quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

STJ pacifica entendimento sobre o prazo prescricional das ações de responsabilidade civil contra a Fazenda Pública

Caros concurseiros,

Uma dica importante para quem presta concurso para a advocacia pública. Finalmente, o STJ pacificou, em sede de recurso repetitivo, o entendimento a respeito do prazo de prescrição das ações contra a Fazenda Pública: 05 anos.

Segundo o STJ, a regra do Decreto 20.910/32 prevalece, por ser especial, sobre a regra do Código Civil, que estabelece o prazo de 03 anos em ações de responsabilidade civil.

Segue a notícia:
RECURSO REPETITIVO
Prescreve em cinco anos o direito de pedir indenização à fazenda pública
Prescreve em cinco anos todo e qualquer direito ou ação movida contra a fazenda pública, seja ela federal, estadual ou municipal, inclusive para pedir indenização por reparação civil. Foi o que definiu de forma unânime a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso repetitivo relatado pelo ministro Mauro Campbell Marques. A tese passa a orientar as demais instâncias da Justiça brasileira em ações que discutem a mesma questão.

No caso julgado, o recurso no STJ era do município de Londrina (PR). A ação de indenização trata da queda de uma árvore em via pública sobre um automóvel estacionado. Em primeiro grau, a sentença aplicou o Código Civil (artigo 206, parágrafo 3º, V), que fixa em três anos o prazo para propositura de ações de reparação civil. Houve apelação e o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença, fixando o prazo prescricional em cinco anos, conforme o Decreto 20.910/32, por entender que o seu artigo 1º não foi revogado pelo novo CC.

Ao analisar o recurso, o ministro Campbell reconheceu que a jurisprudência e a doutrina muito têm debatido sobre o prazo cabível em ações de indenização contra a fazenda pública, especialmente com o advento da regra trienal do CC de 2002. Entretanto, o ministro confirmou que nessas ações indenizatórias aplica-se o prazo quinquenal, previsto no artigo 1º do Decreto 20.910.

O ministro explicou que “a natureza especial do Decreto 20.910, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a fazenda pública”, é o que autoriza a sua aplicação em detrimento do que dispõe o Código Civil.

Também ficou estabelecido que a previsão contida no artigo 10 do Decreto 20.910, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a fazenda pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, devendo ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico.

Detalhe importante: O prazo prescricional quinquenal aplica-se apenas aos direitos de natureza pessoal. Quanto aos direitos de natureza real, aplica-se o prazo geral do Código Civil.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tópicos de Processo Penal


II – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO

            Consiste em averiguar se, no confronto entre a lei velha e lei nova, qual deve prevalecer. Segundo a doutrina, o tema deve ser analisado sob três enfoques:

a) em caso de lei penal pura, aplica-se a regra da retroatividade da lei mais benéfica; 
b) em caso de lei processual penal pura, aplica-se a regra da imediatidade, segundo o princípio do tempus regit actum (art. 2º, CPP);
c) em caso de lei mista (penal e processual penal), prevalece a regra aplicável à lei penal, isto é, a retroatividade da lei mais benéfica.

Quanto ao item “c”, cumpre acentuar que a lei mista seria aquela que, a par de dispor sobre regras e institutos processuais, tais como prisão, recursos, procedimentos, também produzirá efeitos sobre a pretensão punitiva estatal, interferindo, p.ex, na natureza jurídica da Ação Penal, estabelecendo uma nova hipótese de extinção da punibilidade etc...

         De acordo com essa divisão adotada pela grande parte da doutrina, cabe trazer à tona algumas situações interessantes:

1 – Ação Pública Incondicionada e lei posterior que a transforme em Ação Pública condicionada ou em Ação Privada: Se, no momento da prática do crime, este é de Ação Penal Pública Incondicionada, caso lei posterior modifique a natureza jurídica da Ação Penal, passando a dispor ser ela Ação Penal Pública condicionada ou Ação Penal Privada, tratar-se-á de lei mista, porque é inegável o seu reflexo na pretensão punitiva estatal, bastando ter em mente que, sem a representação da vítima ou sem o próprio ajuizamento da Ação Penal pela vítima, o Estado jamais poderia aplicar uma sanção ao indivíduo. Foi o que aconteceu com a Lei n. 9.099/95, que passou a exigir a representação da vítima nos delitos de lesão corporal leve e culposa.

2 – A revogação do Protesto pelo Novo Júri: O Protesto pelo novo Júri era um recurso exclusivo da defesa, tendo sido revogado em 2008. Trata-se de lei processual penal pura ou lei mista? A resposta gerará efeitos práticos relevantes, visto que, se considerarmos ser uma lei processual penal pura, o cabimento, ou não, desse recurso deve ser analisado a partir da data da sentença do Juiz-Presidente do Júri. Se, naquela data, a lei já houvesse revogado o recurso, e este não mais seria cabível. Se a sentença for anterior, será cabível. Porém, se considerarmos tratar-se de lei mista, o marco temporal deixa de ser a data da condenação, e passa a ser a data do fato criminoso. Assim, se o fato ocorreu antes da revogação da lei, caberia o recurso, mesmo que, na data da condenação ou, até mesmo, na data do protocolo do recurso, a lei já tivesse sido publicada. Por fim, vale salientar que a jurisprudência do STJ (REsp 1094482 e HC94281) e a parcela dominante da doutrina entendem que se está diante de lei processual penal pura.

3 – A alteração do momento do interrogatório. Até 2008, o interrogatório era o primeiro ato da instrução, ou seja, recebida a Denúncia ou a Queixa, o réu, ou querelado, era citado para comparecer em Juízo e ser interrogado. Atualmente, entretanto, o interrogatório é o último ato da instrução. Tratando-se, a nosso sentir, de lei processual penal pura, caso o réu já tenha sido interrogado antes do advento da nova legislação, não há qualquer nulidade em não realizar um segundo interrogatório, após a instrução. Os TRF´s 3 e 5 já decidiram dessa maneira (ACR 00015112220054036181 e ACR 00035612520084058100). Há de se registrar, porém, que é bastante comum, nesse caso, que o Juiz abra oportunidade para um novo interrogatório do réu, com fundamento no princípio da ampla defesa e do contraditório.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

STJ: Critério de definição da competência no crime de uso de documento falso

Caros leitores,

Após um tempo sem postar, trago hoje uma questão interessante que me apareceu na prática. Como se define a competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso? Deve-se considerar o órgão que teria atribuição para expedir o documento falsificado, ou, noutro sentido, deve-se considerar o orgão perante o qual o documento foi apresentado?

Trago dois exemplos:

1 -Apresentação de CNH falsa (atribuição do DETRAN) perante a Polícia Rodoviária Federal;

2 - Apresentação de CTPS (atribuição do MTE) perante empresa privada;

Nesses dois casos, a competência será da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

O critério adotado pelo STJ é o seguinte: Como se trata de crime de uso de documento falso, que se consuma com a apresentação desse documento perante terceiros, deve-se verificar perante quem o documento foi usado. Se é orgão, entidade ou agente federal, a competência é federal, ainda que o documento seja particular ou de atribuição estadual ou municipal (exemplo 1). Se é órgão, entidade ou agente estadual, municipal ou particular, a competência é estadual, ainda que o documento seja se atribuição federal (exemplo 2).

Nesse sentido:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. UTILIZAÇÃO PERANTE A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A qualificação do órgão expedidor do documento público é irrelevante para determinar a competência do Juízo no crime de uso de documento falso, pois o critério a ser utilizado para tanto define-se em razão da entidade ou do órgão ao qual foi apresentada, porquanto são estes quem efetivamente sofrem os prejuízos em seus bens ou serviços. 2. In casu, como a CNH teria sido utilizada, em tese, para tentar burlar a fiscalização realizada por agentes da Polícia Rodoviária Federal, que possuem atribuição de patrulhamento ostensivo das rodovias federais, resta caracterizado o prejuízo a serviço da União, justificando-se a fixação da competência da Justiça Federal, consoante o disposto no art. 109, inciso IV, da Carta da República. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, o suscitante. (STJ, CC99105, Rel. Min. Jorge Mussi, p. 27.02.09)

 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO E USO DE ATESTADO MÉDICO, SUPOSTAMENTE EMITIDO PELA DIRETORIA DE SAÚDE DO COMANDO DA AERONÁUTICA. FINALIDADE DE JUSTIFICAR FALTA AO TRABALHO PERANTE EMPRESA PRIVADA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A apresentação de atestado médico falso, ainda que supostamente proveniente de órgão da União ou de entidade autárquica ou empresa pública, com a finalidade exclusiva de justificar falta ao trabalho em empresa privada, não atrai a competência da Justiça Federal (...). (STJ, CC119939, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, p. 07.05.2012
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. JUÍZO COMPETENTE. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO E REGISTRO GERAL. NATUREZA DO ÓRGÃO ONDE FOI APRESENTADO. FLAGRANTE EFETUADO POR POLICIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. (...) II. A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, aplica-se às hipóteses em que os crimes são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. III. In casu, a documentação falsa foi apresentada em detrimento de serviço da União, qual seja, a fiscalização prestada pela Polícia Federal, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. Precedentes. IV. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (STJ, 195037, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 17.08.2011

domingo, 21 de outubro de 2012

Prova oral da AGU


Caros colegas,

Recebi alguns pedidos para tratar a respeito da prova oral da AGU, razão pela qual estou trazendo este post ao blog.

Primeiramente, eu destaco que a minha prova oral foi em 2009, portanto, lá se vão mais de três anos, de modo que é provável que eu não me recorde bem dos detalhes. Por outro lado, também não conheço como será a sistemática da atual prova oral, razão pela qual me limitarei a narrar como foi a última prova oral.

Bom, os aprovados (na casa dos 200/300, eu creio), foram divididos em turnos, segundo ordem alfabética. Fiquei logo no primeiro turno. 

Todos os candidatos do turno tinham que estar presentes no mesmo horário. A ordem da arguição era determinada por sorteio realizado na hora em que você chegava (você sorteava uma bolinha numerada dentro um de saco, o número da bola era a sua ordem de arguição). Lembro que eu peguei a bolinha 42, do total de 47, salvo engano, de maneira que tive que esperar de 13h até bem próximo das 18h para ser convocado. Para quem vai ficar por último, é bem ruim ter que esperar horas e horas, controlando o nervosismo, a ansiedade, a fome etc... Portanto, aconselho a levar água e alguma comida (chocolate, barra de cereal), porque a espera pode ser longa.

Todos os candidatos ficavam em uma sala reservada (sem acesso a computador, celular etc..., mas com acesso a livros, vade mecum, anotações etc...) e iam sendo chamados, conforme a sua numeração. Após a arguição, saiam por outro local, sem contato com aqueles que permaneciam na sala reservada.

Um ponto interessante: Antes de cada turno, alguma pessoa sorteava, dentre alguns envelopes, o envelope das questões referentes àquele turno. Ou seja, cada envelope já continha, por escrito, todas as perguntas que seriam formuladas no turno. Assim, no mesmo turno, todos os candidatos responderam as mesmas perguntas. Voltando às questões, embora já estivessem escritas, os examinadores poderiam complementá-las, de acordo com a evolução da arguição e com as respostas dos candidatos.

Na última prova oral, só foram examinadas cinco matérias: Constitucional, Administrativo, Civil, Processo Civil e Econômico/Financeiro. Os examinadores ficaram em três salas distintas, sendo uma sala pra Constitucional e Econômico/Financeiro, uma sala pra Civil e Processo Civil, e uma sala só pra Administrativo. Porém, para dar agilidade à arguição, existiam dois grupos de examinadores de cada matéria. Ou seja, existia o grupo 1 (que arguia todas as matérias) e o grupo 2 (que arguia todas as matérias), de modo que, embora as questões por turno fossem iguais, metade era arguido por examinadores do grupo 1, e a outra metade pelos examinadores do grupo 2. 

Não me recordo exatamente o tempo de cada arguição, mas era coisa rápida, de 5 a 10 minutos, creio eu.

O procedimento da arguição era o seguinte: O candidato entra na sala para a qual é encaminhado e senta-se na cadeira. Na cadeira, estará a folha com as questões sorteadas. Assim, após dizer o seu nome (tudo é gravado), ele deveria ler, em voz alta, as questões e responder. Após, o examinador poderia fazer perguntas, debater com o candidato etc...

É isso que eu me recordo.

Ah, e se alguém já ouviu falar na lenda da pergunta sobre o "tripé de Bretton Woods", acredite que não foi lenda não, ocorreu mesmo essa pergunta, e no meu turno...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Tópicos de Processo Penal


I – DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS: SISTEMA ACUSATÓRIO E SISTEMA INQUISITÓRIO. SISTEMA “MISTO”. REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL 

Segundo a doutrina, há dois grandes sistemas processuais penais: o sistema acusatório e o sistema inquisitório.

Basicamente, o sistema acusatório é caracterizado pelo processo de partes. Ou seja, há a parte com atribuições de acusar e há a parte com atribuições de defender-se. A cada uma delas atribui-se o direito, mas também o ônus, de produzir as provas necessárias à comprovação de suas alegações, buscando convencer o Juiz a respeito da veracidade de suas teses. Ao acusado é assegurada uma série de garantias, alçando-o à condição de sujeito do processo, e não de mero objeto de investigação. Há muitas formas que podem ser utilizadas para produção de provas contra o acusado, mas não se pode tudo. Põe-se em xeque o dogma da “verdade real”, pela qual tudo se podia, inclusive torturar o acusado, fazendo-o confessar, e a iniciativa probatória do Juiz. Por outro lado, não há mais hierarquia entre as provas, deixando a confissão (obtida, muitas vezes, sob tortura), de ser considerada prova absoluta. O Juiz é terceiro imparcial, alheio e equidistante às partes, cabendo a ele a tarefa de julgar. Não caberia ao Juiz investigar, nem produzir provas, seja em favor da acusação, seja em favor da defesa, sob pena de ser atingido em sua imparcialidade.

Noutro giro, o sistema inquisitório é caracterizado pelo seu aspecto histórico, isto é, objetiva-se a reconstituição do fato histórico, tal como se dera, a todo custo, admitindo-se, para tanto, todos os meios aptos à descoberta da “verdade real”, dentre elas, a confissão sob a tortura. Aquele a quem se atribui a prerrogativa de julgar também pode investigar ex officio, inexistindo uma distinção entre os papéis de acusar e julgar. O procedimento é sigiloso e o investigado não é considerado sujeito do processo, gozando de garantias e tendo a oportunidade de participar da formação do convencimento do julgador; pelo contrário, é mero objeto do processo de investigação. O sistema inquisitório sofreu grande influência da Santa Inquisição Católica, ocasião em que os inquisidores “caçavam” os hereges e os infiéis. Um bom filme que retrata bem as características do sistema inquisitório é O Nome da Rosa.

Conforme explica Aury Lopes Jr., o sistema acusatório originou-se, possivelmente, na Grécia, onde caberia a qualquer cidadão exercer a acusação e apresentar todas as provas contra o acusado. Ao Juiz, cabia julgar. No entanto, daí adveio um problema, qual seja, a possibilidade de nenhum cidadão exercer a acusação e falhas na produção de provas que fundamentassem esta acusação, ocasionando, em ambos os casos, a impunidade do acusado.

Desse modo, sobretudo devido à influência da Santa Inquisição, passou-se a enxergar que o Estado não deveria necessitar aguardar que algum cidadão ofertasse uma acusação contra terceiros, ou submeter-se às falhas e incompletudes das provas por ele produzidas. O Estado deveria poder, ele mesmo, dar início a essas acusações e proceder à obtenção de todas as provas necessárias para tanto. Reuniram-se, aqui, o papel de investigar/acusar e o de julgar na mesma pessoa, no Inquisidor.

Mais adiante, os influxos do Iluminismo, do Racionalismo e da Revolução Francesa trazem à tona, novamente, o sistema acusatório, demonstrando-se a necessidade de salvaguardar o acusado, concedendo-lhe uma série de garantias, dentre elas, a de ser julgado por um órgão imparcial, por um Juiz imparcial, sendo certo que, quanto mais o Juiz se envolvesse na atividade investigativa, menos imparcial ele se tornaria. Por outro lado, vislumbrando a inconveniência de aguardar-se a atuação do particular e das provas por ele colhidas, desenvolveu-se a figura de um órgão público que teria, dentre outras atribuições, a de exercer a acusação. O Ministério Público. Mas claro que não a todo custo.

       Em resumo, pode-se distinguir os sistemas acusatório e inquisitório, a partir de três características:

CARACTERÍSTICA
ACUSATÓRIO
INQUISITÓRIO
DIVISÃO DE FUNÇÕES (ACUSAR E JULGAR)
SIM, a acusação compete ao MP; o julgamento, ao Juiz
NÃO, o órgão que investiga, acusa e julga
GESTÃO DA PROVA
Cabe às partes produzirem as suas provas, o Juiz decide
O órgão que irá julgar também realiza a produção das provas
PARTICIPAÇÃO DAS PARTES, SOBRETUDO DO ACUSADO
SIM, o acusado é sujeito do processo, tem garantias e participa do contraditório
NÃO, o acusado é objeto do processo, não tem garantias, não há contraditório, processo é sigiloso

À luz da Constituição Federal, sem sombra de dúvidas, hoje adotamos o sistema acusatório. A idéia desenvolvida por alguns doutrinadores, no sentido de que adotaríamos um sistema “misto”, posto que o Inquérito Policial é inquisitório não procede, pelo simples fato de que o Inquérito ocorre em fase anterior ao processo, não sendo possível classificar o nosso sistema processual a partir de elemento anterior e estranho a ele. Nosso sistema é o sistema acusatório. A Constituição Federal diz isso no art. 129, I, quando afirma que a titularidade da Ação Penal compete ao Ministério Público. Em outras palavras, o papel de imputar um crime a alguém e de apresentar/produzir as provas nesse sentido compete ao Ministério Público, órgão distinto daquele que irá analisar a acusação, o Poder Judiciário.

A nosso sentir, não é justo afirmar que o nosso Código de Processo Penal seja inquisitório, mas também não se pode desconhecer que, em algumas passagens, ele estava longe de ser acusatório, tanto é que, ao longo dos tempos, houve várias alterações legislativas, com o intuito de aproximá-lo do sistema acusatório, embora ainda existam discussões doutrinárias a respeito da compatibilidade de alguns de seus institutos com o sistema acusatório, merecendo destaque os seguintes:

1 – A instauração ex officio de Ação Penal: O Código de Processo Penal admitia, em seu art. 26, a instauração ex officio do processo penal nos casos de contravenções. Após o advento da CF, esse dispositivo não foi recepcionado.

2 – A questão da mutatio libelli: Até a entrada em vigor da Lei n. 11.719/08, o Código de Processo Penal previa que, na hipótese de modificação da acusação em razão de fato novo não-contido na Denúncia, haveria necessidade de o Ministério Público aditar a sua Denúncia, caso a nova acusação fosse prejudicial ao acusado; caso contrário, se fosse de gravidade semelhante ou inferior à originária, o Juiz poderia determinar a modificação ex officio. Esse dispositivo foi modificado, justamente porque não se adequava a uma das principais características do sistema acusatório, qual seja, a distinção entre as atribuições de acusar e julgar. O Juiz não pode acusar, ou modificar a acusação, mesmo que seja para beneficiar o acusado.

3 – A produção de provas pelo Juiz: É uma questão bastante polêmica, notadamente quanto à constitucionalidade do art. 156, I, CPP, que admite que o Juiz determine a produção de provas consideradas urgentes mesmo durante a fase pré-processual. É interessante lembrar que o STF já julgou inconstitucional o art. 3º, da Lei do Crime Organizado (ADI n. 1.570-2), que previa a produção de provas pessoalmente pelo Juiz, a fim de se resguardar o sigilo. Outra norma que gera bastante controvérsia é a autorização para que o Juiz, de ofício, mesmo durante a investigação, determine a interceptação telefônica (art. 3º, Lei n. 9.296/96). Como frisado, no curso de um sistema acusatório, compete às partes a produção das provas necessárias à formação do convencimento do Juiz. Não é papel do Juiz substituir a atuação probatória de qualquer uma das partes, seja MP, seja defesa. Nesse sentido, penso eu, a norma que autoriza o Juiz interceptar, de ofício, a comunicação telefônica, na fase investigativa ou processual, é inconstitucional, por violar o sistema acusatório. Entretanto, não chego ao ponto de afirmar que o Juiz não possa produzir qualquer prova, tendo que ficar absolutamente inerte. O Juiz não pode substituir as partes, mas pode, a meu ver, determinar diligências com o objetivo de sanar dúvidas surgidas ao longo da instrução, como autoriza o art. 156, II, CPP. Acredito que exista uma diferença acentuada entre o Juiz tomar a iniciativa da produção de uma determinada prova e o Juiz buscar esclarecer dúvidas surgidas, a partir das provas produzidas pelas partes, ao longo da instrução.

4 – O procedimento de inquirição das testemunhas: Atualmente, o Código de Processo Penal prevê, em seu art. 222, que as testemunhas serão inquiridas diretamente pelas partes (sistema do cross examination), sendo que o Juiz poderá, após a inquirição pelas partes, fazer perguntas complementares. É uma sistemática muito mais compatível com o sistema acusatório do que a anterior, que estabelecia que o Juiz inquiriria a testemunha antes das partes.

5 – O papel do Juiz durante a fase pré-processual: As disposições do CPP no sentido de que a Autoridade Policial deve encaminhar os pedidos de dilação de prazo para conclusão do IPL, ou os IPL´s relatados, ao Poder Judiciário, também não se encaixam no sistema acusatório previsto na Constituição Federal. Com efeito, se acusação houver, quem a fará é o MP. Nessa esteira, cabe a ele decidir se já há elementos suficientes ou, caso contrário, se há necessidade de dilatar o prazo do IPL para que novas diligências sejam efetuadas. Da mesma forma, é para ele que deve ser remetido o IPL relatado para, se for o caso, oferecer a Denúncia. Atualmente, pelo menos no âmbito da Justiça Federal, o IPL tramita diretamente entre a Polícia e o MPF, só indo para a Justiça Federal em caso de Denúncia ou em caso de medidas restritivas de direitos e garantias individuais, tais como interceptações, quebras de sigilo, prisões etc...

Nessa linha de raciocínio, o papel do Juiz, durante a fase pré-processual, é apenas o de Juiz de Garantias, fiscalizando e controlando medidas que possam restringir ou relativizar direitos e garantias dos investigados.

6 – O controle do Juiz sobre a Promoção de Arquivamento (art. 28, CPP): Atualmente, a promoção de Arquivamento do Inquérito Policial está submetida ao controle jurisdicional. Discordando da promoção formulada pelo MP, o Juiz não pode obrigar o MP a oferecer a Denúncia. O que, de acordo com o art. 28, CPP, pode ser feito é submeter aquela promoção a um órgão superior do próprio MP (PGJ, no caso do MPE, ou a 2ªCCR, no caso do MPF). Caso esse órgão ratifique o Arquivamento, o Juiz terá de acolhê-lo. Bem analisado o dispositivo em questão, vê-se que ele também não se adequa perfeitamente ao sistema acusatório, uma vez que não há razão lógica para o Juiz manifestar-se sobre a promoção de Arquivamento. Se houve Arquivamento, não há acusação. Se não há acusação, não há o que ser julgado, portanto, não há motivo para a atuação do Juiz.

Como frisado anteriormente, o papel do Juiz na fase pré-processual, é direcionada meramente à efetivação dos direitos e garantias dos investigados. Se o órgão dotado de atribuição acusatória entende que não há razão para a propositura de uma Denúncia, não é papel do Juiz dizer que há elementos probatórios suficientes para tanto. Essa decisão deve ser tomada no âmbito do próprio MP.

Nessa linha de raciocínio, destaque-se o posicionamento da 2ª CCR-MPF, que atribui ao órgão o controle da promoção de Arquivamento formulada pelo membro do MPF.

Cumpre ressaltar, por último, que, no projeto do novo Código de Processo Penal, não mais se vislumbra a presença de dispositivo semelhante ao art. 28, CPP, estando o controle da promoção de arquivamento submetida ao órgão do próprio MP.

7 – A impossibilidade de o Ministério Público desistir da Ação Penal e a possibilidade de o Juiz condenar o réu, quando o Ministério Público posicionar-se por sua absolvição Estão previstas nos arts. 42 e 385, CPP. Segundo parcela da doutrina, não seriam compatíveis com o sistema acusatório, posto que, na prática, se o MP deseja desistir da Ação Penal é porque não mais vê fundamento na acusação. Até aí  não haveria grande problema, se a manifestação do MP pela absolvição não pudesse ser desconsiderada pelo Juiz. Qual é a diferença prática entre o órgão atribuído da função acusatória não exercer a acusação e não persistir na acusação já formulada? Nenhuma. Se o MP manifesta-se pela absolvição, não há mais imputação jurídica de um fato criminoso a alguém. Então, qual acusação estará julgando o Juiz?

8 – A decretação da Prisão Preventiva ex officio durante as investigações: De acordo com a atual redação do art. 311, CPP, o Juiz poderá decretar a prisão preventiva ex officio, no curso da Ação Penal; durante a investigação, só se houver requerimento. Antigamente, admitia-se a decretação de ofício até mesmo durante as investigações, o que poderia ocasionar um problema grave (que ainda persiste no caso de representação policial), a saber: Suponha-se que houve a decretação da prisão preventiva ex officio (ou mediante representação policial). Os autos irão, então, ao MP, para oferecer Denuncia, no prazo legal de 05 dias (investigado preso). E se o MP não vislumbrar indícios suficientes de materialidade e autoria para denunciar? Ele não pode ser obrigado a denunciar porque o Juiz decretou a prisão preventiva por ele não requerida. Por outro lado, o investigado não pode ficar preso por tempo indeterminado até que os indícios sejam colhidos. E se o MP quiser promover o arquivamento? Percebem o problema? Durante a fase de investigação, a prisão deve ser requerida pelo órgão que possui a atribuição de acusar, sob pena de, sem acusação, a prisão ter que ser revogada, causando um embaraço ao Poder Judiciário e um constrangimento inquestionável ao indivíduo.

9 - O Ministério Público como parte (im)parcial: Por fim, deixei uma questão que gera muita polêmica: No processo penal, o MP é parte parcial (no sentido de atuar direcionado à acusação/condenação) ou imparcial (no sentido de atuar direcionado à tutela da ordem jurídica). Há opiniões e argumentos em ambas as vertentes. Pode-se discutir horas e horas, sem que as partes cheguem ao consenso. Portanto, darei a minha opinião. Não digo que é a tese correta, é apenas a que eu entendo mais adequada. O MP atua como parte imparcial. O argumento de que o MP foi criado justamente para ser o órgão estatal de acusação, retirando esse papel do Juiz Inquisidor não leva à conclusão de que o MP busque, a todo custo, a condenação do réu. O MP não é órgão de acusação, mas sim órgão para a acusação. Em outras palavras, se alguém tiver que acusar, esse alguém será o MP. Mas isso não quer dizer que o MP terá que acusar sempre, ou persistir na acusação já formulada, sendo possível, como se sabe, a promoção de arquivamento, antes da fase processual, e o pedido de absolvição, durante a fase processual. Aliás, o MP poderá, até mesmo, recorrer de eventual sentença condenatória. Ou, por outro lado, não recorrer de eventual sentença absolutória. Outrossim, o MP pode impetrar HC em benefício do paciente. Tudo isso demonstra que, no processo penal, o MP não atua contra o réu, mas sim na tutela da ordem jurídica e a favor da sociedade, podendo-se até afirmar que o MP não acusa, ele defende. Defende a sociedade, sobretudo na perspectiva correta do garantismo penal, que enxerga os direitos fundamentais, além de garantias contra o Estado (direitos de defesa), garantias a serem efetivadas mediante atuações do Estado (direitos de promoção). Por fim, talvez o equívoco esteja em confundir-se órgão e membro. O órgão é imparcial, mas um membro, aqui ou ali, pode não agir de forma imparcial e, para isso, há instrumentos processuais adequados. O que também pode acontecer, é certo, com Juízes, p.ex, e ninguém cogita afirmar que o Poder Judiciário não é imparcial no processo penal.


PRÓXIMO TÓPICO: Eficácia da Lei Processual Penal no Tempo


terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tópicos de Processo Penal

Caros colegas,

Em vias de alcançar a marca de 100.000,00 (cem mil acessos) ao blog, apresento a vocês uma ideia que pretendo desenvolver: além de continuar fazendo comentários sobre temas e decisões de interesse dos concurseiros, pretendo também realizar um estudo objetivo, mas completo, sobre Processo Penal, que é, atualmente, a área jurídica que mais me agrada, junto com a Improbidade Administrativa, e também com a qual trabalho por parte do meu tempo.

Dessa forma, tentarei, sempre que possível, trazer ao blog um estudo objetivo do Processo Penal, analisando, de forma geral, os principais temas de Processo Penal (seguindo a cronologia comumente adotada nos manuais), que poderá servir de ponto de partida para que os concurseiros tenham uma primeira visão dos temas e possam depois aprofundar as questões.

Em breve, daremos início a apresentação desses tópicos.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

STJ também reviu sua posição sobre comprovação da tempestividade do recurso em caso de feriados locais.

Caros colegas,

Como destacado em uma postagem anterior, o STF reviu o seu entendimento sobre a comprovação posterior da existência de feriado local, de modo a influir na análise da tempestividade do recurso. Até então, entendia-se que a comprovação do feriado local tinha de ser feita por ocasião da interposição do recurso. Após, entendeu-se que a parte poderá comprovar a existência do feriado posteriormente.

Hoje, a Corte Especial do STJ também reviu a sua posição, passando a adotar a tese do STF. Confira-se passagem da notícia divulgada no site daquele Tribunal:


STJ altera jurisprudência e aceita comprovação posterior de tempestividade de recurso
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a comprovação posterior de feriado local ou suspensão de expediente forense no tribunal de origem que implique prorrogação do prazo para interposição do recurso especial. A decisão, unânime, altera a jurisprudência do STJ, que passa a acompanhar entendimento firmado em março último pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário 626.358.


A tese é de que, tratando-se de direito local, caso o Juiz desconheça a sua existência, deve determinar que a parte o comprove, nos termos do Código de Processo Civil. Assim, ou o Juiz já sabe que é feriado local, ou, não sabendo, a parte tem a oportunidade de informar-lhe tal fato, ainda que após eventual decisão que não conhecera do recurso.

Particularmente, prefiro a posição anterior. A tempestividade é um requisito de admissibilidade do recurso. Portanto, deve ser comprovada no momento da interposição desse recurso. Desse modo, todas as peculiaridades que influenciem na análise desse requisito, a nosso sentir, devem ser suscitadas e comprovadas no momento do protocolo do recurso. 

Se você não efetua o preparo, você não poderá efetuá-lo em momento posterior. Se você não instrui o Agravo de Instrumento com todas as peças obrigatórias, você não poderá complementá-lo posteriormente. Se você não apresenta, p.ex, a preliminar de repercussão geral expressamente (que é um desdobramento do requisito de admissibilidade "cabimento"), você não poderá fazê-lo depois do protocolo do recurso. Então, por que você poderia comprovar que o seu recurso é tempestivo mesmo não tendo feito prova dessa tempestividade por ocasião de sua interposição?

O prazo, para o profissional do Direito, é uma das coisas mais importantes. Com ele, todo cuidado é pouco. Se há algum feriado à vista, que possa influir na contagem de seu prazo, e se esse feriado é local, o advogado tem o dever de atuar com cautela e comprovar a ocorrência desse feriado no ato da interposição do recurso. 



quarta-feira, 12 de setembro de 2012

STJ e o periculum in mora na indisponibilidade de bens em sede de AIA

Caros colegas,

Trago à tona hoje, com base em notícia veiculada no site do STJ, uma questão bastante importante e comum no dia a dia forense, sobretudo nos MP´s, mas que também ganha relevância diante da denominada atuação pró-ativa da Advocacia Pública, notadamente da AGU, visando ao combate dos atos de Improbidade Administrativa e à recuperação de valores desviados.

Pois bem. A Lei de Improbidade trata, em três oportunidades, de medidas cautelares. Em duas oportunidades, versa sobre cautelares reais (art. 7º e 16). Na terceira, dispõe sobre cautelar pessoal (art. 20, parágrafo único).

No caso das cautelares reais (indisponibilidade de bens e sequestro, ou arresto para alguns), é posicionamento pacífico do STJ o fato de não haver necessidade da demonstração de que o réu está dilapidando o seu patrimônio, ou que há risco de o réu não ter condições de arcar com as sanções patrimoniais etc... O periculum in mora é presumido e decorre da própria Constituição Federal, que estabelece, em seu art. 37, §4º, que uma das consequências da Improbidade Administrativa é a indisponibilidade dos bens. 

Em assim sendo, é suficiente a demonstração da existência de indícios de improbidade administrativa (fummus boni iuris).

Segue a notícia:
Decretação de indisponibilidade de bens em ação de improbidade não exige demonstração de dano 
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, assentou o entendimento de que não é necessário demonstrar o risco de dano irreparável para que se possa decretar a indisponibilidade dos bens nas ações de improbidade administrativa, prevista no artigo 7º da Lei 8.429/92. 
A Seção entendeu que o periculum in mora é presumido em lei, em razão da gravidade do ato e da necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público em caso de condenação, não sendo necessária a demonstração do risco de dano irreparável para se conceder a medida cautelar. 
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL (ART. 37, §  4º) PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI IURIS: INDISPENSABILIDADE. 1. A indisponibilidade de bens é medida que, por força do art. 37, § 4º da Constituição, decorre automaticamente do ato de improbidade. Daí o acertado entendimento do STJ no sentido de que, para a decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, dispensa-se demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, bastandoao demandante deixar evidenciada a relevância do direito (fumus boni iuris) relativamente à improbidade e à sua autoria (STJ, REsp 1315092, 2012).
Particularmente, além de concordar e aplicar, na prática, esse entendimento, formulando, seja na própria AIA, seja como medida cautelar, o pedido de indisponibilidade de bens do réu, chamo a atenção para o fato de que, até que o processo transite em julgado e se parta para o cumprimento da sentença, o réu já terá se desfeito de seus bens, de modo que, infelizmente, é muito comum o réu, quando executado, não ter quaisquer bens para satisfazer a sanção de ressarcimento ao Erário ou multa civil.

É para se evitar esse tipo de situação (a tal da "ganhou, mas não levou"), que sempre se deve ter o cuidado de voltar-se não só contra a pessoa do réu, mas contra o seu patrimônio (seja em AIA, seja em Ação Penal), para tentar mitigar, ao máximo, o locupletamento ilícito. 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Segundo o STJ, extorsão é crime material?!

Caros colegas,

Lendo o último Informativo do STJ (n. 502), me deparei com a seguinte decisão:


CRIME DE EXTORSÃO. FORMA TENTADA. (INFO 502)
Trata-se de recurso interposto pelo MP estadual contra acórdão que manteve sentença condenatória, porém reformou-a parcialmente para reconhecer a forma tentada do delito de extorsão praticado pelo ora recorrido. O órgão ministerial sustenta que o acórdão violou o art. 158 do CP, pois o legislador não subordina a consumação do delito à efetiva consecução do proveito econômico, bastando que o agente tenha obrado com tal intuito. Na espécie, o recorrido constrangeu a vítima, mediante grave ameaça, consistente no prenúncio de que a mataria, exigindo-lhe a quantia de 300 reais, a retirada dos boletins de ocorrência contra ele registrados e a entrega dos filhos nos finais de semana. Diante da reiteração das ameaças, a vítima acionou a polícia, que surpreendeu o recorrido, procedendo a sua prisão. Sob tal contexto, a Turma entendeu que,in casu, feita a exigência pelo recorrido, a vítima não se submeteu à sua vontade, deixando de realizar a conduta que ele procurava lhe impor. Assim, a hipótese é de tentativa como decidido pelo tribunal a quo, e não, como pretende o recorrente, de crime consumado. Precedente citado: HC 95389-SP, DJe 23/11/2009.REsp 1.094.888-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 21/8/2012.

Ou seja, o STJ entendeu que o crime de extorsão é material, exigindo a ocorrência de resultado (no caso, a obtenção da vantagem indevida). Aí, lendo o art. 158, CP, eu pergunto onde está a elementar de recebimento da vantagem indevida?

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa

 O tipo é claro ao afirmar "com o intuito de obter", isto é, basta a exigência da vantagem indevida, em razão do cargo, para consumar o crime, independentemente da efetiva obtenção dessa vantagem. Trata-se de crime formal. A obtenção da vantagem pretendida é mero exaurimento da conduta (ou consumação material) Essa interpretação, a meu ver, equivocada do STJ poderá recair também sobre os crimes de corrupção ativa e passiva, passando-se a exigir, para a sua consumação, a efetiva obtenção ou concessão da vantagem indevida.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

HC contra decisão em HC. Possível modificação da jurisprudência do STF

Caros colegas,

Trago notícia do STF, datada de ontem, dando conta de mais uma decisão do Tribunal inadmitindo HC impetrado em substituição a Recurso Ordinário em HC.

Na prática forense, quando a liminar em HC era indeferida pelo Relator, ou a própria ordem era denegada pelo Tribunal, ao invés de o paciente interpor Recurso Ordinário, ele impetrava um HC substitutivo, apontando como autoridade coatora o Relator ou Tribunal que indeferira a liminar ou denegara a ordem. O rito do HC é mais célere, tem prioridade, não precisa incluir em pauta, não paga custas, não precisa de advogado etc...

E o STF admitia essa substituição do RHC por um HC originário.

Porém, recentemente, a 1ª Turma do STF, aparentemente, alterou a sua jurisprudência, passando a dispor que não se pode impetrar HC contra decisão proferida em HC impetrado em instância inferior, devendo-se utilizar o recurso cabível.

Confira:

"Terça-feira, 28 de agosto de 2012
Ministra reitera alteração de entendimento da 1ª Turma sobre recurso em HC
Em voto proferido no julgamento do Habeas Corpus (HC) 104045, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, reiterou a recente alteração da jurisprudência da Primeira Turma no sentido de não mais admitir o emprego do habeas corpus em substituição a recurso ordinário contra denegação de HC por instância anterior. A ministra afirmou que, nessa circunstância, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 102, inciso II, alínea “a”, instrumento jurídico expresso – o recurso ordinário.
(...)
A mudança de entendimento da Primeira Turma em relação à inadequação de HC como substitutivo de recurso em HC ocorreu durante o julgamento do HC 109956, da relatoria do ministro Marco Aurélio, julgado no dia 7 de agosto. A discussão, porém, começou na mesma sessão durante o julgamento do HC 108715, do qual o ministro Luiz Fux pediu vista"
Acaso venha a se confirmar esse novo posicionamento do STF, perderá eficácia a Súmula 691, adotada pelo STF justamente com o objetivo de evitar a impetração de HC contra decisão liminar proferida por Relator em outro HC. 




sábado, 11 de agosto de 2012

Comentários sobre duas novas Súmulas do STJ


Recentemente, o STJ editou diversas novas súmulas. Hoje, trataremos de duas delas, a saber:

1 – “Súmula 481 - Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.”

Como regra, a pessoa física, para gozar dos benefícios da gratuidade judiciária, precisa apenas fazer uma declaração de hipossuficiência, nos termos da Lei n. 1.060/50, que goza de presunção de veracidade relativa. Assim, compete à parte adversa comprovar que essa declaração não procede. 

Por outro lado, existia certa divergência quanto à possibilidade de as pessoas jurídicas gozarem de semelhante benefício. Em um primeiro momento, passou-se a admitir que a pessoa jurídica fosse hipossuficiente. Em sequencia, a jurisprudência do STJ fez a seguinte distinção: se a pessoa jurídica possui fins filantrópicos e assistenciais, basta a declaração de pobreza. Se possuir finalidade lucrativa, precisaria demonstrar, de forma justificada, a sua hipossuficiência. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. IMPUGNAÇÃO. ACÓRDÃO ESTADUAL QUE INVERTE O ÔNUS DA PROVA, ATRIBUINDO-O À PARTE IMPUGNADA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que mesmo em favor das pessoas jurídicas é possível a concessão do benefício da justiça gratuita, nos termos da Lei 1.060/50. Tratando-se de pessoa jurídica sem fins lucrativos,o benefício será concedido independentemente de prova. Se, de outro lado, tratar-se de pessoa jurídica com fins lucrativos, a gratuidade estará condicionada à comprovação da existência de dificuldade financeira. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem, invertendo indevidamente o ônus da prova, julgou procedente a impugnação oferecida pela recorrida, ao entendimento de que a recorrente não teria trazido aos autos elementos que demonstrassem o estado de necessidade para amparar o pedido de justiça gratuita. 3. Recurso especial conhecido e provido.(STJ, REsp 603137, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, p. 11/06/07)
Porém, mais adiante, a partir do EREsp 1.103.391/RS, houve uma alteração parcial nesse posicionamento, passando o STJ a entender que a pessoa jurídica, independentemente de sua finalidade, precisa demonstrar a sua incapacidade financeira para arcar com os custos judiciais, o que culminou com a edição dessa súmula.

Dessa forma, enquanto que, para a pessoa física, basta a declaração de pobreza; para a pessoa jurídica, faz-se necessária a demonstração dessa pobreza, independentemente de sua finalidade institucional.

 2 – “Súmula 484 - Admite-se que o preparo seja efetuado no primeiro dia útil subsequente, quando a interposição do recurso ocorrer após o encerramento do expediente bancário

Preparo é o termo técnico utilizado para se designar a necessidade de haver a comprovação do pagamento de um determinado valor para a interposição de certos recursos judiciais. Trata-se de requisito extrínseco dos recursos, na clássica divisão formulada por Barbosa Moreira, de modo que, sem a sua comprovação, o recurso não será admitido.

Pois bem. O problema tratado por essa Súmula é o seguinte: O que fazer se o recorrente deixa para efetuar o preparo no prazo fatal, e o Banco tá fechado? Vai perder o prazo?

Perceba-se que, regra geral, os Bancos fecham às 16h, enquanto que o expediente forense termina entre 18h e 19h. Por outro lado, no caso de processo eletrônico, a petição pode ser protocolada até o último minuto do dia equivalente ao prazo final.

Nesses casos, o STJ passou a entender que se o recurso foi interposto em horário no qual o expediente bancário já se encerrou, admite-se que o preparo seja efetuado no dia seguinte.

Ao que nos parece, a Súmula não menciona o momento em que o preparo deve ser comprovado. Isto é, o preparo deve ser feito no primeiro dia útil subseqüente, mas e a sua comprovação? Também deve ser feita no primeiro dia útil subseqüente? 

Penso que sim, até por questão de coerência. Se o preparo é pra ser comprovado na interposição do recurso, mas essa comprovação é prorrogada em razão do fechamento do expediente bancário, é de se concluir que, assim que esse preparo puder ser realizado (primeiro dia útil subseqüente), também se torna possível a sua comprovação, inexistindo razão para que seja prolongado o prazo para essa comprovação.

domingo, 29 de julho de 2012

Duas dicas sobre a jurisprudência do STJ


Caros concurseiros,

Seguem duas dicas para esse domingo:

1 – Na visão do Superior Tribunal de Justiça, o crime de moeda falsa não admite a aplicação do princípio da insignificância, independentemente da quantidade de notas falsas e de seus valores, uma vez que o bem jurídico tutelado é a fé pública, e não o patrimônio da vítima. Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. CRIME DE MOEDA FALSA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DESCARACTERIZADA A MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA. 1. Ainda que as cédulas falsificadas sejam de pequeno valor, não é possível aplicar o princípio da insignificância ao crime de moeda falsa, pois se trata de delito contra a fé pública, que envolve a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional, o que descaracteriza a mínima ofensividade da conduta do agente de exclusão de sua tipicidade. Precedentes do STF e do STJ. 2. Habeas corpus denegado (STJ, HC177655, Rel. Min. Laurita Vaz, p. 23/03/12)

HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. ACRÉSCIMO DESPROPORCIONAL. 1. Segundo iterativa jurisprudência desta Corte, o princípio da insignificância não se aplica ao delito de moeda falsa, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo art. 289 do Código Penal é a fé pública, insuscetível de ser mensurada pelo valor e quantidade de cédulas falsas apreendidas (...) (STJ, HC224364, Rel. Min. Og Fernandes, p. 29/02/12)
2 – O Superior Tribunal de Justiça editou uma nova súmula, que assim dispõe: “Súmula 490 – A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a 60 salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”. Como se sabe, o CPC abre exceções à incidência do reexame necessário nas sentenças contrárias à Fazenda Pública. A primeira é quando a decisão estiver conforme entendimento jurisprudencial do Plenário do STF, súmula do STF ou do Tribunal Superior respectivo. A segunda é quando o valor da condenação for inferior a 60 salários mínimos. (art. 475, §§2º e 3º, CPC). No entanto, a sua jurisprudência já sinalizava que, nos casos de sentença ilíquida, isto é, quando não haja a definição do quantum debeatur, aplica-se o reexame necessário, justamente porque não se pode aferir se a condenação foi superior ou inferior a 60 salários. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. INAPLICABILIDADE DO ART. 475, §2º, DO CPC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que, nos casos de iliquidez do título judicial, não é possível a adoção do valor atualizado da causa como parâmetro para se aferir a incidência ou não da excepcionalidade da regra estabelecida no art. 475, § 2.º, do Código de Processo Civil. 2. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1237824, Rel. Arnaldo Esteves Lima, p. 23/05/12)
 
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. FAZENDA PÚBLICA. SENTENÇA ILÍQUIDA. REEXAME NECESSÁRIO OBRIGATÓRIO. CORTE ESPECIAL. ENTENDIMENTO  CONSOLIDADO SOB O REGIME DO ART. 543-C, DO CPC. 1. A Corte Especial do STJ pacificou o entendimento de que sentença ilíquida proferida contra a Fazenda Pública, suas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição. 2. Embargos de divergência providos (STJ, EResp 1038737, Rel. Min. João Otávio Noronha, p. 24/06/11)