quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

STF e a execução provisória da pena.

Prezados,

Abro parênteses na análise da aplicação prática do NCPC sobre o processo penal, para fazer algumas considerações a respeito da decisão proferida pelo STF na tarde de ontem. 

Meu objetivo não é convencer ninguém. Afinal, acredito que esta seja mais uma daquelas discussões em que cada um já tem a sua opinião e nada do que o outro falar modificará esse seu convencimento.

Também não pretendo trazer inúmeros argumentos jurídicos. Muito já se escreveu - nos dois sentidos - sobre o tema. Se alguém tiver curiosidade, o voto de Zavascki está AQUI.

Queria apenas deixar registrada, em tópicos, a minha opinião e refutar alguns argumentos extrajurídicos apontados pelos advogados criminalistas. 

Primeiro: O Brasil não se tornará uma ditadura, um Estado totalitário, que não respeita as garantias individuais. O entendimento do STF é adotado nas maiores democracias do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Itália etc... Certamente, ninguém ousa afirmar que estes países não sejam democráticos ou não assegurem as garantias individuais aos seus cidadãos.

Segundo: Conforme informações obtidas,  a Corte Interamericana de Direitos Humanos, intérprete primeira da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) também chancela a execução da pena após o esgotamento das instâncias ordinárias. Convenhamos que a CIDH também não deve ter muito interesse em vilipendiar direitos humanos.

Terceiro: A presunção de inocência (não-culpabilidade) é um princípio jurídico, não uma regra. Portanto, a forma de sua aplicação/interpretação é diversa do "tudo ou nada", aplicando-se na maior medida possível, considerando o caso concreto e os demais princípios relevantes acerca do tema, em um juízo de ponderação.

Quarto: Conforme doutrina, a presunção de inocência (não-culpabilidade) é a garantia de que ninguém será considerado culpado antes de decisão definitiva a respeito dessa culpa. Em outras palavras, sou inocente até que tenha sido definitivamente comprovada a minha culpa. Daí decorrem duas regras: (i) tratamento - sou inocente até a formação da culpa; e (ii) probatória - não cabe a mim provar que sou inocente, mas sim ao Estado provar que sou culpado.

Quinto: A nós é assegurada a garantia da presunção de inocência (não-culpabilidade). Mas em relação ao que somos considerados inocentes? Somos considerados inocentes em relação ao fato que nos é imputado na Denúncia/Queixa. Portanto, até que seja provada a ocorrência do fato criminoso a mim imputado e que eu o pratiquei, eu sou inocente. 

Sexto: Quando e onde se forma a culpa? A discussão a respeito dos fatos e das provas ocorre até a 2ª instância. STJ e STF não têm atribuição constitucional para discutir fatos e provas. Discutem apenas questões jurídicas. Assim sendo, p.ex, uma vez definido, na 2ª instância, que o réu adentrou ao estabelecimento comercial, utilizando-se de arma de fogo, rendeu o atendente e subtraiu o dinheiro contido no caixa, nem o STJ nem o STF poderão dizer, p.ex, que o assalto não ocorreu ou que não foi o sujeito que cometeu aquele assalto. Este ponto tornou-se imutável. 

Sétimo: O STF, já no julgamento da Ação Penal 470 (Caso Mensalão) reconheceu a teoria da coisa julgada progressiva, segundo a qual a coisa julgada vai se formando pouco a pouco no decorrer do processo, conforme vão se tornando imutáveis os diversos capítulos de sentença.

Oitavo: É possível decompor ideologicamente a sentença condenatória em vários capítulos autônomos, sendo, por isso, possível concluir que o capítulo referente à formação da culpa (existência do fato e comprovação de sua autoria) torna-se imutável após a decisão de 2ª instância, sem prejuízo que outros capítulos ainda possam ser discutidos no STJ ou no STF.

Nono: É válido lembrar que a reversibilidade da decisão existe, sem dúvidas. Mas não há decisão condenatória absolutamente imutável, posto que o réu poderá valer-se, a qualquer tempo, da Revisão Criminal, no bojo da qual poderá, muito mais do que pode no RE/Resp, discutir fatos e apresentar provas novas. 

Décimo :Por fim, acreditamos que, assim como já ocorre (infelizmente) na Justiça Eleitoral, os advogados certamente valer-se-ão de diversos mecanismos hábeis à concessão de efeito suspensivo ao RE/REsp, tais como HC, MS, medida cautelar ou pedido de efeito suspensivo na peça de interposição.  A diferença, agora, é que o efeito suspensivo deverá demonstrar a verossimilhança do argumento jurídico, não sendo mais automático, o que instigava o réu e a sua defesa a recorrer de tudo e contra tudo, quantas vezes forem necessárias para evitar o trânsito em julgado, destacando-se, inclusive, que não há preparo no processo penal 


4 comentários:

  1. Professor, brilhante texto.

    Digo que já assisti a uns 10 vídeos deste tema no periscope e já li 4 artigos anteriormente, incluindo Dizer o Direito, mas deixo claro que o discurso mais TÉCNICO e coerente foi este; mormente quanto a "pitada" de Direito Internacional.

    Obrigado pela análise.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Professor,

    Não encontrei o precedente da Corte Interamericana que espelha esse entendimento. O senhor poderia dizer qual é?

    De qualquer forma, independentemente desse precedente, temos um problema que é o texto expresso da nossa Constituição exigindo o trânsito em julgado da decisão. E sabemos que, atualmente, nenhum tratado internacional que trata de prisões se sobrepõe à nossa Constituição (RE 466.343/SP). Aliás, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos diz que ninguém será preso, "salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes" (art. 7º, item 2). Ou seja, a Convenção confere às Constituições dos Estados partes a liberdade de criarem critérios para a privação da liberdade, e a nossa criou: o trânsito em julgado de decisão condenatória.

    Portanto, seja como forem as decisões da Corte Interamericana e o texto de qualquer tratado que atualmente trate da matéria, discutir a exigência de trânsito em julgado feita pelo inciso LVII do art. 5º da Constituição é, a meu ver, a mais importante providência que temos que tomar para aferir a validade da decisão do STF. Temos que superar isso, pois não há nenhuma norma vigente no país que se sobreponha, nesse quesito, à nossa Constituição.

    Assim sendo, sem uma tese que contorne essa exigência de trânsito em julgado, a decisão é inválida por violar manifestamente o texto constitucional, adotando uma interpretação que transborda os limites interpretativos do texto.

    Com a devida vênia, a teoria da formação da culpa nas instâncias ordinárias e a da coisa julgada progressiva não podem ser aplicadas ao caso. Isso porque, fato, por si só, não pode levar ninguém à prisão. O que leva à prisão, legitimamente, é o fato somado à adequada aplicação do Direito. Fato, por si só, não justifica prisão. Prisão é justificada por fato + Direito.

    Assim sendo, o fato de a discussão fática terminar nas instâncias ordinárias não justifica, por si só, que a prisão está autorizada. Isso porque, embora os fatos já estejam definidos a essa altura, ainda falta a definição jurídica do caso, que pode ser feita nas instâncias excepcionais.

    Enfim, o que quero dizer, e também sem a pretensão de convencer ninguém, é que não encontro argumentos aptos a afastarem a exigência de trânsito em julgado. E acho isso importante para aceitar como válida a decisão do Supremo. A Constituição é o que temos de melhor e é o que nos dá segurança jurídica.

    Confesso que me simpatizo com o efeito prático dessa decisão, mas acho arriscado desconsiderar assim um texto tão claro. Não podemos interpretar a Constituição desprezando o seu texto. É ele que impõe os limites ao intérprete e, principalmente, ao STF. Se aceitarmos essa decisão, teríamos que aceitar, no futuro, uma decisão que autorizasse penas de trabalhos forçados, prisões perpétuas ou penais cruéis em situações excepcionais. Sei que são situações que se diferem axiologicamente da situação decidida pelo Supremo, mas ontologicamente são a mesma coisa: decisões que desrespeitam o limite que o texto constitucional impôs ao Judiciário.

    Não sou ultragarantista, de forma alguma. Pelo contrário, critico muito a ineficiência da nossa justiça penal, mas não acho, a princípio, que impunidade seja justificativa para desconsiderarmos um texto tão claro da Constituição. Com a devida vênia, o Supremo se arvorou como um Constituinte, e originário, visto que estamos falando de uma cláusula pétrea.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom Bruno e Guilherme.
    O Blog não tem perfil de discussão, eu acho...
    ...então, talvez, seu comentário não será respondido.
    Certa fez o professor Lenio me disse que seria complicado defender a máxima da proteção deficiente em direito penal/processo penal. Seria isso mesmo?

    ResponderExcluir