quinta-feira, 26 de julho de 2012

Extração ilegal de recursos minerais. Qual o crime?

Caros colegas,


Uma situação relativamente comum no cotidiano no Procurador da República e do Juiz Federal é a prática da extração ilegal de recursos minerais, os quais, conforme a Constituição Federal, são bens da União.

Em tais casos, entendo que existem dois crimes distintos, quais sejam, o crime ambiental previsto no art. 55, da Lei n. 9.605/98 e o crime de usurpação previsto no art. 2º, da Lei n. 8.176/91, em concurso formal, a saber:
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
Percebam que se trata de crimes diversos e com bens jurídicos distintos. De um lado, o meio ambiente. Do outro, o patrimônio público. Dessa forma, são exigidas duas licenças, a ambiental e a mineral. E, portanto, dois crimes em concurso formal.

Se assim não fosse, teríamos que admitir que o sujeito que extrai minério sem licença mineral mas com licença ambiental estaria sujeito a uma pena bem mais severa do que aquele que pratica a mesma extração sem nenhuma das duas licenças.

Essa é a orientação que vem prevalecendo na jurisprudência nacional, senão vejamos:

CRIMINAL. HC. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE COM FINALIDADE MERCANTIL. USURPAÇÃO X EXTRAÇÃO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. I - O art. 2º da Lei 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida. II – Noticiada a existência de crime em tese, bem como indícios de autoria há necessidade de apuração a respeito do ocorrido, o que só será possível no transcurso da respectiva ação penal, sendo despicienda a alegação de isenção de apresentação de licença ambiental para exploração de areia. III - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. IV – Ordem denegada. (STJ, HC30852, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 24/05/2004)

PENAL. EXTRAÇÃO DE DIAMANTES. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÕES LEGAIS. CRIME AMBIENTAL E CRIME DE USURPAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO. LEIS N.º 9.605/1998 E 8.176/1991. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. SÚMULA 431 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. 1. A extração de diamantes sem autorizações legais configura, a um só tempo, o crime ambiental previsto no artigo 55 da Lei n.º 9.605/1998 e o delito tipificado no artigo 2º da Lei n.º 8.176/1991, em concurso formal impróprio. Inocorrência de derrogação. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e da Turma. 2. Imputada aos réus a prática de dois delitos e ultrapassado o limite previsto no artigo 61 da Lei n.º 9.099/1995, não há falar em adoção do rito nela previsto, tampouco em celebração de transação penal. 3. O mero fato de o agente haver respondido a feitos criminais anteriores e a circunstância de haver sido beneficiado anteriormente com transação penal não configuram maus antecedentes, nos termos da Súmula 431 do Superior Tribunal de Justiça e do artigo 76, § 6º, da Lei n.º 9.099/1995. 4. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo dos crimes atribuídos aos réus, deve ser mantida a solução condenatória exarada em primeiro grau de jurisdição. 5. Recursos providos em parte, para redução das penas. (TRF3, AP 34398, Rel. Nelton dos Santos, p. 08/03/2012)

Penal. Extração de minério sem autorização legal. Conduta que se amolda a dois tipos penais: artigo 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º da Lei 8.176/91. Objetividade jurídica diversa. Conflito aparente de leis. Inexistência. Hipótese de concurso formal. Princípio da especialidade. Não-aplicação. Prescrição. Delito remanescente. Suspensão do processo. Artigo 89 da Lei 9.099/95. Remessa dos autos ao juízo de origem para manifestação do MP. Precedentes. 1. Consoante reiterados precedentes desta Corte, bem como do Superior Tribunal de Justiça, a conduta de explorar recursos minerais sem a respectiva autorização ou licença dos órgãos competentes pode configurar crime contra a natureza, pela degradação ao meio ambiente (art. 55 da Lei nº 9.605/98) e também crime contra o patrimônio da União, em face da usurpação do bem público. 2. Nessa hipótese, tratando-se de tipos penais que tutelam objetos jurídicos diversos, não há falar em aplicação do princípio da especialidade. 3. Extinta a punibilidade em relação ao crime ambiental, cabível a remessa dos autos à instância de origem para proposta de suspensão condicional do processo quanto ao delito remanescente, cuja pena mínima é 01 ano de detenção. (TRF4, AP 00016473220074047115, Rel. Márcio Antonio Rocha, p. 09/12/2011)
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INOCORRÊNCIA. PROTEÇÃO A BENS JURÍDICOS DISTINTOS. BEM DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. REPARAÇÃO A SER LIQUIDADA. 1. Não existe conflito entre os preceitos legais elencados no art.2º da Lei nº 8.176/1991 e no art.55 da Lei nº 9.605/1998, uma vez que os bens jurídicos tutelados são distintos. Enquanto o art.2º da Lei nº 8.176/1991 descreve delito de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente. 2. A areia extraída pelo recorrente se enquadra como recurso mineral e, como tal, é bem pertencente à União, consoante art.20, inciso IX e art. 176, caput, da Constituição Federal, o que atrai a competência da Justiça Federal para a apreciação do feito (art.109 da CF/88). 3. Consoante o art. 20 da Lei nº9.605/98, a fixação de valor mínimo da reparação do dano ambiental causado por infração penal é ínsita ao decreto condenatório proferido, independendo portanto, de pedido expresso do Ministério Público. 4. Elementos probantes suficientes a ensejar decreto condenatório. 5. Ausência de prova técnica suficiente à determinação do montante mínimo referente à reparação de danos, sendo necessário apurar-se tal valor em procedimento de liquidação do julgado. 6. Apelação parcialmente provida. (TRF5, AP6863, Rel. Francisco Wildo, p. 19/12/2011)

RESUMO DA ÓPERA: Nas hipóteses de extração ilegal de recursos minerais, o posicionamento dominante é no sentido da existência de dois crimes (art. 55, Lei 9605/08 e art. 2º, Lei 8.176/91), em concurso formal (art. 70, CP).


20 comentários:

  1. Caro Bruno, se aplicado esse entendimento de concurso formal de crimes, deve se oferecer transação penal para o crime ambiental, em virtude do p. Unico do art 60 da l 9.099? Ainda, caso se aceita, deve se oferecer a suspensão condicional do processo ao crime de lavra irregular? Na prática deve entao oferecer denúncia e na cota requer a designaçao de audiência para oferecimento da transação e ato contínuo a suspensão?

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    1. Não há possibilidade nem de transação, nem de sursis processual.

      No caso de concurso formal, a transação deve considerar a pena máxima do crime mais grave, acrescido do aumento máximo (metade). Assim, não cabe transação.

      Em relação ao sursis processual, no concurso formal, deve-se pegar a pena mínima do crme mais grave e acrescentar o aumento mínimo. Caso supere 1 ano, não cabe sursis processual.

      Assim, não cabe nem transação, nem sursis processual, salvo melhor juízo.

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    2. De fato, a súmula 243 do STJ é no sentido da explicação fornecida.

      Entretanto, como compatibilizar o teor da súmula com o parágrafo único do art. 60 da Lei 9.099, repetido no parágrafo único do art. 2º da Lei 10259:

      "Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrente da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis".

      A questão, realmente, é difícil solução.

      Obrigado pelos esclarecimentos.

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    3. São perfeitamente compatíveis. Perceba que conexão e continência não tem necessariamente relação com concurso formal e material.

      Por exemplo, você pode praticar um crime de menor potencial ofensivo no mesmo lugar e na mesma hora em que eu pratique um crime comum. Pela necessidade ou utilidade da instrução conjunta, é possível que haja conexão probatória, fazendo com que o seu crime de menor potencial ofensivo seja julgado na Justiça Comum. Nesses casos, vc terá direito aos benefícios do JEC, ainda que julgado na Justiça Comum.

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  2. Prezado Bruno,

    ao responder o questionamento do colega sobre a possibilidade da transação penal ou da suspensão condicional do processo no concurso dos crimes previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e no art. 2º da Lei nº 8.176/1991, o senhor afirmou que não caberia porque no caso do concurso formal, a transação deve considerar a pena máxima do crime mais grave, acrescido do aumento máximo (metade).
    Tal regra vale para o concurso formal próprio(1ª parte do art. 70 do CP).
    A minha dúvida é a seguinte: os crimes em questão não seriam praticados em concurso formal impróprio (2ª parte do art. 70 do CP)?

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    1. De fato, Guilherme, é bem possível defender a tese do concurso impróprio. Nesse caso, para fins de transação, deve ser considerada a pena máxima somada dos dois crimes

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    2. De fato, Guilherme, é bem possível defender a tese do concurso impróprio. Nesse caso, para fins de transação, deve ser considerada a pena máxima somada dos dois crimes

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    3. De fato, Guilherme, é bem possível defender a tese do concurso impróprio. Nesse caso, para fins de transação, deve ser considerada a pena máxima somada dos dois crimes

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  3. Mineração no Brasil é uma piada de mau gosto!

    http://centelhasnamente.blogspot.com.br/2015/10/corrida-do-ouro-em-pontes-e-lacerda-boa.html

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  4. cortar pedra em lote urbano que esta impedindo a construção é crime de lavra?, uma vez que o corte é frio e sem comercialização.

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  5. Opa é assim mesmo, deixa as grandes empresas levar todo nosso ouro, e não deixa o povo meter a mão nisso, existe uma grama de ouro por tonelada de terra no planeta, enquanto em países livres todos as pessoas tem o direito de extrair ouro de forma artesanal livremente, no nosso pais, o povo sofre repressão, sendo que prospecção de aluvião não afeta o meio ambiente e tão pouco se utiliza produtos químicos, um dia esse pais será livre e será de seu povo. Enquanto os gringos levam nossas riquezas o povo é tratado como cachorros na sargenta, catando latinhas e revirando lixo atrás de uns trocados, sou contra ao desmatamento e a qualquer dano a natureza assim como sou contra qualquer repressão a sociedade. Um dia espero que possamos prospectar ouro e postar videos na internet assim como o pessoal da Califórnia USA, Austrália, Europa, só nesses países tipo Coreia do norte, China, Brasil que ocorre essas proibições, sem contar a nossa CNH, ter que pagar uma empresa privada a fim de se obter um documento do estado, chega ser vergonhoso e humilhante, além de engraçado.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Extrair areia do leito do rio sem nenhuma licença ambiental, só caracteriza fragrante sem for os infratores pegues com as caçambas carregadas, só os tratores não configurar o crime?

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  8. Extrair areia do leito do rio sem nenhuma licença ambiental, só caracteriza fragrante, se for os infratores pegues com as caçambas carregadas, só os tratores não configurar o crime?

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  9. Extrair areia do leito do rio sem nenhuma licença ambiental, só caracteriza fragrante, se for os infratores pegues com as caçambas carregadas, só os tratores não configurar o crime?

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    1. Paulo achou alguma saida estou no mesmo caso, entre em contato por email: aleamapre@gmail.com
      para tirarmos alguma duvidas

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    2. Paulo achou alguma saida estou no mesmo caso, entre em contato por email: aleamapre@gmail.com
      para tirarmos alguma duvidas

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  10. Prezado Bruno,
    Suponhamos que a empresa ja tenha dado inicio ao prcesso de licenciamento, que se encontra parado no órgao por mais de um ano. Existiria alguma medida para compelir o órgao a dar continuidade no processo? Caso a empresa opte por iniciar a atividade mineradora sem a referida licenca, quais seriam as consequencias em ambito administrativo e civil? Obrigado!

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  11. Olá, gostaria de saber se a extração de areia em terrenos que não seja leito de rios, também e crime ? o local fica próximo de onde eu moro, e um campo aberto com vegetações baixas e capim nativo onde costumo caminhar e apreciar a natureza pois ha muitos pássaros no local, e esta sendo feito extração de areia nesse local e esta acabando com o lugar, gostaria de saber se e crime o que estão fazendo, e qual pena e qual procedimento ?

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