originário (art. 5º, XLII a XLIV, da CRFB), ao que parece, tem por fim proibir qualquer restituição da liberdade para aqueles que se encontrem em tal situação. Conceder a liberdade provisória ao tempo em que se proíbe a fixação de uma fiança é um contrasenso, uma vez que a crimes menos graves se estabelece um tratamento mais rigoroso, com a concessão de liberdade provisória com fiança (sem prejuízo das demais cautelares previstas no art. 319 do CPP, com redação dada pela Lei 12.403/2011).
Abraços.
Pardal,
ExcluirCom o devido respeito, creio que você entrou em contradição ao afirmar que a presunção de inocência é regra constitucional aplicável até o trânsito em julgado, mas admitir a prisão cautelar. Creio que a coerência impõe que quem adotar a tese da inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória deva também negar qualquer tipo de prisão anterior ao trânsito em julgado.
Aliás, onde consta que a prisão cautelar é exceção à prisão antes do trânsito em julgado? Isso é construção jurisprudencial (há súmula do STJ, salvo engano, nesse sentido).
Por outro lado, acredito que a concordância prática leve a outro tipo de conclusão. Negar a vedação da liberdade provisória é negar eficácia daquele dispositivo constitucional que diz "QUANDO a lei admitir a liberdade provisória". E isso não afasta a eficácia da presunção de inocência, que valerá em relação a todos os demais crimes. Só assim você consegue compatibilizar as duas normas. Caso contrário, você está lendo a CF como se ela dissesse "a Lei não pode vedar a liberdade provisória".
Não discuto se o réu preso em flagrante deve ficar preso, ou não. Só acredito que isto está posto na CF, foi opção do constituinte originário, que tudo pode, até dizer que alguém pode ficar preso durante todo o processo.
Bruno,
ExcluirNão entrei em contradição, se você observar bem.
Ser considerado culpado é diferente de ser considerado um perigo à instrução criminal. Há como confundir ambas as situações?
* Você está sendo acusado pela prática de roubo. Não posso te prender;
* Você está intimidando testemunhas, invadiu a portaria do prédio e destruiu o circuito interno de TV e comprou uma passagem para os EUA. Está prejudicando a minha investigação, rapaz. Fique preso. Não estou dizendo que você é o ladrão, mas você não pode me impedir de saber quem ele é.
A restrição de liberdade imposta a quem pratica um crime, sem ser considerado culpado, é diferente daquela imposta a quem age com o desígnio de impedir a elucidação do crime. Assim, se digo que você está atrapalhando as investigações, não lhe atribuo o rótulo de culpado.
Por fim, acho que o seu resultado interpretativo hierarquizou a liberdade de criação de hipóteses de concessão de liberdade provisória, pondo-a acima da presunção de inocência.
Buscar a conformidade constitucional por meio da redução de direitos fundamentais em favor do poder punitivo me parece um retrocesso retumbante.
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ResponderExcluirEm verdade, vislumbro ofensa à reserva de plenário nesta decisão. Como pode uma turma afastar a aplicação sem levar ao plenário ou corte especial ?
ResponderExcluirBruno, parabéns pelo Blog. vc poderia postar algum artigo sobre as alterações implementadas pela nova Lei do Cade? obrigada
ResponderExcluirVera, salvo melhor juízo, há jurisprudência do STF que entende que o princípio da reserva do plenário não se aplica ao STF. Vou tentar verificar se acho essa jurisprudência, parece-me que é da Ellen Gracie.
ResponderExcluirQuanto à nova Lei do Cade, não foi abordada no meu concurso e nunca a li, portanto, infelizmente, não poderei escrever algo sobre ela.
O STF realmente errou, pelos exatos motivos apresentados pelo Stoessel12: se a própria CF proíbe a concessão de fiança nos crimes hediondos (e equiparados aos tais), é óbvio que ela quis impedir que o acusado, preso em flagrante por tais delitos, fosse tratado da mesma forma que os demais acusados. Ela desejou impedir que as regras de liberdade fossem as mesmas para ambos os grupos.
ResponderExcluirO Poder Constituinte entendeu que pessoas PEGAS NO FLAGRA vendendo drogas deveriam aguardar o processo presas; foi um juízo SOBERANO, feito pela Assembléia Constituinte, impassível de sindicância judicial.
Trata-se de uma mitigação da presunção de inocência? Sem dúvida; assim como a CF veda a equiparação de vencimentos, apesar de fazer (ela mesma), VÁRIAS equiparações. Quem não pode equiparar vencimentos é o legislador infraconstitucional; quem não pode tratar o acusado como culpado antes da decisão final é o legislador, a não ser que a própria CF assim o permita.
Contudo, isso não significa "jogar a pessoa" na prisão e deixá-la mofar; é possível que ela seja solta por outros motivos (que não a ausência dos requisitos do art. 312 do CPP): excesso de prazo do processo, preenchimento do lapso temporal para a progressão de regime, grave enfermidade etc.
O Min. Marco Aurélio, sempre tão humanista e liberal-progressista, não conseguiu deixar de perceber o óbvio (que a inafiançabilidade inclui a vedação da liberdade provisória), mas concedeu a ordem por visualizar um abuso do Estado, ao demorar para encerrar o feito.
Uma pergunta que não quer calar, e não foi sequer tocada pelos Ministros: QUAL O SENTIDO DE IMPOR A FIANÇA NOS CRIMES MAIS LEVES, e deixar aquele que foi flagrado cometendo crimes hediondos sair sem pagar nada? QUAL O SENTIDO DE VEDAR A FIANÇA EM CRIMES HEDIONDOS, se o réu pego em flagrante pode se livrar solto mediante a simples ausência dos requisitos da prisão preventiva?
Quem responder, ganha uma vaga em Tribunal Superior...