quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A insignificância do contrabando e descaminho, à luz da jurisprudência do STF e do STJ

Atualmente, o STF e o STJ vêm aplicando o princípio da insignificância ao crime de descaminho, na hipótese de o valor do tributo reduzido ou suprimido não superar R$ 10.000,00, a saber:

(...) 1. O princípio da insignificância incide quando quando o tributo iludido pelo delito de descaminho for de valor inferior a R$ 10.000,00, presentes o princípio da lesividade, da fragmentariedade, da intervenção mínima e ante o disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, que dispensa a União de executar os créditos fiscais em valor inferior a esse patamar. Precedentes: HC 96412/SP, red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli; 1ª Turma, DJ de 18/3/2011; HC 97257/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 1/12/2010; HC 102935, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 19/11/2010; HC 96852/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 15/3/2011; HC 96307/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 10/12/2009; HC 100365/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 5/2/2010) 2. In casu, a paciente fora denunciada pela prática do crime de descaminho por iludir, no ingresso de mercadorias em território nacional, tributos no valor de R$ 3.045,98. 3. Ordem concedida para restabelecer a decisão do Juízo rejeitando a denúncia (STF, HC100942, Rel. Min. Luiz Fux, p. 08/09/11)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. LEI Nº 1.033/04. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. O Excelso Pretório, no julgamento do Habeas Corpus nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, firmou compreensão no sentido de considerar aplicável o princípio da insignificância nos casos em que o valor dos tributos sonegados seja inferior ou igual ao montante de  R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do art. 20, caput, da Lei nº 10.522/02, alterado pela Lei nº 11.033/04. Precedentes.
(...)(STJ, AgRg no Resp 1221630, Rel. Min. Og Fernandes, p. 22/02/12)

Quanto a tal aspecto, o STJ não faz distinção entre o contrabando e o descaminho, ambos previstos no art. 334, CP, senão vejamos:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. DEBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR A R$ 10.000,00. NÃO INCIDÊNCIA DO PIS E COFINS NO CÁLCULO DOS TRIBUTOS ELIDIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI N. 10.522/02. RECURSO DESPROVIDO.
1. Consoante julgados do STJ e do STF, aplicável, na prática de descaminho ou de contrabando, o princípio da insignificância quando o valor do tributo suprimido é inferior a R$ 10.000,00.
(...)
(STJ, Resp 1202274, Rel. Min. Laurita Vaz, p. 10/10/11)
Porém, o STF vem consolidando seu posicionamento quanto à INAPLICABILIDADE do princípio da insignificância ao crime de CONTRABANDO, pelo fato de que, diferentemente do descaminho, que é crime tributário, o bem jurídico tutelado não é o Erário, mas sim a saúde pública, razão pela qual não se poderia afirmar a inexpressividade da lesão jurídica ou a mínima ofensividade da conduta em virtude do pequeno valor do tributo, requisitos necessários à configuração da insignificância.

Nesse sentido, cite-se recente decisão:

PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009) 2. O princípio da insignificância não se aplica quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010. 3. In casu, encontra-se em curso na Justiça Federal quatro processos-crime em desfavor da paciente, sendo certo que a mesma é reincidente, posto condenada em outra ação penal por fatos análogos. 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada. (STF, HC100367, Rel. Min. Luiz Fux, p. 08/09/11)
Recentemente, no Informativo n. 654, STF, foi publicada uma outra decisão a esse respeito, a saber:

A 2ª Turma denegou habeas corpus em que se requeria a aplicação do princípio da insignificância em favor de pacientes surpreendidos ao portarem cigarros de origem estrangeira desacompanhados de regular documentação. De início, destacou-se a jurisprudência do STF no sentido da incidência do aludido postulado em casos de prática do crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (Lei 10.522/2002, art. 20). Em seguida, asseverou-se que a conduta configuraria contrabando, uma vez que o objeto material do delito em comento tratar-se-ia de mercadoria proibida. No entanto, reputou-se que não se cuidaria de, tão somente, sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. Por fim, consignou-se não se aplicar, à hipótese, o princípio da insignificância, pois neste tipo penal o desvalor da ação seria maior. O Min. Celso de Mello destacou a aversão da Constituição quanto ao tabaco, conforme disposto no seu art. 220, § 4º, a permitir que a lei impusse restrições à divulgação publicitária. HC 110964/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.2.2012. (HC-110964)
RESUMO DA ÓPERA: O STJ aplica o princípio da insignificância tanto para o descaminho quanto para o contrabando. Por sua vez, o STF só o aplica ao descaminho, mas não ao contrabando, em razão do bem jurídico resguardado.

 




segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

DICAS AGU - Falsa declaração de pobreza é crime de falsidade ideológica?

Recentemente, em um dos últimos Informativos do STJ (n. 490), o Tribunal ratificou o seu entendimento de que a declaração falsa de pobreza, para fins de gratuidade judiciária, não caracteriza crime de falsidade ideológica (art. 299, CP), a saber:

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. FALSIDADE.
A Turma reiterou o entendimento de que a apresentação de declaração de pobreza com informações falsas para obtenção da assistência judiciária gratuita não caracteriza os crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso. Isso porque tal declaração é passível de comprovação posterior, de ofício ou a requerimento, já que a presunção de sua veracidade é relativa. Além disso, constatada a falsidade das declarações constantes no documento, pode o juiz da causa fixar multa de até dez vezes o valor das custas judiciais como punição (Lei n. 1.060/1950, art. 4º, § 1º). Com esses fundamentos, o colegiado trancou a ação penal pela prática de falsidade ideológica e uso de documento falso movida contra acusado. HC 217.657-SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 2/2/2012.
Trilhando a mesma direção, observe-se semelhante posição do STF, verbis:

FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA FINS DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA. Declaração passível de averiguação ulterior não constitui documento para fins penais. HC deferido para trancar a ação penal. (STF, HC 85976, Rel. Min. Ellen Gracie, p. 24/02/06)

RESUMO DA ÓPERA: O STF e o STJ entendem que a falsa declaração de pobreza, para fins de gratuidade judiciária, não caracteriza crime de falsidade ideológica.

DICAS AGU - Fazenda Pública, Reexame Necessário e Recurso Especial


Uma questão extremamente relevante para a Fazenda Pública, na prática, e que poderá ser abordada nos concursos da AGU é o cabimento de Recurso Extraordinário/Especial em sede de Reexame Necessário, na hipótese de a Fazenda Pública não ter interposto Apelação.

É possível ou haveria preclusão?

O Superior Tribunal de Justiça chegou, em um precedente, a vedar o cabimento do Recurso Especial, sob o fundamento da preclusão. Todavia, posteriormente, superou o precedente citado, passando a admitir o cabimento do recurso da Fazenda, independentemente da interposição de Apelação.

Nesse sentido, cite-se:

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - REEXAME NECESSÁRIO - AUSÊNCIA DE APELAÇÃO DO ENTE PÚBLICO - PRECLUSÃO LÓGICA AFASTADA - CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 905.771/CE (rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/06/2010), afastou a tese da preclusão lógica e adotou o entendimento de que a Fazenda Pública, ainda que não tenha apresentado recurso de apelação contra a sentença que lhe foi desfavorável, pode interpor recurso especial.
2. Embargos de divergência conhecidos e providos. (STJ, Eresp 1135100, Rel. Min. Eliana Calmon, p. 01/08/2011)
RESUMO DA ÓPERA: É cabível Recurso Especial contra Acórdão proferido em Reexame Necessário, ainda que a Fazenda Pública não tenha interposto Apelação.

 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

DICAS AGU: Certidão de óbito falsa e extinção da punibilidade


Uma das hipóteses de extinção da punibilidade é a morte do agente (art. 107, I, CP), a qual deve ser comprovada pela certidão de óbito.

Dúvida surge quando se constata a falsidade da certidão de óbito que ensejou a extinção da punibilidade. Nesse caso, há coisa julgada? O réu poderá ser processado pelo crime em relação ao qual houve a extinção da punibilidade, ou somente poderá responder por eventual falsidade documental?

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se a respeito do tema, afirmando que a certidão de óbito falsa NÃO impede a reabertura do inquérito ou do processo, porque não faz coisa julgada material, não caracterizando, ademais, revisão criminal pro societate, a saber:

EMENTA "HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. DECISÃO QUE RECONHECE A NULIDADE ABSOLUTA DO DECRETO E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA. PRONÚNCIA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE PROVAS OU INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EM RELAÇÃO A CORRÉU. INVIABILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS NA VIA ESTREITA DO WRIT CONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada, dado que não gera coisa julgada em sentido estrito. 2. Não é o habeas corpus meio idôneo para o reexame aprofundado dos fatos e da prova, necessário, no caso, para a verificação da existência ou não de provas ou indícios suficientes à pronúncia do paciente por crimes de homicídios que lhe são imputados na denúncia. 3. Habeas corpus denegado. (STF, HC 104998, Rel. Min. Dias Toffoli, p. 09/05/2011)


RESUMO DA ÓPERA: A certidão de óbito falsa não extingue a punibilidade, sendo possível a reabertura do inquérito ou do processo, na visão do STF.












terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

DICAS AGU: Embargos Infringentes e a teoria da causa madura

     
      De acordo com o art. 530, CPC, só são cabíveis Embargos Infringentes quando, por maioria, (1) Acórdão reformar, em grau de apelação, sentença de mérito; ou (2) julgar procedente Ação Rescisória.

      No primeiro caso, percebe-se que o CPC prevê a necessidade de que haja reforma de sentença de mérito, não se admitindo, portanto, (a) anulação de sentença de mérito, (b) manutenção de sentença de mérito ou (c) reforma de sentença extintiva.

      Mas há uma exceção, já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, qual seja, no caso de aplicação do art. 515, §3º, CPC, que estabelece a denominada Teoria da Causa Madura.

     Com espeque na mencionada norma, caso o Tribunal, apreciando uma sentença extintiva, supere a questão processual que levou o Juízo monocrático a extinguir o processo sem resolução de mérito, poderá incursionar, presentes determinados requisitos, no mérito da lide.

     Nessa hipótese, entende o STJ que, acaso o julgamento de mérito, a partir da aplicação da teoria da causa madura, seja proferido por maioria, serão cabíveis Embargos Infringentes, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SENTENÇA QUE ACOLHEU A PRESCRIÇÃO. CAUSA QUE DETERMINA A EXTINÇÃO DO PROCESSO COM O JULGAMENTO DO MÉRITO. EMBARGOS INFRINGENTES OPOSTOS CONTRA APELAÇÃO QUE POR MAIORIA AFASTOU A PRESCRIÇÃO E JULGOU IMPROCEDENTE A DEMANDA.
1. Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento de que, nos termos do artigo 515, parágrafo 3º, do CPC, versando a controvérsia sobre matéria exclusivamente de direito, não há nenhum óbice a que o Tribunal ad quem, em sede recursal, proceda à análise imediata do mérito da demanda, após o afastamento da causa de extinção do processo sem julgamento de mérito, hipótese que não guarda relação com os autos.
2. A jurisprudência desta Corte reconheceu o cabimento dos Embargos Infringentes na hipótese em que o Tribunal, no julgamento da apelação, afasta a extinção do processo e aplica a regra do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgando o mérito da causa, havendo divergência de votos.
3. Agravo regimental não provido (STJ, AgRg no Ag 1384682, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, p. 05/10/2011)

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. ACÓRDÃO QUE, POR MAIORIA, REFORMA SENTENÇA TERMINATIVA E ADENTRA O JULGAMENTO DO MÉRITO. CABIMENTO.
I.- Conforme estabelecido pelo artigo 530 do CPC, com a redação atualizada pela Lei n. 10.352/01, são cabíveis Embargos Infringentescontra Acórdão não unânime que reforme, em grau de Apelação, sentença de mérito.
II.- A jurisprudência desta Corte reconhece o cabimento dos Embargos Infringentes na hipótese em que o Tribunal, no julgamento da apelação, afasta a extinção do processo e aplica a regra do art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, julgando o mérito da causa, havendo divergência de votos.Recurso Especial provido. (STJ, Resp 1111012, Rel. Min. Sidnei Beneti, p. 02/03/2011)
      E aqui um detalhe importante: A aplicação do art. 515, §3º, CPC, para superar a extinção da sentença sem resolução do mérito e permitir que o Tribunal adentre à análise do mérito, independe do resultado julgamento do mérito do recurso.

      É dizer: Pouco importa, na visão do STJ (Resp n. 832370, Rel. Min. Nancy Andrighi, p. 13/08/2007), se a decisão de mérito favorece ou prejudica a parte favorecida, por ocasião da sentença, pela extinção do processo sem resolução do mérito.

     Isto porque, a legislação vedou os Embargos Infringentes na hipótese de dupla sucumbência, ou seja, se a parte sucumbiu no julgamento do mérito do recurso e da sentença, o que não ocorre no caso de a sentença ser meramente extintiva, razão pela qual qualquer uma das partes poderia propor Embargos Infringentes contra o Acórdão que, aplicando o art. 515, §3º, CPC, reforma a sentença extintiva, por maioria de votos.

RESUMO DA ÓPERA: Regra geral, só são cabíveis Embargos Infringentes contra Acórdao que, por maioria, e em sede de Apelação, reformou sentença de mérito. Todavia, o STJ admite que, na hipótese de aplicação da teoria da causa madura, o cabimento do citado recurso.

DICAS AGU: O STF e a interpretação da Súmula Vinculante n. 03

Um tema que certamente será cobrado na prova de Advogado da União é a interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca da Súmula Vinculante n. 03, que assim dispõe:

“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Em recentes decisões, o STF firmou o seguinte entendimento:
1 - O ato inicial de registro de aposentadoria, pensão ou reforma, NÃO precisa assegurar a ampla defesa e o contraditório ao beneficiário, haja vista tratar-se de ato complexo, que se inicia com o ato praticado pelo órgão público e se aperfeiçoa com o ato de registro emanado do Tribunal de Contas.

2 - Se não se tratar de ato inicial, isto é, se for caso de modificação ou alteração do ato de aposentadoria, pensão ou reforma, necessidade de observância da ampla defesa e do contraditório.

3- Por fim, o mais importante: Se o ato de registro do Tribunal de Contas for proferido depois de cinco anos da submissão do ato de aposentadoria, reforma ou pensão à sua apreciação, DEVE-SE assegurar a ampla defesa e o contraditório, contando-se o prazo de cinco anos a partir da entrada dos autos processuais na Corte de Contas.

Ou seja: O STF relativizou, um pouco, o enunciado da Súmula Vinculante n. 03, pois, após cinco anos de submissão do ato ao Tribunal de Contas, devem ser observadas a ampla defesa e o contraditório, AINDA que se trate de ato de registro inicial.


Veja-se:

Mandado de Segurança. 2. Acórdão da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU). Competência do Supremo Tribunal Federal. 3. Controle externo de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Inaplicabilidade ao caso da decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99. 4. Negativa de registro de aposentadoria julgada ilegal pelo TCU. Decisão proferida após mais de 5 (cinco) anos da chegada do processo administrativo ao TCU e após mais de 10 (dez) anos da concessão da aposentadoria pelo órgão de origem. Princípio da segurança jurídica (confiança legítima). Garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Exigência. 5. Concessão parcial da segurança. I – Nos termos dos precedentes firmados pelo Plenário desta Corte, não se opera a decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99 no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União – que consubstancia o exercício da competência constitucional de controle externo (art. 71, III, CF). II – A recente jurisprudência consolidada do STF passou a se manifestar no sentido de exigir que o TCU assegure a ampla defesa e o contraditório nos casos em que o controle externo de legalidade exercido pela Corte de Contas, para registro de aposentadorias e pensões, ultrapassar o prazo de cinco anos, sob pena de ofensa ao princípio da confiança – face subjetiva do princípio da segurança jurídica. Precedentes. III – Nesses casos, conforme o entendimento fixado no presente julgado, o prazo de 5 (cinco) anos deve ser contado a partir da data de chegada ao TCU do processo administrativo de aposentadoria ou pensão encaminhado pelo órgão de origem para julgamento da legalidade do ato concessivo de aposentadoria ou pensão e posterior registro pela Corte de Contas. IV – Concessão parcial da segurança para anular o acórdão impugnado e determinar ao TCU que assegure ao impetrante o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo administrativo de julgamento da legalidade e registro de sua aposentadoria, assim como para determinar a não devolução das quantias já recebidas. V – Vencidas (i) a tese que concedia integralmente a segurança (por reconhecer a decadência) e (ii) a tese que concedia parcialmente a segurança apenas para dispensar a devolução das importâncias pretéritas recebidas, na forma do que dispõe a Súmula 106 do TCU. (STF, MS 24781, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 09/06/2011)

 
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA APENAS SE PASSADO MAIS DE CINCO ANOS. SEGURANÇA CONCEDIDA. I - Caso o Tribunal de Contas da União aprecie a legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão após mais de cinco anos, há a necessidade de assegurar aos interessados as garantias do contraditório e da ampla defesa. II - Segurança concedida para que seja reaberto o processo administrativo com a observância do due processo of law. (STF, MS 26053, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, p. 23/02/2011)

RESUMO DA ÓPERA: O ato inicial de registro da aposentadoria, reforma ou pensão no Tribunal de Contas não precisa observar a ampla defesa e o contraditório, salvo se transcorrido prazo superior a 05 anos entre a entrada dos autos na Corte de Contas e a sua decisão a respeito do ato.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

DICAS AGU - Questões sobre o Mercosul

Recentemente, questões relativas ao Mercosul vêm sendo constantemente cobradas nos concursos públicos do MPF, TRF e da AGU. Às vezes, na matéria de Direito Econômico; outras vezes, como Direito Internacional.

Abaixo, seguem 8 dicas que ajudarão o concurseiro a responder, senão todas as questões, 90%  das questões acerca do tema, senão vejamos:

1 - Embora receba o nome de Mercosul (Mercado Comum), o Mercosul é, atualmente, uma União Aduaneira (zona de livre comércio + tarifa externa comum);

2 - O Mercosul foi criado pelo Tratado de Assunção (1991), mas adquiriu personalidade juridica de direito internacional apenas com o Protocolo de Ouro Preto (1994);

3 - O Mercosul é um organismo intergovernamental, ou seja, as decisões têm que ser incorporadas pelos Estados-membros, tal como um tratado internacional, diferentemente do organismo supranacional (ex. União Europeia), que toma e impõe suas decisões aos signatários do Tratado, independentemente de incorporação;

4 - Todas as decisões do Mercosul são tomadas por unanimidade;

5 - O sistema de soluções de controvérsias do Mercosul estava previsto no Protocolo de Brasília, o qual foi revogado pelo Protocolo de Olivos, que criou o Tribunal Permanente de Revisão (caiu uma questão a respeito do tema na prova subjetiva do último concurso de Advogado da União (2008);

6 - O Protocolo de Las Lenas é o principal instrumento de cooperação jurídica internacional, buscando facilitar as relações comerciais, econômicas e trabalhistas entre os signatários;

7 - Os principais órgãos do Mercosul são o Conselho Comum do Mercosul (órgão superior), o Grupo do Mercado Comum (órgão executivo), o Parlasul (ainda não houve eleições diretas), o Fórum Econômico e Social, a Comissão de Comércio e a Secretaria Administrativa;

8 - O Protocolo de Ushuaia prevê o compromisso democrático entre os membros do Mercosul;

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

DICAS AGU: Transferência indevida entre contas-correntes praticada por hacker. Qual o crime?


            Qual é o crime praticado pelo hacker que transfere, indevidamente, a partir da clonagem de cartões, quantias depositadas em uma conta-corrente para uma outra conta-corrente, sua ou de terceiros?

            Objetivamente, assinale-se que a doutrina e a jurisprudência divergiram entre dois possíveis crimes, quais sejam, furto mediante fraude ou estelionato. Perceba-se que, em ambos os crimes, há a figura da fraude, consistente em artifício, ardil ou mecanismo adotado para induzir a vítima a erro.

            Não há dúvidas de que, na hipótese da transferência entre contas efetuada indevidamente por um hacker, há a prática de fraude, de maneira que a sua existência, ou não, não é suficiente para que se possa concluir em qual crime a conduta se encaixa. Como proceder então?

            A solução encontrada pelo Superior Tribunal de Justiça pautou-se na distinção quanto à finalidade exercida pela fraude na hipótese de atuação do hacker.

            Com efeito, no estelionato, a fraude é praticada para que a vítima, induzida a erro, pratique determinada conduta ou entregue bem ao agente, da qual advenha a vantagem ilícita a este último.

            Por exemplo, utilizando-se de uma assinatura falsa aposta no cheque, o estelionatário faz com que a vítima direta, a instituição financeira, seja induzida a erro (=acredite que o cheque foi efetivamente emitido pela vítima indireta, o particular, ao agente), e, consequentemente, entregue ao agente o valor correspondente (=vantagem indevida), suportando prejuízo econômico (=terá de ressarcir o cliente lesado).

            Por outro lado, no furto mediante fraude, esta não é praticada com o propósito de induzir a vítima a erro e fazer com que ela pratique o ato do qual lhe resulte prejuízo e vantagem indevida para o agente. A finalidade da fraude, no caso, é diminuir a vigilância da vítima, permitindo que o próprio agente possa praticar o ato que irá lhe resultar vantagem econômica indevida e prejuízo à vítima.

            Exemplificando, temos a hipótese do famoso “boa noite cinderela”, no qual o agente põe alguma substância na bebida e induz a vítima a bebê-la (=fraude), para, após a vítima encontrar-se desacordada (=redução da vigilância da vítima), subtrair os seus pertences (= vantagem indevida e prejuízo à vítima).

            Em suma: No furto mediante fraude, é o próprio agente quem praticará o ato do qual resulte vantagem indevida e prejuízo à vitima, após esta ter sido enganada; no estelionato, é a vítima quem praticará o ato do qual resulte vantagem indevida ao agente e prejuízo a si própria, por ter sido enganada.

            Em outras palavras, no furto mediante fraude, a conduta da vítima é irrelevante para a obtenção da vantagem; no estelionato, a conduta da vítima é relevante.

            Voltando ao caso, o Superior Tribunal de Justiça, partindo dessa diferenciação, chegou à conclusão de que o crime é de furto mediante fraude, e não de estelionato, pois é o próprio agente que procede à transferência dos bens, sendo a fraude perpetrada com o objetivo de afastar a vigilância da vítima (instituição financeira), qual seja, a exigência da senha.

            Nesse sentido, cite-se decisão paradigma:

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. MPF E JUIZ FEDERAL. IPL. MOVIMENTAÇÃO E SAQUES FRAUDULENTOS EM CONTA-CORRENTE DA CEF POR MEIO DA INTERNET. MANIFESTAÇÃO DO MPF PELA DEFINIÇÃO DA CONDUTA COMO FURTO MEDIANTE FRAUDE E DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA O LOCAL ONDE MANTIDA A CONTA-CORRENTE. INTERPRETAÇÃO DIVERSA DO JUÍZO FEDERAL, QUE ENTENDE TRATAR-SE DE ESTELIONATO. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. ARQUIVAMENTO INDIRETO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DO CPP. PRECEDENTES DA 3A. SEÇÃO DESTA CORTE. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO CONFLITO. CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO NÃO CONHECIDO.
1.   A 3a. Seção desta Corte definiu que configura o crime de furto qualificado pela fraude a subtração de valores de conta corrente, mediante transferência ou saque bancários sem o consentimento do correntista; assim, a competência deve ser definida pelo lugar da agência em que mantida a conta lesada.
2.   Inexiste conflito de atribuição quando o membro do Ministério Público opina pela declinação de competência e o Juízo não acata o pronunciamento; dest'arte, não oferecida a denúncia, em razão da incompetência do juízo, opera-se o denominado arquivamento indireto, competindo ao Juiz aplicar analogicamente o art. 28 do CPP, remetendo os autos à 2a. Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Precedentes do STJ.
3.   A hipótese igualmente não configura conflito de competência, ante a ausência de pronunciamento de uma das autoridades judiciárias sobre a sua competência para conhecer do mesmo fato criminoso.
4.   Conflito de atribuição não conhecido.(STJ, Cat 222, Rel. Min. Napoleão Maia, p. 16/05/2011)

            Esse entendimento é de suma importância para a investigação e o processo desse crime, porque define a competência para seu julgamento.

            O Código Processo Penal adotado, como regra, para fins de definição da competência territorial, o local da consumação do crime (art. 70).

            Se o crime for considerado furto mediante fraude, a competência é do local da agência bancária da conta-corrente subtraída, de onde sai o valor transferido, pois, neste momento, há a inversão da res furtiva, perdendo a vítima a posse sobre o bem, consumando-se o crime.

            Todavia, se o crime fosse considerado estelionato, a competência seria do local da conta para onde vai o valor transferido, posto que o estelionato é crime material, que se consuma apenas com a obtenção da vantagem indevida. Assim, a vantagem indevida é obtida no local da agência bancária onde está a conta que recebe o valor transferido. Somente nesse lugar é que a vantagem indevida é efetivamente obtida pelo agente, e não quando ela sai da conta subtraída.


RESUMO DA ÓPERA: No caso de transferência indevida entre contas efetuadas por hackers, trata-se de crime de furto mediante fraude, e a competência para julgamento é do Juízo do local da agência bancária subtraída, pois, nesse momento, há a inversão da posse sobre a coisa furtada, consumando-se o furto.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Dicas AGU: Ação Rescisória e voto de Juiz corrompido em decisão colegiada


            Uma das hipóteses de cabimento da Ação Rescisória é quando “se verificar que foi dada [a decisão rescindida] por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz”, de acordo com o art. 485, I, CPC.

            A doutrina discute, então, qual é a extensão dessa hipótese de cabimento da Ação Rescisória, no caso em que a decisão for de órgão colegiado e um dos Juízes tiver agido nas condições do art. 485, I, CPC. Só será cabível quando o Juiz tiver proferido voto vencedor, ou também será se ele tiver sido vencido? E, se tendo proferido voto vencedor, será cabível mesmo que, numericamente, o seu voto não tenha influenciado no resultado do julgamento, ou somente se seu voto tiver feito diferença matemática naquela decisão?

            Quanto à hipótese de o Juiz proferir voto vencedor, a doutrina majoritária defende o cabimento da Ação Rescisória, tanto no caso de decisão unânime, quanto na hipótese de decisão por maioria, e aqui, independentemente da influência numérica do voto do Juiz “suspeito”.

            São as três as situações, a saber: (1) No caso de decisão por maioria, na qual o voto do Juiz tenha influenciado matematicamente o resultado (p.ex, votação por 2x1, em Câmara de Tribunal de Justiça), não restam dúvidas do cabimento da Rescisória. (2) Por outro lado, no caso de decisão por maioria folgada (p.ex, votação de 4x1, em uma Turma de 5 julgadores), também será cabível a Ação Rescisória, uma vez que o voto vencedor do Juiz poderá ter influenciado, notadamente se for o Juiz Relator, os votos dos demais Juízes. E (3) na hipótese de decisão unânime, aplica-se o mesmo fundamento da situação (2), ou seja, caberá Rescisória porque o voto do Juiz poderá ter influenciado os votos de seus Pares.

            Nas hipóteses (2) e (3), basta imaginar a situação de o julgamento estar se conduzindo para o resultado “A”, mas o Juiz corrupto, p.ex, intervir e conseguir, com seu voto, modificar a convicção dos demais julgadores, fazendo com que todos, ou a maioria, votem no resultado “B”, em sentido contrário ao de “A”.

            A esse respeito, destaca Fredie Didier: “Há quem sustente que somente deverá ter êxito a ação rescisória, se a posição do julgador que praticou o crime seja capaz de modificar o resultado objetivo do julgamento da causa. Em outras palavras, se tal julgador tivesse expressado convencimento diverso, seria diferente o resultado o julgamento. (...) Não parece, com o devido respeito, que se deva adotar tal entendimento. É que seu fundamento resvala para um subjetivismo ou para um casuísmo que não se compadece com o tratamento a ser dado ao tema. Não há como se concluir que, tendo votado de outra forma um dos julgadores, o resultado manter-se-ia ou não da mesma forma. O que importa é que, tendo o voto contaminado sido um dos vencedores, não deve subsistir o julgado, devendo-se acolher a rescisória.”

            Situação mais delicada refere-se ao caso do Juiz ter proferido voto vencido. Caberá Ação Rescisória? 

            Segundo Daniel Assumpção, “só não será cabível a ação rescisória na hipótese de o juiz criminoso proferir voto minoritário, superado pelos votos dos outros membros do colegiado que não estejam envolvidos na prática do crime”. 

            Todavia, entendemos cabível, em tese, a Ação Rescisória, mesmo quando o Juiz tiver proferido voto vencido, se, e somente se, este voto vencido puder ocasionar algum efeito jurídico no processo.

            Por exemplo, se, em julgamento de 2x1, em uma Câmara de 3 membros, o voto vencido do Juiz puder ensejar o cabimento de Embargos Infringentes, atendidos os requisitos legais da espécie, e estes, interpostos, vierem a resultar na alteração da decisão proferida por maioria. Nesse hipótese, excepcional, admitir-se-á, a nosso juízo, Ação Rescisória mesmo quando o Juiz tiver proferido voto vencido. Contudo, inexistindo efeitos jurídicos decorrentes do voto vencido, não será admissível a Ação Rescisória.

            Nesse sentido, transcrevemos, mais uma vez, lição de Fredie Didier, segundo o qual “em princípio, o voto vencido não repercute no resultado, razão pela qual, se o voto for vencido, descabe a rescisória (...) caso, porém, sejam interpostos embargos infringentes, e estes venham a ser acolhidos para fazer prevalecer o voto vencido, deverá, então, ser acolhido o pedido rescindente, eis que, nesse caso, o voto dado em prevaricação, concussão ou corrupção influenciou o resultado


RESUMO DA ÓPERA: Cabe Ação Rescisória se o voto do Juiz for voto vencedor da decisão unânime ou por maioria, independentemente da influência numérica de seu voto no resultado do julgamento. Caso o voto seja vencido, só será cabível na hipótese de este voto ensejar a produção de efeitos jurídicos, tal como a interposição de Embargos Infringentes.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Dicas para AGU: Distinção entre controle interno x externo, à luz da controvérsia CGU x TCU


               Controle administrativo compreende o conjunto de mecanismos e instrumentos previstos no ordenamento jurídico com o objetivo de permitir a fiscalização e a apuração da higidez e da correção das condutas administrativas adotadas pelo Poder Público.

            Segundo a doutrina administrativista, este controle divide-se em interno e externo. O controle interno é aquele realizado por órgãos da própria pessoa jurídica que praticou o ato administrativo sindicado. Por outro lado, o controle externo é aquele exercido por pessoa jurídica distinta daquela que o tenha praticado.

            Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou um caso extremamente relevante para a Administração Pública Federal, sendo bastante provável a análise desse julgado pela Cespe nos próximos concursos da AGU, notadamente o de Advogado da União.

            No RMS 25943, que se debruçava sobre eventual inconstitucionalidade na criação da Controladoria Geral da União (CGU), por suposta usurpação das atribuições do Tribunal de Contas da União, entendeu o STF inexistir qualquer tipo de ofensa ou usurpação a estas atribuições, com fundamento justamente na distinção entre controle interno e controle externo.

            Com efeito, destacou-se que, enquanto o TCU exerce o controle externo, pois é órgão que auxilia a função fiscalizatória do Poder Legislativo, sobre as condutas administrativas do Poder Executivo Federal, a CGU, órgão do próprio Poder Executivo, realiza o controle interno dessas condutas, inexistindo, por conseguinte, qualquer violação, usurpação ou sobreposição entre as atribuições destes órgãos, senão vejamos:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS AOS MUNICÍPIOS. FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I - A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas. II – A fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo. III – Recurso a que se nega provimento. (STF, RMS 25943, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, p. 02/03/2011)

               O resumo do julgamento foi retratado no Informativo n. 610, STF, a saber:

“Asseverou-se, de início, que o art. 70 da CF estabelece que a fiscalização dos recursos públicos federais se opera em duas esferas: a do controle externo, pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União - TCU, e a do controle interno, pelo sistema de controle interno de cada Poder. Explicou-se que, com o objetivo de disciplinar o sistema de controle interno do Poder Executivo federal, e dar cumprimento ao art. 70 da CF, fora promulgada a Lei 10.180/2001. Essa legislação teria alterado a denominação de Corregedoria-Geral da União para Controladoria-Geral da União, órgão este que auxiliaria o Presidente da República na sua missão constitucional de controle interno do patrimônio da União. Ressaltou-se que a CGU poderia fiscalizar a aplicação de dinheiro da União onde quer que ele fosse aplicado, possuindo tal fiscalização caráter interno, porque exercida exclusivamente sobre verbas oriundas do orçamento do Executivo destinadas a repasse de entes federados. Afastou-se, por conseguinte, a alegada invasão da esfera de atribuições do TCU, órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo, o qual se faria sem prejuízo do interno de cada Poder. Enfatizou-se que essa fiscalização teria o escopo de verificar a correta aplicação dos recursos federais, depois de seu repasse a outros entes da federação, sob pena, inclusive, de eventual responsabilidade solidária, no caso de omissão, tendo em conta o disposto no art. 74, § 1º e no art. 18, § 3º, da Lei 10.683/2003, razão pela qual deveria a CGU ter acesso aos documentos do Município. Acrescentou-se que a fiscalização da CGU seria feita de forma aleatória, em face da impossibilidade fática de controle das verbas repassadas a todos os Municípios, mediante sorteios públicos, realizados pela Caixa Econômica Federal - CEF, procedimento em consonância com o princípio da impessoalidade, inscrito no art. 37, caput, da CF. Ressalvou-se, por fim, que a fiscalização apenas recairá sobre as verbas federais repassadas nos termos do convênio, excluídas as verbas estaduais ou municipais

               Nesse julgamento, também é digno de nota registrar que o STF reconheceu a validade do critério de sorteio adotado pela CGU para fins de definição dos Municípios que serão fiscalizados pelo órgão.

            Acentuou-se ser absolutamente impossível proceder-se à fiscalização de todos os milhares de Municípios brasileiros, de modo que o critério de sorteio demonstrava-se razoável, bem como compatível com o princípio da isonomia, haja vista a inexistência de critérios subjetivos ou discricionários na escolha desses Municípios.

            Contudo, a fiscalização da CGU deve restringir-se apenas à fiscalização das verbas federais repassadas aos Estados e Municípios, não podendo adentrar à fiscalização do uso e da aplicação de verbas estaduais e municipais, sob pena de ofensa ao princípio federativo.



RESUMO DA ÓPERA: O STF julgou constitucional a criação da CGU, afastando-se a alegação de usurpação da competência do TCU, sob o argumento de que, enquanto o TCU exerce controle externo, a CGU exerce o controle interno, sendo compatíveis os dois sistemas de fiscalização.





quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

DICAS AGU: A pessoa jurídica como ré nos crimes ambientais: Uso do HC e teoria da dupla imputação


               Atualmente, admite-se, em uma única hipótese, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, i.e, que a pessoa jurídica seja ré em processo penal, e isso ocorre no caso dos crimes ambientais (art. 225, §3º, CF, c/c art. 4º, da Lei n. 9.605/98).

               Nesse panorama, duas relevantes questões processuais foram analisadas pelos Tribunais Superiores, quais sejam, (1) a possibilidade do uso do Habeas Corpus em defesa da pessoa jurídica ré ou investigada, e (2) a existência de litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica e a pessoa física responsável pela prática dos atos imputados à pessoa jurídica.

               Vejamos tais situações:

                     (1) Pessoa jurídica como paciente de ordem de Habeas Corpus.

               De início, é preciso não confundir impetrante com paciente no Habeas Corpus. Impetrante é que propõe, apresenta, o Habeas Corpus ao Poder Judiciário. Paciente é em defesa de quem se impetra o Habeas Corpus. O impetrante pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, inclusive o próprio réu ou investigado (no caso, será tanto impetrante, quanto paciente). Paciente é o réu ou investigado, quem irá se beneficiar de eventual concessão da medida requerida. Assim, não há dúvidas quanto à legitimidade da pessoa jurídica impetrar HC em favor de paciente pessoa física.

               A controvérsia reside em saber se a pessoa jurídica pode ser paciente em HC impetrado por pessoa física ou jurídica, ou até mesmo, por ela próprio impetrado. O tema ganhou importância a partir do momento em que se admite, quanto aos crimes ambientais, a possibilidade de a pessoa jurídica ser ré em Ação Penal.

               A posição dos Tribunais Superiores é uníssona em recusar a legitimidade da impetração de HC em favor de paciente pessoa jurídica, sob o fundamento de que o remédio heróico é medida de proteção à liberdade de ir, vir e ficar, liberdade esta inerente à pessoa física, que poderá ser submetida a pena privativa de liberdade, mas não à pessoa jurídica, que sofrerá outros tipos de sanções (art. 21, Lei n. 9.605/98).

               Confira-se:

EMENTA: HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. PESSOA FÍSICA. REPRESENTANTE LEGAL DE PESSOA JURÍDICA QUE SE ACHA PROCESSADA CRIMINALMENTE POR DELITO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A SER REPARADO. CABIMENTO DO HC. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O habeas corpus é via de verdadeiro atalho que só pode ter por alvo -- lógico -- a "liberdade de locomoção" do indivíduo, pessoa física. E o fato é que esse tipo de liberdade espacial ou geográfica é o bem jurídico mais fortemente protegido por uma ação constitucional. Não podia ser diferente, no corpo de uma Constituição que faz a mais avançada democracia coincidir com o mais depurado humanismo. Afinal, habeas corpus é, literalmente, ter a posse desse bem personalíssimo que é o próprio corpo. Significa requerer ao Poder Judiciário um salvo-conduto que outra coisa não é senão uma expressa ordem para que o requerente preserve, ou, então, recupere a sua autonomia de vontade para fazer do seu corpo um instrumento de geográficas idas e vindas. Ou de espontânea imobilidade, que já corresponde ao direito de nem ir nem vir, mas simplesmente ficar. Autonomia de vontade, enfim, protegida contra "ilegalidade ou abuso de poder" -- parta de quem partir --, e que somente é de cessar por motivo de "flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei" (inciso LXI do art. 5º da Constituição). 2. Na concreta situação dos autos, a pessoa jurídica da qual o paciente é representante legal se acha processada por delitos ambientais. Pessoa Jurídica que somente poderá ser punida com multa e pena restritiva de direitos. Noutro falar: a liberdade de locomoção do agravante não está, nem mesmo indiretamente, ameaçada ou restringida. 3. Agravo regimental desprovido. (STF, HC 88747, Rel. Min. Ayres Britto, p. 29/10/2009)

CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. WRIT IMPETRADO EM FAVOR DE PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE FIGURAR COMO PACIENTE.  RECURSO DESPROVIDO.
I. Hipótese na qual o recorrente sustenta a ausência de justa causa para a instauração do inquérito policial, pugnando pelo seu trancamento.
II. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que o habeas corpus não se presta para amparar reclamos de pessoa jurídica, na qualidade de paciente, eis que restrito à liberdade ambulatorial, o que não pode ser atribuído à empresa.
III. Admite-se a empresa como paciente tão somente nos casos de crimes ambientais, desde que pessoas físicas também figurem conjuntamente no pólo passivo da impetração, o que não se infere na presente hipótese (Precedentes).
IV. Recurso ordinário desprovido, nos termos do voto do Relator (STJ, RHC 28811, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 13/12/2010)

               Deve-se, contudo, fazer um destaque para o julgamento do HC 92921, Rel. Min. Ricardo Lewandosvki, p. 26/09/2008, pois a Ementa do julgado dá a entender que se admitiu a impetração de HC em favor de pessoa jurídica, a saber:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. HABEAS CORPUS PARA TUTELAR PESSOA JURÍDICA ACUSADA EM AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE RELATOU a SUPOSTA AÇÃO CRIMINOSA DOS AGENTES, EM VÍNCULO DIRETO COM A PESSOA JURÍDICA CO-ACUSADA. CARACTERÍSTICA INTERESTADUAL DO RIO POLUÍDO QUE NÃO AFASTA DE TODO A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA ORDEM DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. I - Responsabilidade penal da pessoa jurídica, para ser aplicada, exige alargamento de alguns conceitos tradicionalmente empregados na seara criminal, a exemplo da culpabilidade, estendendo-se a elas também as medidas assecuratórias, como o habeas corpus. II - Writ que deve ser havido como instrumento hábil para proteger pessoa jurídica contra ilegalidades ou abuso de poder quando figurar como co-ré em ação penal que apura a prática de delitos ambientais, para os quais é cominada pena privativa de liberdade. III - Em crimes societários, a denúncia deve pormenorizar a ação dos denunciados no quanto possível. Não impede a ampla defesa, entretanto, quando se evidencia o vínculo dos denunciados com a ação da empresa denunciada. IV - Ministério Público Estadual que também é competente para desencadear ação penal por crime ambiental, mesmo no caso de curso d'água transfronteiriços. V - Em crimes ambientais, o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta, com conseqüente extinção de punibilidade, não pode servir de salvo-conduto para que o agente volte a poluir. VI - O trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que somente pode ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, estiver extinta a punibilidade, for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. VII - Ordem denegada.

               Nada obstante, se analisarmos o inteiro teor dos votos e, sobretudo, a Certidão de Julgamento, chegaremos à conclusão de que o HC foi impetrado em favor de pessoa física e de pessoa jurídica, sendo que esta última foi excluída da condição de paciente, ante a impossibilidade de impetração de HC em seu benefício, senão vejamos:

A Turma, preliminarmente, por maioria de votos, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente habeas corpus, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente; vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator. No mérito, por unanimidade, indeferiu a ordem. Falaram: o Dr.Reginaldo Pereira Miguel, pelo paciente, e o Dr.Paulo de Tarso Braz Lucas, Subprocurador-Geral da República, pelo MinistérioPúblico Federal. 1ª Turma, 19.08.2008

               Esse, inclusive, é um defeito de muitos candidatos e operadores do Direito: Só ler a Ementa do julgamento, não analisando os votos e o teor do julgamento. Por lógico, a Ementa deve funcionar como um “resumo” do julgamento, mas, infelizmente, não são poucas as vezes em que há um descompasso entre o que foi decidido e o que foi relatado na Ementa.
 
 
         (2) Do litisconsórcio passivo necessário entre pessoa jurídica e pessoa física


               Por outro lado, sabe-se que a pessoa jurídica não pode praticar fisicamente nenhum crime ambiental. Na verdade, o comportamento criminoso é praticado por seus representantes legais (administradores, gerentes, diretores), no interesse da pessoa jurídica, e, por isso, a ela é imputado.

               Trata-se, digamos, de uma questão de lógica: Se o comportamento é fisicamente realizado pela pessoa física, e imputado à pessoa jurídica, deve-se punir não só a pessoa jurídica, mas também a pessoa física, pois, sem a sua atuação, inexistiria responsabilidade penal da pessoa jurídica.

               Assim, entende o Superior Tribunal de Justiça pela existência de litisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica e a(s) pessoa(s) física(s) que atuaram em seu nome e na defesa de seus interesses. A essa teoria atribuiu-se o nome de Teoria da Dupla Imputação.

                Nesse sentido, citem-se os HC93867,Rel.Min. Felix Fischer, p. 12/05/2008, e RHC 20558, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, p. 14/12/2009)


RESUMO DA ÓPERA: Os Tribunais Superiores não admitem a impetração de HC em favor de paciente pessoa jurídica, por inexistir qualquer tipo de perigo à liberdade de locomoção. No caso de responsabilidade penal da pessoa jurídica, o STJ aplica a teoria da dupla imputação, segundo a qual a pessoa jurídica só pode ser processada em conjunto com a(s) pessoa(s) física(s) que agiram em seu nome e na defesa de seus interesses.