Atualmente,
admite-se, em uma única hipótese, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, i.e, que a pessoa jurídica seja ré em
processo penal, e isso ocorre no caso dos crimes ambientais (art. 225, §3º, CF,
c/c art. 4º, da Lei n. 9.605/98).
Nesse
panorama, duas relevantes questões processuais foram analisadas pelos Tribunais
Superiores, quais sejam, (1) a possibilidade do uso do Habeas Corpus em defesa da pessoa jurídica ré ou investigada, e
(2) a existência de litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica e
a pessoa física responsável pela prática dos atos imputados à pessoa jurídica.
Vejamos
tais situações:
(1)
Pessoa jurídica como paciente de ordem de Habeas
Corpus.
De
início, é preciso não confundir impetrante com paciente no Habeas Corpus.
Impetrante é que propõe, apresenta, o Habeas Corpus ao Poder Judiciário.
Paciente é em defesa de quem se impetra o Habeas Corpus. O impetrante pode ser
qualquer pessoa física ou jurídica, inclusive o próprio réu ou investigado (no
caso, será tanto impetrante, quanto paciente). Paciente é o réu ou investigado,
quem irá se beneficiar de eventual concessão da medida requerida. Assim, não há
dúvidas quanto à legitimidade da pessoa jurídica impetrar HC em favor de
paciente pessoa física.
A
controvérsia reside em saber se a pessoa jurídica pode ser paciente em HC
impetrado por pessoa física ou jurídica, ou até mesmo, por ela próprio
impetrado. O tema ganhou importância a partir do momento em que se admite,
quanto aos crimes ambientais, a possibilidade de a pessoa jurídica ser ré em
Ação Penal.
A
posição dos Tribunais Superiores é uníssona em recusar a legitimidade da
impetração de HC em favor de paciente pessoa jurídica, sob o fundamento de que
o remédio heróico é medida de proteção à liberdade de ir, vir e ficar,
liberdade esta inerente à pessoa física, que poderá ser submetida a pena
privativa de liberdade, mas não à pessoa jurídica, que sofrerá outros tipos de
sanções (art. 21, Lei n. 9.605/98).
Confira-se:
EMENTA: HABEAS CORPUS.
NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. PESSOA FÍSICA. REPRESENTANTE LEGAL
DE PESSOA JURÍDICA QUE SE ACHA PROCESSADA CRIMINALMENTE POR DELITO AMBIENTAL.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER REPARADO. CABIMENTO DO HC. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só
pode ter por alvo -- lógico -- a "liberdade de locomoção" do
indivíduo, pessoa física. E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou
geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação
constitucional. Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a
mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. Afinal, habeas
corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio
corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa
não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então,
recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de
geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao
direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. Autonomia de vontade, enfim,
protegida contra "ilegalidade ou abuso de poder" -- parta de quem
partir --, e que somente é de cessar por motivo de "flagrante delito ou
por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos
casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em
lei" (inciso LXI do art. 5º da Constituição). 2. Na concreta situação dos
autos, a pessoa jurídica da qual o paciente é representante legal se acha
processada por delitos ambientais. Pessoa Jurídica que somente poderá ser
punida com multa e pena restritiva de direitos. Noutro falar: a liberdade de
locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou
restringida. 3. Agravo regimental desprovido. (STF, HC 88747, Rel. Min. Ayres
Britto, p. 29/10/2009)
CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME
AMBIENTAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. WRIT IMPETRADO EM FAVOR DE PESSOA
JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE FIGURAR COMO PACIENTE. RECURSO DESPROVIDO.
I. Hipótese na qual o recorrente sustenta a ausência
de justa causa para a instauração do inquérito policial, pugnando pelo seu trancamento.
II. A jurisprudência deste Superior Tribunal de
Justiça consolidou-se no sentido de que o habeas corpus não se presta para amparar
reclamos de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à
liberdade ambulatorial, o que não pode ser atribuído à empresa.
III. Admite-se a empresa como paciente tão somente nos
casos de crimes ambientais, desde que pessoas físicas também figurem conjuntamente
no pólo passivo da impetração, o que não se infere na presente hipótese
(Precedentes).
IV. Recurso ordinário desprovido, nos termos do voto
do Relator (STJ, RHC 28811, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 13/12/2010)
Deve-se,
contudo, fazer um destaque para o julgamento do HC 92921, Rel. Min. Ricardo
Lewandosvki, p. 26/09/2008, pois a Ementa do julgado dá a entender que se
admitiu a impetração de HC em favor de pessoa jurídica, a saber:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL
PENAL. CRIME AMBIENTAL. HABEAS CORPUS PARA TUTELAR PESSOA JURÍDICA ACUSADA EM
AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE
RELATOU a SUPOSTA AÇÃO CRIMINOSA DOS AGENTES, EM VÍNCULO DIRETO COM A PESSOA
JURÍDICA CO-ACUSADA. CARACTERÍSTICA INTERESTADUAL DO RIO POLUÍDO QUE NÃO AFASTA
DE TODO A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E
BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA ORDEM DE TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. ORDEM DENEGADA. I - Responsabilidade penal da pessoa jurídica, para ser
aplicada, exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na
seara criminal, a exemplo da culpabilidade, estendendo-se a elas também as medidas assecuratórias, como o habeas
corpus. II - Writ que deve ser havido como instrumento hábil para
proteger pessoa jurídica contra ilegalidades ou abuso de poder quando figurar
como co-ré em ação penal que apura a prática de delitos ambientais, para os
quais é cominada pena privativa de liberdade. III - Em crimes societários, a
denúncia deve pormenorizar a ação dos denunciados no quanto possível. Não impede
a ampla defesa, entretanto, quando se evidencia o vínculo dos denunciados com a
ação da empresa denunciada. IV - Ministério Público Estadual que também é
competente para desencadear ação penal por crime ambiental, mesmo no caso de
curso d'água transfronteiriços. V - Em crimes ambientais, o cumprimento do
Termo de Ajustamento de Conduta, com conseqüente extinção de punibilidade, não
pode servir de salvo-conduto para que o agente volte a poluir. VI - O
trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que
somente pode ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não
constituir crime, estiver extinta a punibilidade, for manifesta a ilegitimidade
de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. VII - Ordem denegada.
Nada
obstante, se analisarmos o inteiro teor dos votos e, sobretudo, a Certidão de
Julgamento, chegaremos à conclusão de que o HC foi impetrado em favor de pessoa
física e de pessoa jurídica, sendo que esta última foi excluída da condição de
paciente, ante a impossibilidade de impetração de HC em seu benefício, senão
vejamos:
A Turma, preliminarmente, por maioria de votos,
deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente habeas corpus, quer considerada a qualificação como
impetrante, quer como paciente; vencido
o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator. No mérito, por
unanimidade, indeferiu a ordem. Falaram: o Dr.Reginaldo Pereira Miguel, pelo
paciente, e o Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas, Subprocurador-Geral da República,
pelo MinistérioPúblico Federal. 1ª Turma, 19.08.2008
Esse,
inclusive, é um defeito de muitos candidatos e operadores do Direito: Só ler a
Ementa do julgamento, não analisando os votos e o teor do julgamento. Por
lógico, a Ementa deve funcionar como um “resumo” do julgamento, mas,
infelizmente, não são poucas as vezes em que há um descompasso entre o que foi
decidido e o que foi relatado na Ementa.
(2) Do litisconsórcio passivo necessário
entre pessoa jurídica e pessoa física
Por
outro lado, sabe-se que a pessoa jurídica não pode praticar fisicamente nenhum
crime ambiental. Na verdade, o comportamento criminoso é praticado por seus
representantes legais (administradores, gerentes, diretores), no interesse da
pessoa jurídica, e, por isso, a ela é imputado.
Trata-se,
digamos, de uma questão de lógica: Se o comportamento é fisicamente realizado
pela pessoa física, e imputado à pessoa jurídica, deve-se punir não só a pessoa
jurídica, mas também a pessoa física, pois, sem a sua atuação, inexistiria
responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Assim,
entende o Superior Tribunal de Justiça pela existência de litisconsórcio
passivo necessário entre a pessoa jurídica e a(s) pessoa(s) física(s) que
atuaram em seu nome e na defesa de seus interesses. A essa teoria atribuiu-se o
nome de Teoria da Dupla Imputação.
Nesse sentido, citem-se os HC93867,Rel.Min.
Felix Fischer, p. 12/05/2008, e RHC 20558, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, p. 14/12/2009)
RESUMO DA ÓPERA: Os Tribunais Superiores não
admitem a impetração de HC em favor de paciente pessoa jurídica, por inexistir
qualquer tipo de perigo à liberdade de locomoção. No caso de responsabilidade
penal da pessoa jurídica, o STJ aplica a teoria da dupla imputação, segundo a
qual a pessoa jurídica só pode ser processada em conjunto com a(s) pessoa(s)
física(s) que agiram em seu nome e na defesa de seus interesses.
Muito boa explanação!
ResponderExcluir"A Turma, preliminarmente, por maioria de votos, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente habeas corpus, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente; vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator."
ResponderExcluirA vedação também não se estende à possibilidade de impetração também? Digo, nesse julgado ficou claro que nem como paciente, nem como impetrante pode figurar a pessoa jurídica, correto?
Não. A jurisprudência do STF admite, com tranqüilidade, a presença da pessoa jurídica como impetrante. Analisando o inteiro teor, percebe-se que a pessoa juridica era impetrante e paciente, em conjunto com pessoas físicas. Ao que parece, e ainda que não tenha ficado bem registrado, o STF excluiu a possibilidade de a pessoa jurídica ser paciente e ser impetrante em seu favor, mas não impediu que ela impetrasse HC a favor de terceiros, tanto é que o processo continuou.
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