segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Embargos de Declaração para modulação de efeitos (art. 27, Lei n. 9868/99). Necessidade de pedido da parte?

  
O art. 27, da Lei n. 9.868/99, prevê exceção ao princípio da nulidade da norma inconstitucional, ao admitir que o Supremo Tribunal Federal possa alterar o momento da incidência dos efeitos da decisão, o qual, em regra, é ex tunc, atribuindo-lhe efeitos ex nunc ou pro futuro, a saber:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
No caso de a parte requerida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal não suscitar, em suas informações, a aplicação, em caso de procedência do pedido, da modulação dos efeitos da decisão, nos termos desse art. 27, tampouco o Supremo Tribunal Federal aplicá-la de ofício, serão cabíveis Embargos de Declaração, com fundamento na omissão da decisão a esse respeito?

O entendimento clássico do STF era de que não seriam cabíveis os Embargos de Declaração, haja vista a inexistência de omissão na decisão. De fato, a aplicação do art. 27 pode ser requerida pelo interessado ou aplicada de ofício pelo Tribunal. Naquela primeira situação, se não há nenhum requerimento da parte nesse sentido, descabe cogitar-se de omissão. Na segunda situação, a norma prevê uma autorização (=prerrogativa) do Tribunal, que poderá dela se valer, ou não. Assim, não se poderia aferir omissão na decisão que não aplicou o art. 27, se a parte não a requereu, porque o STF não está obrigado a aplicar a modulação dos efeitos, apenas autorizado.

Em outras palavras, só seriam cabíveis Embargos de Declaração se a parte tivesse suscitado a incidência do art. 27, mas o STF não tivesse se pronunciado sobre a matéria.

A esse respeito, cite-se:
EMENTA Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. Inscrição na Paranaprevidência. Impossibilidade quanto aos serventuários da justiça não remunerados pelos cofres públicos. Modulação. Eficácia em relação às aposentadorias e pensões já asseguradas e aos serventuários que já preencham os requisitos legais para os benefícios. 1. A ausência, na ação direta de inconstitucionalidade, de pedido de restrição dos efeitos da declaração no tocante a determinados serventuários ou situações afasta, especificamente no caso presente, a apontada omissão sobre o ponto. 2. Embargos de declaração rejeitados, por maioria. (STF, ADI 2791-ED, Rel/Acórdão Min. Menezes Direito, p. 04/09/09)
Contudo, recentemente, no julgamento da ADI 3601-ED, Rel. Min. Dias Tóffoli, o STF admitiu o cabimento de Embargos de Declaração, independentemente da existência de requerimento do interessado nesse sentido, a saber:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL Nº 3.642/05, QUE “DISPÕE SOBRE A COMISSÃO PERMANENTE DE DISCIPLINA DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL”. AUSÊNCIA DE PEDIDO ANTERIOR. NECESSIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 1. O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem fundamento na própria Carta Magna e em princípios constitucionais, de modo que sua efetiva aplicação, quando presentes os seus requisitos, garante a supremacia da Lei Maior. Presentes as condições necessárias à modulação dos efeitos da decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, esta Suprema Corte tem o dever constitucional de, independentemente de pedido das partes, aplicar o art. 27 da Lei nº 9.868/99. 2. Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo. Entretanto, podem as partes trazer o tema em sede de embargos de declaração. 3. Necessidade de preservação dos atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional. 4. Aplicabilidade, ao caso, da excepcional restrição dos efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99. Presentes não só razões de segurança jurídica, mas também de excepcional interesse social (preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio – primado da segurança pública), capazes de prevalecer sobre o postulado da nulidade da lei inconstitucional. 5. Embargos declaratórios conhecidos e providos para esclarecer que a decisão de declaração de inconstitucionalidade da Lei distrital nº 3.642/05 tem eficácia a partir da data da publicação do acórdão embargado (STF, ADI 3601-ED, Rel. Min. Dias Tóffoli, p. 15/12/2010)
Na divulgação do julgamento desta ADI, por ocasião do Informativo n. 591, consignou-se “(...) de início, a jurisprudência da Corte, no sentido de inadmitir embargos de declaração para fins de modulação de efeitos, sem que tenha havido pedido nesse sentido antes do julgamento da ação. Entendeu que, no caso, entretanto, a declaração não deveria ser retroativa, por estarem configurados os requisitos exigidos pela Lei 9.868/99 para a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, tendo em conta a necessidade de preservação de situações jurídicas formadas com base na lei distrital.”

Mais adiante, o STF também admitiu o cabimento de Embargos de Declaração para fins de modulação de efeitos, independentemente de pedido expresso da parte interessada, no controle difuso de constitucionalidade (Recurso Extraordinário), senão vejamos:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. CONCESSÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS. I – Conhecimento excepcional dos embargos de declaração em razão da ausência de outro instrumento processual para suscitar a modulação dos efeitos da decisão após o julgamento pelo Plenário. II – Modulação dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da cobrança da taxa de matrícula nas universidades públicas a partir da edição da Súmula Vinculante 12, ressalvado o direito daqueles que já haviam ajuizado ações com o mesmo objeto jurídico. III – Embargos de declaração acolhidos. (STF, RE 500171, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, p. 03/06/2011)
Dessa forma, em prova de concurso, sobretudo elaborada pelo Cespe, a resposta correta deve ser aquela que indique, para fins de oposição de Embargos de Declaração, a desnecessidade de requerimento da parte quanto à aplicação do art. 27, da Lei n. 9.868/99.

RESUMO DA ÓPERA: Para fins de oposição de Embargos de Declaração, com o propósito de fazer com que o STF analise a aplicação do art. 27, da Lei n. 9.868/99, não há necessidade de requerimento do interessado, em suas informações, nesse sentido.



              


              

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Interrogatório do réu detentor de prerrogativa de foro. Primeiro ou último ato da instrução?



Atualmente, segundo o art. 400, CPP, o interrogatório é o último ato da instrução criminal, muito embora, até o advento da Lei n. 11.719/08, fosse o seu primeiro ato, de forma que o réu era citado para, comparecendo em Juízo, ser interrogado. Assim, somente após a colheita de todo o material probatório (oitiva da vítima, depoimento das testemunhas etc...), é que o réu virá a ser interrogado.

Por outro lado, nos casos de julgamento de crimes de competência originária dos Tribunais Superiores, cujo procedimento vem narrado na Lei n. 8.038/90, o interrogatório continua previsto como o primeiro ato da instrução. É dizer, o réu é citado para interrogatório (art. 7º), oferecendo sua defesa prévia nos 05 dias seguintes (art. 8º). Ou seja, o réu é interrogado primeiro, e depois há a colheita do restante do material probatório

Dessa maneira, é de se questionar: À luz da nova sistemática do CPP, o interrogatório, nos crimes de competência originária dos Tribunais, passa também a ser o último ato da instrução, ou, ao contrário, permanece como o seu primeiro ato?

A matéria ainda não se encontra pacificada!

No STJ, há decisão recente, afirmando a manutenção do interrogatório como primeiro ato da instrução, a saber:


AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INTERROGATÓRIO DO PACIENTE REALIZADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA NOVA OITIVA DO PACIENTE, PERANTE A CORTE DE ORIGEM. APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE PREVÊ A INQUIRIÇÃO DO ACUSADO COMO ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE COM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PROCEDIMENTO REGIDO PELA LEI N. 8.038/90. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Como se sabe, a Lei 8.038/90 regulamenta o procedimento a ser seguido nas ações penais originárias de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, estabelecendo, assim, rito especial em relação ao comum ordinário, previsto no Código de Processo Penal. 3. Por conseguinte, e em estrita observância ao princípio da especialidade, existindo rito próprio para a apuração do delito em tese cometido pelo paciente, autoridade com foro por prerrogativa de função, afastam-se as regras do procedimento comum ordinário, previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação, pressupõe por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese. 4. Se a Lei 8.038/1990 determina que o interrogatório do acusado deve se dar após o recebimento da inicial acusatória, ao passo que o artigo 400 do Código de Processo Penal prevê a realização de tal ato somente ao final da audiência de instrução e julgamento, não há dúvidas de que deve ser aplicada a legislação específica, pois, como visto, as regras do procedimento comum ordinário só têm lugar no procedimento especial quando nele houver omissões ou lacunas. (...) (STJ, HC 121171, Rel. Min. Jorge Mussi, p. 25/04/2011)
No STF, há duas decisões recentes e divergentes entre si. A primeira, mais antiga, de Relatoria do Min. Joaquim Barbosa, segue o entendimento do STJ, mantendo o interrogatório como primeiro ato da instrução. A segunda, de Relatoria do Min. Ricardo Lewandovski, ao revés, determina a adoção da sistemática geral do CPP, de maneira que o interrogatório passaria a ser o último ato da instrução, senão vejamos:

EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. LEI 11.719/2008. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO. ESPECIALIDADE DA LEI 8.038/1990, CUJOS DISPOSITIVOS NÃO FORAM ALTERADOS. INDEFERIMENTO. A Lei 8.038/1990 é especial em relação ao Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.719/2008. Por conseguinte, as disposições do CPP aplicam-se aos feitos sujeitos ao procedimento previsto na Lei 8.038/1990 apenas subsidiariamente, somente “no que for aplicável” ou “no que couber. Daí por que a modificação legislativa referida pelos acusados em nada altera o procedimento até então observado, uma vez que a fase processual em que deve ocorrer o interrogatório continua expressamente prescrita no art. 7º Lei 8.038/1990, o qual prevê tal ato processual como a próxima etapa depois do recebimento da denúncia (ou queixa). Questão de ordem resolvida no sentido do indeferimento da petição de fls. 40.151-40.161 (STF, AP 470 – 8QO, J. 07/10/2010)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou. III – Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AP 528, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24/03/2011)
Particularmente, entendo que deve prevalecer a regra especial, sobretudo porque  a Lei n. 11.719/08 poderia ter revogado ou alterado o disposto no art. 7º, da Lei n. 8038/90, mas não o fez.

Nem se diga, quanto a tal aspecto, que poderia ter a Lei incorrido em omissão, posto que, quando ela desejou atingir, com suas disposições, os procedimentos previstos em legislação especial, ela assim o fez, como se percebe da leitura do art. 396, §4º, CPP, que impõe a adoção do procedimento a todos os procedimentos de 1º grau, ainda que previstos em legislação esparsa.

Ademais, data maxima venia, o fundamento adotado pelo eminente Min. Ricardo Lewandosvki em seu voto, como justificativa para a transferência do interrogatório para o último momento da instrução criminal, não nos convence.

Segundo consta no Informativo n. 620, “registrou-se, tendo em conta a interpretação sistemática do Direito, que o fato de a Lei n. 8.038/90 ser norma especial em relação ao CPP não afetaria a orientação adotada, porquanto inexistiria, na hipótese, incompatibilidade manifesta e insuperável entre ambas as leis. Ademais, assinalou-se que a própria Lei n. 8.038/90 dispõe, em seu art. 9º, sobre a aplicação subsidiária do CPP”.

Ocorre que, salvo melhor juízo, é evidente a incompatibilidade entre as normas em análise. Ora, uma norma afirma que o interrogatório será o primeiro ato da instrução. A outra, em sentido diametralmente oposto, impõe o interrogatório como ato derradeiro da instrução. Como se poderia compatibilizar, então, estas normas?  Ou é uma, ou é outra. No caso, ficamos com a regra especial.

 E mais: Não precisa ser um profundo conhecedor das normas de interpretação/integração do Direito, para se saber que a aplicação subsidiária do dispositivo de uma Lei a outra pressupõe que esta Lei seja omissa na tratativa da matéria. No caso em foco, a Lei n. 8.038/90 não é omissa, pelo contrário, trata expressamente da matéria, não existindo, pois, possibilidade de aplicação subsidiária do CPP.

Por desencargo de consciência, destaco que defendo o interrogatório como último ato da instrução, a fim de que o réu, conhecedor de todas as alegações e provas formuladas contra si, possa comportar-se da melhor forma possível quanto à sua defesa. Porém, não vejo como se possa adotar o entendimento de que, nos crimes sujeitos à Lei n. 8.038/90, o interrogatório seja o último ato da instrução, se a Lei, norma especial em relação ao CPP, longe de ser omissa, é categórica em destacar que o interrogatório será o primeiro ato da instrução. Faz-se necessária, para tanto, a modificação da Lei n. 8.038/90.



 RESUMO DA ÓPERA: Ainda não há um posicionamento pacífico do STF e do STJ a respeito do tema, embora a posição mais recente do STF é no sentido de que o ato do interrogatório passou a ser o último ato da instrução, inclusive nos processos de competência originária dos Tribunais.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Qual o momento do início do prazo decadencial do MS para impugnar regra prevista no Edital?



               Qual o termo inicial do prazo de 120 dias para que o candidato impetre Mandado de Segurança questionando a validade de cláusula ou regra contida no Edital de abertura do certame?

           Durante muito tempo, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça sinalizava que o prazo já começaria a contar a partir da data de publicação do Edital. Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CURSO DE FORMAÇÃO. SOLDADO/PM. REGRAS DO EDITAL. LIMITAÇÃO DE IDADE. TERMO INICIAL. DATA DE PUBLICAÇÃO DO EDITAL. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a publicação do edital é o termo a quo para a impetração de mandado de segurança destinado a impugnar exigências fixadas para a realização do concurso público. II - Agravo interno desprovido (STJ, AgRg no Resp 1161988, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 22/11/2010)
              
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. REGRAS DO EDITAL. CIÊNCIA DO ATO IMPUGNADO. DATA DE PUBLICAÇÃO DO EDITAL. DECADÊNCIA CONFIGURADA. NOTA OBTIDA NOS TÍTULOS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO CONHECIMENTO DA INSURGÊNCIA. PROVA ORAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. INEXISTÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual o prazo decadencial do direito de impetrar mandado de segurança começa a fluir da data da publicação do edital do concurso público quando o candidato se insurge contra as regras contidas em referido instrumento convocatório (...) (STJ, RMS 27673, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, p. 02/08/2010)


            Era o tal do “fale agora, ou cale-se para sempre”.

            Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no julgamento do AgR no MS n. 29874, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes, debruçando-se sobre o tema, decidiu que o prazo decadencial de 120 dias deve ser contado a partir do momento em que a cláusula ou regra possa causar prejuízo (=ser aplicada) ao candidato, e não a contar da data de publicação do Edital.

               Confira-se:     

Agravo em mandado de segurança. 1. Concurso Público. 2 Impetração contra a eliminação do candidato na fase de Teste de Aptidão Física, que se aponta como ilegal. 3. Preliminar de Decadência. Termo inicial do prazo decadencial: data do efetivo prejuízo capaz de configurar violação a direito líquido e certo – no caso, eliminação no Teste de Aptidão Física. 4. Decadência afastada para determinar o prosseguimento do writ. Agravo a que se dá provimento

            Em atenção à orientação do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça começou a rever a sua posição antes consolidada, a saber:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO AMAZONAS. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. EDITAL. EXIGÊNCIA DA COMPROVAÇÃO DE DOIS ANOS DE EXPERIÊNCIA ANTES DA POSSE. ELIMINAÇÃO DA CANDIDATA. DECADÊNCIA DO MANDAMUS. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. MOMENTO EM QUE O ATO COATOR SE TORNA EFICAZ. (...) 3. Não configura ato coator a exigência que, no momento da publicação do edital, não fere o direito líquido e certo da candidata, detentora, tão somente, da mera expectaticva em ser aprovada. 4. O termo a quo para a fluência do prazo decadencial é o ato administrativo que determina a eliminação da candidata, e não a mera publicação do respectivo edital. Precedentes. (STJ, AgRg no Resp 1261679, Rel. Min. Castro Meira, p. 10/11/2011).
 ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAME DE APTIDÃO FÍSICA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ATO LESIVO. ART. 18 DA LEI 1.533/51. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. (...) 2. O acordão recorrido alinha-se à jurisprudência do STJ, no sentido de que o prazo decadencial tem início com o ato concreto que prejudica o candidato no decorrer do certame, e não com a publicação do edital. (...) (STJ, AgRg no Resp 1269416, Rel. Min. Herman Benjamin, p. 17/10/2011).

               Particularmente, acho correto o posicionamento segundo o qual o prazo decadencial deve ser contado a partir do momento em que a regra do Edital venha efetivamente a prejudicar interesse do candidato, e não a partir da divulgação do Edital, por uma questão de interesse de agir, seja interesse-utilidade, seja interesse-necessidade.

             De fato, qual é a utilidade em o candidato impugnar uma cláusula do edital que poderá jamais ser a ele aplicada? Por outro lado, qual seria a necessidade de impugnar tal regra, considerando-se a possibilidade de o candidato não alcançar êxito nas etapas anteriores do concurso e, por conseguinte, sequer chegar ao momento do certame no qual a regra venha a incidir?

               Penso eu que a tese de se exigir a impetração do Mandado de Segurança logo da publicação do Edital enseja a propositura de diversas demandas inutéis e desnecessárias, diante de um Judiciário já abarrotado de processos, especialmente devido ao fato de que, em muitas das vezes, o processo fatalmente virá a ser extinto por perda de objeto, ante a desclassificação do candidato em etapa anterior do concurso.

             Entendo, além disso, que o posicionamento anterior pode ser refutado por dois outros argumentos, a saber:

             O primeiro decorre da aplicação da Súmula 266, STF, pois não é cabível a impetração de MS contra ato normativo em tese, mas apenas contra atos administrativos praticados com base naquele ato normativo. No caso, estar-se-ia a impugnar o ato normativo propriamente dito (Edital), e não o ato a vir a ser praticado com fundamento no ato normativo (Edital).

               O segundo argumento consiste no fato de que, ainda que se entenda que, nesses casos, o candidato busca impugnar eventual ato administrativo a ser praticado com respaldo na norma contida no Edital, e não o Edital em si mesmo, seria inaplicável o prazo de 120 dias, posto que se estaria a tratar de Mandado de Segurança preventivo, em relação ao qual não se aplica o prazo decadencial.

RESUMO DA ÓPERA: Segundo o STF, o prazo decadencial de 120 dias para impetração de MS contra cláusulas e regras previstas no Edital do concurso inicia-se a partir do momento em que ela possa ser efetivamente aplicada ao candidato e, portanto, possa ocasionar-lhe prejuízo.

  


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Você já ouviu falar em "Prefeito itinerante"? O TSE já..

              

                Atualmente, a Constituição Federal admite a hipótese de reeleição do Chefe do Poder Executivo, para um único período subsequente, nos termos do art. 14, §5º. 

               Hipótese curiosa, que retrata prática comum nos pequenos municípios do nosso Brasil, diz respeito à figura do chamado “prefeito itinerante”.

               O “prefeito itinerante” é aquele que, após exercer o mandato decorrente da reeleição (e, portanto, estando inelegível para um outro mandato subsequente no Município), transfere seu domicílio eleitoral para um  Município vizinho, vindo a se eleger Prefeito desse outro Município. Após o mandato, ele pode “voltar” e se candidatar a Prefeito do primeiro Município ou candidatar-se à Prefeitura de Município terceiro, e assim sucessivamente, perpetuando-se no poder.

               Contextualizada a expressão, surge a dúvida: É possível a prática da candidatura itinerante?

               A jurisprudência do TSE formou-se no sentido de reconhecer a inelegibilidade do “prefeito itinerante”, sob o argumento de que tal prática caracterizaria, na verdade, má-fé e fraude do candidato, almejando o exercício do terceiro mandato sucessivo, ensejando a perpetuação da pessoa no cargo, indo de encontro ao espírito e à finalidade da norma que veda a reeleição indeterminada, que é justamente permitir a alternância do poder. Cite-se, por exemplo, o Resp 35880, Rel. Min. Arnaldo Versiani.

               Em obiter dictum, é importante acentuar que o TSE não admite a figura do “prefeito itinerante”, por considerá-la fraude do candidato, de maneira que, não restando caracterizado o elemento subjetivo de índole negativa, afasta-se a inelegibilidade. Com esse entendimento, recentemente, o TSE negou o reconhecimento da condição de “prefeito itinerante” ao Prefeito de Florianopólis, eleito e reeleito Prefeito do Município vizinho de São José, posto que a transferência do domicílio eleitoral para Florianópolis foi alvo de Consulta formulada ao Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, de modo que o candidato agiu embasado naquilo que a Justiça Eleitoral lhe dissera, inexistindo má-fé ou fraude (Resp 35906).

               Vale mencionar a consideração feita pelo Min. Marco Aurélio, um dos que são contrários à tese da inelegibilidade do “prefeito itinerante”, por ocasião no julgamento do Resp 35880 acima comentado, em defesa de seu posicionamento, verbis:

 “O que a Constituição veda é a reeleição, não que aquele cidadão concorra a um mandato em município diverso. Não se pode partir para a ficção jurídica e entender que no caso há uma terceira candidatura, ou seja, uma tentativa de reeleição”.    
                 A respeito do tema, comungo da opinião de que não se pode extrair, do art. 14, §5º, CF, a proibição da candidatura à Prefeito em um Município vizinho, após ter sido eleito e reeleito em outro Município.

               Como se sabe, normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente, notadamente quando se refiram ao exercício dos direitos políticos do cidadão, nesse caso, do direito de elegibilidade (=ser votado). Reeleição é eleger-se novamente para o mesmo cargo eletivo atualmente exercido, dentro da mesma circunscrição eleitoral, e não eleger-se, originariamente, para cargo eletivo equivalente, mas em circunscrição eleitoral distinta.

               Se aplicarmos essa lógica ao mandato de Governador, seria possível afirmar que o Governador da Paraíba, eleito e reeleito, estaria concorrendo ao terceiro mandato sucessivo, se fosse candidato ao Governo de Pernambuco ou do Rio Grande do Norte?

               Cremos que não, do que se percebe que, na verdade, essa interpretação é bastante casuística, considerando apenas as eleições municipais. Mas, partindo do pressuposto da correção de seu fundamento jurídico, a inelegibilidade deveria ser aplicada também nas eleições estaduais, onde fica flagrante, a nosso sentir, o desacerto da tese.

                 Atualmente, o tema encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal (AC 2821, Rel. Min. Luiz Fux). O Relator votou contrariamente à legitimidade do “prefeito itinerante”, e o Min. Gilmar Mendes pediu vistas dos autos.

RESUMO DA ÓPERA: O TSE não admite a figura do “prefeito itinerante”, o qual se encontra inelegível, por força do art. 14, §5º, CF, ante a conduta de má-fé do candidato.