sábado, 20 de setembro de 2014

Caso prático de Direito Penal (Caso 3)

O Ministério Público ofereceu Denúncia em face de TÍCIO, imputando-lhe o fato de ter declarado falsamente ser pobre, a fim de obter gratuidade judiciária em processo judicial. Apurou-se, em sede de Inquérito Policial, que TÍCIO é servidor público federal, com renda mensal de R$ 15.000,00, razão pela qual jamais poderia se declarar – ou ser declarado – pobre na forma da lei. Assim, restou evidente a sua intenção deliberada de faltar com a verdade, com o objetivo de evitar o pagamento das custas judiciais do aludido processo. 
Você, na condição de Juiz, receberia a Denúncia?


9 comentários:

  1. Não receberia a denúncia, haja vista ser o comportamento um fato penalmente atípico. No caso em tela, a denúncia deve ser rejeitada com fulcro no art. 395, III, do CPP, haja vista inexistir justa causa para o exercício da ação penal. Ressalte-se, todavia, que, embora seja um indiferente penal, Tício deverá ser punido a pagar até o décuplo das custas judiciais, consoante determina o art. 4° da Lei n. 1060/50. Guilherme Oliveira.

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  2. Existem situações em que as custas processuais são tão elevadas que mesmo um servidor público federal que perceba essa remuneração não seria capaz de com elas arcar sem comprometer o seu equilíbrio financeiro.
    Condicionar de maneira objetiva o pagamento das custas processuais a quem ganha acima de determinado valor a título de remuneração, salário, lucro etc, seria uma forma de mitigação ao princípio do acesso à justiça.
    Se Tício informa na exordial que não tem condições de arcar com as custas processuais, cabe à parte contrária impugnar tal afirmação através dos meios processuais cabíveis (impugnação à assistência judiciária gratuita).
    Percebe-se, pois, que a querela será solucionada no âmbito do processo civil. Ao final, caso seja apurado que Tício atuou de má-fé, ser-lhe-á imputada uma penalidade processual consistente em multa.
    O fato é atípico e não autoria a persecução penal. Destarte, o magistrado não poderá receber a denúncia.

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  3. Não. A situação narrada retrata uma falsidade ideológica cometida por Tício, já que este declarou, em documento verdadeiro, informação falsa. No entanto, nem todo falso é crime. Para tanto, será necessário que a ação possua potencialidade para afetar o bem jurídico protegido (lesividade). Por isso, segundo a doutrina, sempre que a correção da informação prestada deva ser obrigatoriamente verificada pelo seu destinatário, não há que se falar em crime de falso, justamente pela falta de potencialidade lesiva da conduta. Quanto ao caso em tela, existe decisão do STF entendendo que, diante da possibilidade de averiguação da veracidade das informações pelo Juiz, a qualquer tempo, a conduta de quem age da maneira espelhada seria atípica, por ausência de potencialidade lesiva. Registre-se, todavia, que o STF não andou bem nesta matéria, uma vez que, em relação às declarações de pobreza, não há uma obrigatoriedade de verificação pelo Juiz, mas apenas uma faculdade, a qual, ordinariamente, jamais é exercida, salvo no caso de impugnação da parte contrária.

    Anderson

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  4. Vejam o seguinte julgado do STJ:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
    DESCABIMENTO. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA.
    CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
    CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
    - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, passou a inadmitir habeas corpus substitutivo de recurso próprio, ressalvando, porém, a possibilidade de concessão da ordem de ofício nos casos de flagrante constrangimento ilegal.
    - O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a mera declaração de estado de pobreza para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita não é considerada conduta típica, diante da presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário.
    Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal.
    (HC 261074/MS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 18/08/2014)

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  5. A solução do caso passa pelo - equivocado, a meu ver - entendimento do STJ, no sentido de que não há falsidade ideológica se alguém declara ser pobre na forma da lei, sem que efetivamente o seja. A esse respeito, o colega acima postou uma decisão recente do STJ.
    Assim, inexistiria justa causa para a propositura da Denúncia.

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  6. Bruno Barros, por favor, me ajude com uma dúvida neste caso.
    Qual seria o outro entendimento possível? Ou seja, no que consiste o equívoco da interpretação do STJ?
    Obrigado,
    Guilherme Peres.

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    1. Guilherme, consiste em desconsiderar que o sujeito prestou uma informação inverídica com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, o que caracteriza falsidade ideológica. Penso que o fato de dizer que a declaração tem presunção relativa, pois pode haver prova em sentido contrário não descaracteriza o crime, pois todo documento tem presunção relativa. Até uma escritura pública tem presunção iuris tantum. Se eu falsificar uma escritura pública, não cometerei crime, pelo fato de ser possível comprovar que as informações não eram corretas?

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    2. Compreendi. Obrigado, Bruno.
      Guilherme Peres.

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  7. Bruno,
    Concordo com seu posicionamento. É lógico que para fins de prova ou de concursos devemos adotar a posição do STJ, salvo no caso de questões discursivas ou orais nas quais o avaliador abra a questão para que possamos adotar posições divergentes desde que fundamentadas (mas ainda assim fica a dica de não ir contra o posicionamento das Cortes Superiores). Porém creio, inclusive, que se o fato em tela fosse considerado atípico só pela mera previsão de que os dados ali afirmados estão sujeitos a verificação pelo juiz da causa a posteiori e que portanto descaracterizaria a tipicidade estaríamos por premiar o agente pela sua própria torpeza. E isso é uma situação que é combatida pelo nosso ordenamento jurídico enquanto um sistema coeso.

    Clovis Monteiro

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