quinta-feira, 31 de maio de 2012

STJ: Demanda previdenciária e requerimento administrativo prévio.

Caros colegas,

Chamo a atenção para a decisão noticiada hoje no site do STJ, segundo a qual o Tribunal entendeu que, para fins de ajuizamento de demanda previdenciária, faz-se necessário o prévio requerimento administrativo junto ao INSS, sob pena de inexistência de interesse de agir, na vertente interesse-necessidade. É a mesma lógica que o STJ aplica ao habeas data, p.ex, nos termos da Súmula n. 02, salvo engano.

Vale ressaltar, contudo, que, de acordo com a notícia, a decisão excepcionou os casos em que há posicionamento reiterado do órgão previdenciário em sentido contrário à concessão do benefício, ocasião em que seria inútil o requerimento administrativo, já que este seria negado.

Segue a notícia:
Não cabe ação judicial sem prévia resistência administrativa à concessão de benefícios previdenciários

Não há interesse processual em ingressar com ação judicial para obter benefício previdenciário sem que haja resistência administrativa prévia à pretensão, no caso concreto ou de forma notória. 
Conforme decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Judiciário é via de resolução de conflitos, não havendo prestação jurisdicional útil e necessária sem que haja a prévia resistência do suposto devedor da obrigação. Para o relator, ministro Herman Benjamin, o Judiciário não pode se transformar em agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 
“A pretensão nesses casos carece de qualquer elemento configurador de resistência pela autarquia previdenciária. Não há conflito. Não há lide. Não há, por conseguinte, interesse de agir nessas situações”, afirmou o ministro Benjamin, ao rejeitar o recurso de um segurado contra o INSS. 
“O Poder Judiciário é a via destinada à resolução dos conflitos, o que também indica que, enquanto não houver resistência do devedor, carece de ação aquele que judicializa sua pretensão”, completou.
(...)
O relator ponderou que no caso de resistência notória da autarquia à tese jurídica reconhecida pelo Judiciário, seria inútil impor ao segurado a exigência de prévio pedido administrativo, quando o próprio INSS adota posicionamento contrário ao embasamento jurídico do pleito. 
(...)
Nessa perspectiva, o ministro afirmou ainda que é preciso haver lesão a um direito para permitir o exercício do direito de ação. “A existência de um conflito de interesses no âmbito do direito material faz nascer o interesse processual para aquele que não conseguiu satisfazer consensualmente seu direito”, asseverou. 
A decisão segue linha de julgamentos do STJ em casos similares, como nas hipóteses de indenização pelo seguro por danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT), compensação tributária, habeas data e cautelar de exibição de documentos, por exemplo

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Simulado - AGU

Pessoal,


Estou organizando um simulado para a prova de Advogado da União, a ser realizada em 08 de julho próximo. Inicialmente, imaginei elaborar, eu mesmo, as 200 questões, mas abandonei a ideia por absoluta falta de tempo. 

Desse modo, utilizei-me de diversas provas recentes elaboradas pela Cespe nos últimos certames, "criando" uma prova de 200 questões, na sistemática do V ou F, contendo todas as matérias que serão cobradas na prova, com uma divisão imaginária das questões entre as matérias e grupos. Penso que será uma boa ferramenta de revisão para a prova, com possibilidade de dar a vocês uma perspectiva do que esperar no dia 08/07.

Não preciso dizer que o interessante é tentar responder a prova sem uso de qualquer material, bem como seguindo a regra das 2 questões erradas anulam 1 certa, para dar maior veracidade ao teste.

Particularmente, sempre gostei de responder provas nas minhas revisões para concursos. Costumava imprimir 10, 15 provas, equivalente ao concurso em vista,  e respondia 1 ou 2 provas por dia, nas últimas duas semanas antes da prova.

Contudo, e isso é uma dica que deixo a vocês, eu não me limitava a responder as questões, entendendo-as certas ou erradas. Em cada questão, eu buscava relembrar tudo de relevante sobre o tema tratado, incluindo a legislação seca, informativos, súmulas e eventuais questões doutrinárias.

Dou um exemplo: Imaginemos uma questão que cobrasse o prazo decadencial para impetração do MS. Eu não iria apenas procurar a alternativa que contivesse o prazo de 120 dias, e ponto final. Eu buscava lembrar tudo sobre MS (verificando nos livros e materiais, posteriormente, para ver se faltava algo). Tentaria lembrar o que é o MS, qual é a hipótese de cabimento, competência, autoridade coatora, prazos, direito líquido e certo, MS individual e coletivo (legitimados), súmulas dos Tribunais Superiores, teoria da encampação, hipóteses em que não cabe MS etc...). 

Assim, indo muito além do que era efetivamente cobrado na questão, eu conseguia revisar diversas questões importantes sobre um tema.

Voltando à questão do simulado, peço sugestões a respeito da seguinte sistemática:

a) Data de disponibilização do simulado (15/06); 
b) Disponibilização do gabarito (16/06); 
c) Questionamento do gabarito e eventuais dúvidas (18/06 a 22/06).





sexta-feira, 25 de maio de 2012

Peças facultativas no AI. Mudança de posicionamento do STJ

Caros concurseiros,

Como se sabe, uma das modalidades do recurso de Agravo é o Agravo de Instrumento, que recebe esse nome justamente pelo fato de que a parte recorrente irá formar um instrumento a ser remetido para o Tribunal, enquanto os autos principais permanecem no Juízo.

Também se sabe que compete à parte recorrente instruir o recurso com as denominadas peças obrigatórias (art. 525, I, CPC), quais sejam, cópia da decisão, procuração das partes e certidão de intimação da decisão. Por outro lado, conforme dispõe o art. 525, II, CPC, a parte recorrente também poderá acostar ao instrumento outras peças processuais que entender relevantes para o julgamento do recurso.

Contudo, a jurisprudência do STJ, por muito tempo, desenvolveu a distinção entre peças facultativas e peças essenciais. Estas seriam as peças indispensáveis à compreensão da controvérsia e prolação da decisão, muito embora não se enquadrem nas hipóteses de peças obrigatórias (art. 525, I, CPC).

Dessa forma, entendia o STJ que, caso a parte não juntasse as peças essenciais - na visão do órgão julgador, diga-se de passagem -, o recurso não poderia ser conhecidoE pior: A parte recorrente nem teria oportunidade para juntar aos autos a peça considerada essencial pelo órgão julgador

Em outras palavras, a parte recorrente teria que realizar um juízo de futurologia para adivinhar, essa é a palavra correta, o que o órgão julgador irá entender como essencial para julgamento do feito.

Na prática, para evitar qualquer problema (particularmente sempre fiz isso), o recorrente junta cópia integral dos autos no instrumento. Assim, o recurso não será admitido se o órgão julgador entender que há algo essencial fora do autos...

Pelo exposto, para o STJ, teríamos peças facultativas, porém essenciais (?)! Pense no paradoxo!

Esse posicionamento, além de conflitar com o próprio texto legal, que elenca expressamente quais as peças devem necessariamente ser juntadas ao instrumento, submete a parte recorrente ao arbítrio do órgão julgador, haja vista que este pode simplesmente inadmitir qualquer recurso sob o fundamento de que alguma peça considerada essencial não consta dos autos.

Felizmente, ao que parece, o STJ deu sinais de que irá rever esse entendimento, senão vejamos:

REPETITIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PEÇAS FACULTATIVAS. (INFO 496) 
A Corte, ao rever seu posicionamento – sob o regime do art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ –, firmou o entendimento de que a ausência de peças facultativas no ato de interposição do agravo de instrumento, ou seja, aquelas consideradas necessárias à compreensão da controvérsia (art. 525, II, do CPC), não enseja a inadmissão liminar do recurso. Segundo se afirmou, deve ser oportunizada ao agravante a complementação do instrumento. REsp 1.102.467-RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 2/5/2012.
Em suma: Se o órgão julgador sentir necessidade de conhecer outros documentos constantes dos autos, mas ausentes do instrumento, deverá intimar a parte recorrente para juntá-lo ao recurso.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

DICAS AGU: Direito Internacional Privado


Caros concurseiros,

Um dos pontos de Direito Internacional Privado do Edital da AGU é o seguinte: “25 Cooperação jurídica internacional em matéria penal: evolução histórica, principais tratados e princípios da especialidade e da dupla incriminação.

Acho importante apontar algumas informações sobre os princípios da especialidade e da dupla incriminação. Tais princípios são bastante conhecidos na ótica do processo de extradição, que é uma espécie de cooperação jurídica internacional. 

O princípio da especialidade impede que o Estado requerente processe ou aplique pena ao extraditando por fatos anteriores e alheios ao pedido de extradição. Ou seja, se houve pedido de extradição pelo fato A, não seria possível o Estado requerente processá-lo também pelo fato B, salvo se formular um aditamento no pedido, submetendo a questão novamente ao crivo do STF.  Segundo o princípio da dupla incriminação, só será possível extraditar o indivíduo caso o fato a ele imputado configure infração penal no Estado requerente e no Estado requerido.

No âmbito do auxílio direto na seara penal, a coisa muda um pouco.

Quanto ao princípio da especialidade, não há alteração. As provas obtidas por força do auxílio direto só podem ser utilizadas para investigação e processamento do indivíduo do fato investigado que levou à realização do pedido em questão.

Contudo, em relação ao princípio da dupla incriminação, não há uma aplicação absoluta do mencionado princípio. Com efeito, o tratado internacional que prevê o auxílio direto pode exigir, ou não, a necessidade de dupla incriminação para a cooperação. Por exemplo, salvo melhor juízo, o tratado firmado entre Brasil e EUA, não faz tal exigência, sendo possível requerer a cooperação do Estado para investigar fato que, em seu território, não caracterize crime.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A legitimidade recursal do amicus curiae e o STF.

Caros colegas concurseiros,

Trago ao conhecimento de vocês uma provável mudança da jurisprudência do STF, no que diz respeito à legitimidade recursal do amicus curiae para impugnar a decisão do Relator que indefere o seu pedido de ingresso no processo. 

Com efeito, o entendimento clássico do STF é no sentido de que, em que pese a disposição prevista no art. 7º, §2º, da Lei n. 9.868/99, abrir-se-ia uma exceção em que seria possível a interposição de recurso, qual seja, a possibilidade do amicus curiae recorrer da decisão que não permitiu o seu ingresso nos autos. 

Contudo, em recente julgado, ainda não concluído, diversos Ministros manifestaram-se pelo não-conhecimento do Agravo Regimental interposto pelo particular inadmitido na condição de amicus curiae, justamente pela previsão expressa do art. 7º, §2º.

Veja a notícia divulgada no Informativo n. 665, STF: 


Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade – 1 
O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental interposto, por procurador da fazenda nacional, contra decisão que, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, indeferira-lhe pedido de ingresso nos autos como amicus curiae. O Min. Celso de Mello, relator, em preliminar, conheceu do recurso de agravo com fundamento em decisões desta Corte que permitiriam a impugnação recursal por parte de terceiro, quando denegada sua participação na qualidade de amicus curiae (ADI 3105 ED/DF, DJe de 23.2.2007; ADI 3934 ED-AgR/DF, DJe de 31.3.2011 e ADI 3615 ED/PB, DJe de 25.4.2008). No mérito, negou provimento ao recurso ao aplicar orientação do STF no sentido de que a pessoa física não teria representatividade adequada para intervir na qualidade de amigo da Corte em ação direta. Salientou hipótese em que determinada entidade, dotada de representatividade adequada, pretendesse ingressar como amicus curiae e sendo denegada essa pretensão, ser-lhe-ia possível interpor recurso apenas quanto a esse juízo negativo de admissibilidade, para permitir que o Colegiado realizasse o controle do julgado. Nesse mesmo sentido votaram os Ministros Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.

Indeferimento de ingresso de “amicus curiae” e recorribilidade - 2
Em divergência, o Min. Marco Aurélio não conheceu do regimental ante expressa disposição legal, a dispor sobre a irrecorribilidade da decisão do relator que não consentisse com aquela intervenção. Realçou que, embora o preceito da Lei 9.868/99 se referisse a despacho, o pronunciamento de admissão no processo teria carga decisória e, no sistema recursal, o recurso seria bilateral. Apontou não ser possível interpretar preceito em que somente aquele que tivesse seu recurso indeferido pudesse recorrer. Acentuou que a decisão do relator ao admitir, ou não, a participação de terceiro, seria irrecorrível. Dessumiu que, se vencido na preliminar, acompanharia o Min. Celso de Mello pelo não provimento. Os Ministros Ayres Britto, Presidente, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli também não conheceram da ação. Por fim, em virtude da possibilidade de se alterar jurisprudência do Supremo, deliberou-se pela suspensão do julgamento, para aguardar os votos dos Ministros ausentes.

Portanto, o concurseiro deve acompanhar, com atenção, a conclusão do julgamento, uma vez que este poderá representar mudança jurisprudencial do STF. 

sexta-feira, 11 de maio de 2012

STF: A vedação da liberdade provisória na Lei de Drogas


Caros concurseiros,

Como vocês já devem ter lido nas notícias diárias do Supremo Tribunal Federal, este Tribunal julgou inconstitucional a previsão contida no art. 44 da Lei de Drogas da vedação à concessão da liberdade provisória. Segue a notícia:


Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente habeas corpus para que um homem preso em flagrante por tráfico de drogas possa ter o seu processo analisado novamente pelo juiz responsável pelo caso e, nessa nova análise, tenha a possibilidade de responder ao processo em liberdade. Nesse sentido, a maioria dos ministros da Corte declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.
A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC 104339) apresentado pela defesa do acusado, que está preso desde agosto de 2009. Ele foi abordado com cerca de cinco quilos de cocaína, além de outros entorpecentes em menor quantidade.
Argumentos
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei “é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios”.
O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, “analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais”.
Segundo ele, a lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade uma exceção. O ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada.
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes indicou que o caput do artigo 44 da Lei de Drogas deveria ser considerado inconstitucional, por ter sido editado em sentido contrário à Constituição. Por fim, destacou que o pedido de liberdade do acusado deve ser analisado novamente pelo juiz, mas, desta vez, com base nos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
O mesmo entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Celso de Mello e pelo presidente, ministro Ayres Britto.
Fiança e liberdade provisória
De acordo com o ministro Dias Toffoli, a impossibilidade de pagar fiança em determinado caso não impede a concessão de liberdade provisória, pois são coisas diferentes. Segundo ele, a Constituição não vedou a liberdade provisória e sim a fiança.
O ministro Toffoli destacou regra da própria Constituição segundo a qual “ninguém será levado à prisão ou nela mantida quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
Liberdade como regra
“A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, destacou o ministro Ayres Britto. Ele lembra que chegou a pensar de forma diferente em relação ao caso: “eu dizia que a prisão em flagrante em crime hediondo perdura até a eventual sentença condenatória”, afirmou, ao destacar que após meditar sobre o tema alcançou uma compreensão diferente.
O presidente também ressaltou que, para determinar a prisão, é preciso que o juiz se pronuncie e também que a continuidade dessa prisão cautelar passe pelo Poder Judiciário. “Há uma necessidade de permanente controle da prisão por órgão do Poder Judiciário que nem a lei pode excluir”, destacou.
O ministro Celso de Mello também afirmou que cabe ao magistrado e, não ao legislador, verificar se se configuram ou não, em cada caso, hipóteses que justifiquem a prisão cautelar.
Divergência
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir da posição do relator. Ele entende que a vedação à concessão de liberdade provisória prevista no artigo 44 da Lei Drogas é constitucional e, dessa forma, negou o habeas corpus. O ministro afirmou que “a criminalidade que paira no país está umbilicalmente ligada à questão das drogas”.
“Entendo que foi uma opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir, inclusive, a fiança e a liberdade provisória”, afirmou.
Excesso de prazo
O ministro Marco Aurélio foi o segundo a se posicionar pela constitucionalidade do artigo e afirmou que “os representantes do povo brasileiro e os representantes dos estados, deputados federais e senadores, percebendo a realidade prática e o mal maior que é revelado pelo tráfico de entorpecentes, editou regras mais rígidas no combate ao tráfico de drogas”.
No entanto, ao verificar que o acusado está preso há quase três anos sem condenação definitiva, votou pela concessão do HC para que ele fosse colocado em liberdade, apenas porque há excesso de prazo na prisão cautelar.
O ministro Joaquim Barbosa também votou pela concessão do habeas corpus, mas sob o argumento de falta de fundamentação da prisão. Ele também votou pela constitucionalidade da norma.

Ontem mesmo, em debate, via facebook, com meu amigo Hendrikus Garcia, afirmei que entendia, em uma primeira análise, correta a decisão do STF, uma vez que o indivíduo preso em flagrante ficaria enclausurado durante todo o processo. Ocorre que, reanalisando o tema, convenci-me no sentido oposto. Tentarei explicar.

O STF afirmou, nesse precedente, que a Lei não poderia vedar a concessão da liberdade provisória. Agora, leiam as seguintes frases:

1 - “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” 

2 - “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, pois a lei sempre admitirá a liberdade provisória, com ou sem fiança.”

Feita a leitura, faço duas perguntas:

a) Qual das duas frases veda a possibilidade de a lei obstar a liberdade provisória?
b) Qual das duas frases está prevista na Constituição Federal?!

A Constituição veda a manutenção da prisão quando a lei admitir a liberdade provisória. Em outras palavras, há ilegalidade na prisão se, e somente se, a lei admitir a liberdade provisória.

Percebam que a Constituição Federal não impede que a lei restrinja a liberdade provisória, e isso já seria suficiente para justificar a constitucionalidade da norma em questão.

Poder-se-ia alegar ofensa à presunção da inocência, tal como afirmado pela corrente que prevaleceu no STF.  Contudo, no confronto entre os valores em jogo (de um lado, a segurança e saúde públicas e o combate ao tráfico de drogas; de outro, a presunção da inocência) , foi a própria Constituição Federal, por força do Poder Constituinte Originário, que “tudo pode”, como destaca o Ministro Ayres Britto, quem fez a escolha, não competindo ao Poder Judiciário questionar tal decisão, notadamente pela pacífica jurisprudência construída no âmbito do STF quanto à impossibilidade de se alegar a inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias.

Portanto, salvo melhor juízo, mais uma vez, prevaleceu o garantismo tupiniquim, ou o chamado garantismo hiperbólico monocular (termo usado pelo Procurador Regional da República Douglas Fischer). Hiperbólico porque interpretado ao extremo. Monocular porque enxerga apenas o lado do acusado, da proteção de seus direitos diante do Estado (direito de defesa), descuidando-se da outra face do papel do Estado no que tange os direitos fundamentais, qual seja, o papel de promoção (direito à proteção).

RESUMO DA ÓPERA: Na visão do STF, o art. 44, da Lei de Drogas, que veda a concessão da liberdade provisória, é inconstitucional.
  

terça-feira, 8 de maio de 2012

Dicas de Direito Internacional para a AGU (4)

Caros concurseiros,

Um colega indagou-me sobre alguns itens do Edital de Direito Internacional da prova da AGU, a seguir indicados:

"São os seguintes pontos: 27 Recuperação de ativos. 28 Partilha de ativos. 29 Sequestro internacional de crianças. 30 Exceções ao retorno da criança. 31 Competência da Justiça Federal. 32 Atribuições da Advocacia-Geral da União."

Tentarei abordar os temas e, nesta primeira postagem, acho importante definir, de forma sucinta, o que é cooperação jurídica internacional. Consiste em um conjunto de mecanismos e instrumentos através dos quais os Estados se auxiliam mutuamente na esfera internacional, seja na esfera cível, seja na esfera criminal. Dentre os principais exemplos de cooperação jurídica internacional poderíamos citar a extradição, a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira.

De início, a cooperação realizava-se com base na chamada cortesia internacional, isto é, pela boa vontade do Estado colaborador, não havia dever jurídico. Atualmente, porém, diversos tratados e convenções internacionais criaram verdadeira obrigação internacional de cooperação jurídica.

Doutrinariamente, pode-se dividir a cooperação jurídica internacional em dois grandes segmentos, a saber: a cooperação clássica, pela via diplomática; e a cooperação direta (auxílio direto), através das denominadas autoridades centrais. É importante saber que estes dois segmentos não são excludentes. Um não superou o outro. Na verdade, são dois segmentos que existem simultaneamente nos ordenamentos jurídicos dos países.

A grande diferença entre a cooperação clássica e a cooperação direta é o seu objetivo.

Na cooperação clássica, pela via diplomática, o que o Estado requerente pretende é fazer com que um ato ou decisão seu possa produzir efeitos no território do outro Estado. P.ex, quando eu pego uma sentença que obtive nos EUA e tento homologá-la no Brasil, tenho como finalidade fazer com que aquela decisão americana possa produzir efeitos jurídicos no Brasil. Dessa forma, no Brasil, não se analisará o mérito ou o conteúdo do ato, mas apenas a observância de requisitos formais. Diz-se, então, que, na via diplomática, faz-se um juízo de delibação. No caso da extradição, p.ex, adota-se o sistema da contenciosidade limitada, no qual o STF não vai averiguar se a decisão condenatória ou a ordem de prisão é correta, ou não. Além disso, a comunicação entre os Estados dá-se pela via diplomática, a qual é bastante demorada e burocratizada.

De outro giro, a cooperação direta tem como objetivo buscar a prática de um ato pelo outro Estado, ou seja, pede-se ao Estado requerido, não que valide ou conceda efeitos a um ato seu, mas que pratique um ato em seu território em benefício do Estado requerente. Dessa forma, não há mero juízo de delibação, mas verdadeiro juízo de mérito, haja vista que o Estado irá avaliar, à luz de seu ordenamento interno, se deve praticar o ato pugnado, e o praticará, se for o caso, sempre de acordo com a sua própria legislação. Por exemplo, diversos tratados internacionais de cooperação preveem a possibilidade de um Estado A requerer ao Estado B a quebra do sigilo bancário do nacional A referente a contas existentes no Estado B, para fins de investigação criminal.

Por derradeiro, a cooperação direta não se realiza pela via diplomática, mas sim por intermédio das denominadas autoridades centrais, que são instituições indicadas por cada um dos Estados com a atribuição de receber/remeter pedidos de auxílio direto e tomar as providências cabíveis, no caso de recebimento, para que o ato seja praticado pela autoridade competente.

Perceba-se, portanto, que o papel da autoridade central não é realizar o ato propriamente dito, mas sim dar os encaminhamentos necessários para que este venha a ser praticado por quem de direito. Regra geral, encaminha-se para o órgão administrativo e, se houver necessidade de ordem judicial, para a AGU (matéria cível) ou para o MPF (matéria penal). Por exemplo, no caso de a autoridade central receber um pedido de quebra de sigilo bancário/fiscal, ela deverá encaminhar o pedido ao MPF para que este requeira a quebra judicialmente.

No caso brasileiro, regra geral, a autoridade central é o Departamento Nacional de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, vinculado ao Ministério da Justiça.

Todavia, há importantes exceções. A PGR é autoridade central nos tratados firmados com Canadá e Portugal e na Convenção de NY sobre cobrança de alimentos no exterior. Por outro lado, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos é autoridade central no tratado sobre sequestro internacional de crianças (por isso o destaque do Edital).

A esse respeito, recomendo a leitura da cartilha existente no site da AGU no que tange à atuação do órgão no caso de sequestro internacional de crianças. Segue o link: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=157035&ordenacao=1&id_site=4922

Basicamente, no caso de alegação de a criança ter sido levada do Brasil, a Secretaria remeterá o pedido para que a autoridade central do Estado onde esteja a criança proceda à tentativa de fazer com que ela retorne ao Brasil. E, no caso de a criança ter sido sequestrada e trazida para o Brasil, compete à Secretaria tentar fazer com que ela retorne ao seu país de origem, amigavelmente. Caso contrário, a AGU deverá ajuizar a demanda correspondente.(item 32).

Nesses casos, a competência será da Justiça Federal (item 31) por duas razões: 1) a autoridade central é a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, órgão federal, atraindo a incidência do art. 109, I, CF; e 2) trata-se de obrigação internacional assumida pelo Estado brasileiro, de modo que eventual violação do tratado poderá ensejar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro, existindo, pois, interesse federal na demanda.





quinta-feira, 3 de maio de 2012

Dicas de Direito Internacional para a AGU (3)


1 – A Relação entre Direito Internacional e Direito Interno: Como o Direito Interno vê o Direito Internacional


Esse tema é encontrado em qualquer Manual de Direito Internacional. A doutrina aponta duas grandes teorias sobre o tema, quais sejam, o monismo e o dualismo.

Para o monismo, há uma única ordem jurídica, formada pelo Direito Internacional e pelo Direito Interno, inexistindo necessidade de qualquer tipo de incorporação da regra internacional ao ordenamento interno. Subdivide-se em monismo com primazia da norma internacional e monismo com primazia da norma interna, a depender da prevalência de uma ou de outra norma em caso de conflito.

Para o dualismo, há duas ordens jurídicas distintas: A ordem interna e a ordem internacional. Dessa forma, a norma internacional precisa ser introduzida, ou, conforme o termo técnico, incorporada, ao ordenamento jurídico interno, através de procedimento previsto na Constituição de cada Estado. Subdivide-se em dualismo moderado e exacerbado, considerando-se o mecanismo necessário de incorporação dessa norma internacional. No caso brasileiro, segundo a doutrina majoritária e o STF, adota-se o dualismo moderado, pois o tratado internacional é incorporado através de Decreto de promulgação e publicação do Presidente da República, após o processo de aprovação no Congresso e ratificação pelo PR.


2 – Relação entre Direito Internacional e Direito Interno. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno.


Esse tema é muito pouco abordado pelos Manuais de Direito Internacional. Quem trata bem da matéria é o Professor André de Carvalho Ramos, na sua obra sobre a responsabilidade civil do Estado por violação a direitos humanos, e, inclusive, é tema expressamente previsto no Edital do concurso para Procurador da República.

A perspectiva é muito simples: O Direito Internacional tem as suas próprias fontes de Direito, de maneira que as normas internas não são fontes de Direito Internacional. Para o Direito Internacional, todos os atos internos do Estado (sejam leis, sejam atos do Executivo ou decisões judiciais), são apenas fatos, manifestações de vontade do Estado, as quais precisam estar em conformidade com as normas internacionais, sob pena de responsabilidade internacional.

Nessa linha de raciocínio, até uma decisão do Supremo Tribunal Federal pode levar à responsabilidade internacional do Estado Brasileiro, como poderá ocorrer no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), no qual o Brasil foi condenado pela prática de diversos atos de desaparecimento forçado,  e ainda não cumpriu toda a decisão.


3- Controle de Convencionalidade


Pegando o gancho do item anterior, vale comentar um pouco sobre o que seria o controle de convencionalidade. Este, nada mais é, do que mecanismo de controle da compatibilidade das normas internas do Estado com as suas obrigações assumidas no plano internacional.

Assim como o controle de constitucionalidade verifica a compatibilidade da norma infraconstitucional com a Constituição, o controle de convencionalidade atesta a adequação de uma norma interna aos tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
               
Nessa ordem de fatores, não basta que uma norma interna seja compatível com a Constituição, sendo também preciso que ela se compatibilize com as convenções internacionais.
               
Essa situação leva à curiosa hipótese de, p.ex, o Brasil ser responsabilizado internacionalmente pela existência de uma norma interna reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sem que isso configure qualquer tipo de ofensa à competência do STF como guardião da Constituição Federal ou à soberania brasileira. São parâmetros de controle distintos, sendo que ambos os controles precisam ser positivos.
                                

Dicas de Direito Internacional para a prova da AGU (2)

Caros colegas concurseiros,

Seguem abaixo algumas informações sobre um importante tema de Direito Internacional, qual seja, o instituto da proteção diplomática.

Proteção diplomática não tem nada a ver com diplomata ou imunidade diplomática. A proteção diplomática é prerrogativa estatal de chamar para si a defesa dos interesses de um nacional violados por ato de outro Estado. Em outras palavras, o indivíduo que teve, em tese, direitos violados por parte de um Estado estrangeiro pode ser socorrido pelo seu Estado de origem, que buscará responsabilizar o Estado infrator na ótica internacional. Em suma: O Estado “compra” a briga do seu nacional.

A doutrina apresenta alguns requisitos para que o Estado possa exercer a proteção diplomática, destacando-se a necessidade do vínculo nacional e o esgotamento das vias internas e ordinárias de resolução do problema.

Uma questão bastante cobrada em concurso é quanto à renúncia da proteção diplomática. Lembrem-se que ela é prerrogativa do Estado, que pode exercê-la ou não, e não do indivíduo. Portanto, quem deve renunciar, se for o caso, é o Estado, e não o particular.

Quanto a tal aspecto, é importante registrar a denominada Cláusula Calvo, segundo a qual o nacional, em contratos internacionais, renunciava à proteção diplomática. A referida claúsula era bastante criticada, pois, conforme destacamos, a prerrogativa é do Estado, de maneira que o particular não poderia renunciar a algo que não é dele.

Também é digno de nota registrar a questão das pessoas jurídicas. Nesses casos, a proteção diplomática deve ser exercida pelo Estado de nacionalidade da pessoa jurídica, e não de seus sócios. Há um caso famoso no qual a Corte Internacional tratou do tema, o caso Barcelona Traction. Nesse caso, era uma empresa canadense que, em tese, foi prejudicada por atos da Espanha. Como o Canadá não exerceu a proteção diplomática, a Bélgica tentou exercê-la, valendo-se do argumento de que a empresa tinha sócios belgas prejudicados, o que não foi admitido.

Por fim, a doutrina também adverte que, no caso de dupla nacionalidade, o indivíduo pode valer-se da proteção de ambos os Estados dos quais é nacional, mas nunca de um contra o outro. É dizer: Se o particular tem nacionalidade brasileira e americana, ele pode ser protegido por qualquer um dos dois países, salvo se o Estado infrator for o outro do qual é nacional.