domingo, 27 de outubro de 2013

O desconhecimento da comunidade juridica sobre a regulamentação da investigação criminal do MP

            No último informativo do STF, há voto do Ministro Gilmar Mendes que, salvo melhor juízo, denota bem o desconhecimento da comunidade jurídica a respeito das investigações criminais realizadas pelo Ministério Público.
            Imaginam, eu acho, que as investigações ocorrem às escondidas, sem qualquer tipo de formalização e publicação dos atos. Igualmente, pensam que as investigações podem durar ad eternum e não possuem controle de prazo. Defendem, ainda, que não há controle sobre os excessos praticados pelo Ministério Público. Por fim, aduzem haver negativa de acesso do investigado aos autos.
            Vejamos:

Poder de investigação do Ministério Público - 3

Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atuação não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a) observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b) formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c) comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d) autuar, numerar e controlar a distribuição; e) dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f) juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g) garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h) observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; i) respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j) observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento.
RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

            O denominado Procedimento Investigatório Criminal é regulamentado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, através da Resolução n. 77/04 (há quase 10 anos), e pelo Conselho Nacional do Ministério Público, através da Resolução n. 13/2006. Recomendo, a título de curiosidade, que os leitores deem uma breve olhada nos textos, a fim de que possam observar que todas as “recomendações” citadas na decisão acima mencionada já se encontram devidamente regulamentadas.
            Verifica-se, portanto, que todo e qualquer ato investigatório realizado pelo Ministério Público deve ser precedido de instauração de procedimento extrajudicial, com Portaria delimitando o seu objeto, e, pelo menos no âmbito do MPF, publicada eletronicamente no site da PGR e comunicada à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão.
            Além disso, as investigações possuem prazo máximo de 90 dias, que podem ser prorrogados sempre por mais 90 dias. Deve-se lembrar que o Inquérito Policial também pode ser prorrogado inúmeras vezes.
            Outrossim, a regulamentação prevê – diferentemente do que ocorre no Inquérito Policial – que o investigado deverá, sempre que possível, ser notificado, para manifestar-se nos autos, podendo valer-se, se quiser, de advogado.
            O investigado, assim como qualquer cidadão, tem direito de acesso aos autos, salvo hipótese de decretação de seu sigilo.
            Além disso, em caso de arquivamento das investigações, as Resoluções determinam que o investigado deve ser comunicado da decisão, o que não ocorre quando há o arquivamento do Inquérito Policial.
            Ainda sobre o arquivamento, o Procurador da República deve submeter a sua decisão à homologação, seja pelo Poder Judiciário, tal como o Inquérito, seja pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, que pode não concordar com o arquivamento e designar outro membro para atuar no feito. Embora a decisão do STF cite a necessidade de controle judicial, certo é que a doutrina moderna, à luz do sistema acusatória, tece severas críticas ao art. 28, CPP, destacando não competir ao Juiz analisar a decisão de arquivamento, mas sim o próprio Ministério Público, titular da Ação Penal.
            Eventuais excessos praticados pelo Ministério Público podem – à maneira do Inquérito Policial, serem objeto de análise pelo Poder Judiciário, por intermédio, p.ex, de Habeas Corpus, assim como eventuais descumprimentos das Resoluções podem ensejar a atuação correicional da Corregedoria do órgão e do CNMP.
           


sábado, 5 de outubro de 2013

art. 19, Lei n. 7.492/86. Financiamento fraudulento. Financiamento x Empréstimo, na visão do STJ

Um crime que é mais comum do que parece é a obtenção de financiamento fraudulento, figura típica prevista no art. 19, da Lei 7.492/86, a saber:

 Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:

No entanto, é importante não confundir financiamento – elementar do tipo penal – com empréstimo. São coisas distintas e somente o financiamento fraudulento caracteriza o crime acima citado. O empréstimo fraudulento pode configurar outro tipo de crime, tal como o estelionato.

Pois bem. Qual a distinção, então, entre empréstimo e financiamento? A finalidade dos recursos financeiros obtido. No caso do empréstimo, obtém-se um valor que poderá ser gasto em qualquer finalidade desejada pelo contraente. Por outro lado, no financiamento, os recursos financeiros são liberados com a condição de que sejam empregados em uma finalidade específica pré-determinada.

Assim, se o sujeito quer o dinheiro para adquirir o que for de seu interesse, haverá empréstimo. Se ele quer algum bem, móvel ou imóvel, e obtém o dinheiro para custear essa aquisição específica, é financiamento.

O Superior Tribunal de Justiça já tem jurisprudência consolidada no sentido de que o crime do art. 19 só ocorrerá em caso de financiamento, senão vejamos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE FRAUDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Na esteira de julgados da Terceira Seção desta Corte, o tipo penal do art. 19 da Lei nº 7.492/86 exige que o financiamento tenha vinculação certa, distinguindo-se do empréstimo que possui destinação livre. 2. No caso, conforme apurado, o contrato celebrado mediante fraude envolvia valores com finalidade certa, qual seja, a aquisição de veículo automotor. A conduta em apreço, ao menos em tese, se subsume ao tipo previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, que, a teor do art. 26 do mencionado diploma, deverá ser processado perante a Justiça Federal. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, o suscitante. (STJ, CC120412, Rel. Min. Alderita Ramos, p. 30/08/13)


 




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Dicas para AGU- Procurador Federal.

Prezados,

Recebi algumas mensagens com pedidos de comentários e dicas sobre preparação e bibliografia para a segunda fase da prova da AGU - Procurador Federal. Dessa forma, tentarei, em resumo, expor algumas opiniões a respeito disso e relatar como eu me preparava. Destaco, de logo, para não gerar mal entendido, que irei expor a minha opinião. Não necessariamente é a verdade, ou a melhor forma de se preparar. Existem diversas formas de preparação, é preciso que cada uma ache a sua. Não pretendo expor "O" caminho a ser trilhado, muito menos que vocês assim interpretem este texto. É uma mera opinião. Mas uma opinião sincera de quem, diferentemente de muitos que se auto-intitulam "as autoridades em concursos", mesmo sem ter feito concurso algum, ou feito um ou outro, dedicou uns seis ou sete anos da vida a estudar e participar de concursos públicos. Fiz - e fui aprovado - em concursos da Advocacia Pública, nas três esferas: AGU, PGE e PGM. 

Pois bem.

Existem dois tipos de concursos: Os que as fases objetiva e subjetiva são juntas e aqueles em que as provas são separadas, isto é, primeiro tem a prova objetiva, depois tem a prova subjetiva. No segundo caso, o candidato tem a oportunidade de se preparar com foco na primeira fase e depois, se aprovado, dedicar-se à preparação para a segunda fase. Porém, no primeiro caso, é preciso fazer uma preparação, digamos, mista, voltada simultaneamente para as duas fases. 

Ao que me parece, a AGU - Procurador Federal será tudo no mesmo final de semana. Ou seja, é exemplo do primeiro caso. Portanto, tentarei comentar alguma coisa sobre como estudar para esse tipo de concurso.

1 - Estudar a lei secaComo você fará prova objetiva, é essencial que você tenha conhecimento da lei seca. É ingenuidade acreditar que os concursos "de ponta" não cobra lei seca. Cobram sim, e muito. E muita coisa besta, que você aprende e decora com cinco minutos de leitura e te garantem pontos valiosos.Vou dar dois exemplos básicos. Em concursos que tenha Ambiental e Econômico, leia o art. 225 e a parte da ordem econômica na CF. Asseguro a você, sem a menor chance de errar, que cairá, no mínimo, uma questão de lei seca sobre a matéria. Questão copiada da CF e colada na prova.  Em resumo: Ler a lei seca te garante algumas questões importantes na prova. 


2 - Jurisprudência e informativos: Sobretudo em prova da CESPE, é tão importante quanto a lei seca. É preciso estar atualizado na leitura dos informativos. Atualmente, existem diversos sites e livros que tratam dos informativos. Em passagem anterior no blog, expliquei o meu método de estudá-los. A CESPE extrai diversas questões de decisões publicadas em informativos. Control C + Control V. A prova disso é que, quando você vai corrigir a prova, basta copiar o texto da questão na busca do STF ou do STJ, que você achará o Acordão correspondente. 


3 - Doutrina: Em prova objetiva, principalmente da CESPE, não tem muita vez. Sem dúvidas, o ideal é ter bom conhecimento da lei seca, da jurisprudência e da doutrina. Porém, feliz ou infelizmente, se for para pecar em um deles, eu não teria a menor dúvida de afirmar que é melhor pecar na doutrina. A CESPE não cobra muito doutrina na 1ª fase, até porque tem doutrina para todo lado, o que facilita os recursos e anulações. Todavia, em algumas matérias, ainda vale a pena estudar bem a doutrina. Cito, p.ex, constitucional (a parte introdutória, direitos fundamentais, controle de constitucionalidade etc...). A CESPE sempre cobra algumas questões doutrinárias sobre constitucional. 
Quanto à segunda fase, a doutrina já tem um pouco mais de chance de ser cobrada, razão pela qual é preciso estudá-la, principalmente naquelas matérias mais importantes para o cargo em disputa. P.ex, prova da PFN você tem que dominar tributário, mas não precisa ser nenhuma autoridade em penal e processo penal. Prova de Procurador Federal, deve-se focar mais em administrativo, processo e previdenciário, e nem tanto em penal, tributário etc... É preciso estar atento às teses favoráveis à Fazenda Pública (atenção com os recursos repetitivos). 
Pergunta: Vale a pena estudar doutrina em penal e processo penal? Sinceramente, acho que não. No máximo, um manual básico. O que vale a pena, então? Constitucional, previdenciário, administrativo, processo civil etc..

O nome disso é estratégia de estudos. Você não vai ser expert em todas as matérias, portanto, você precisa saber dosar o que deve ser estudado bem e o que só se deve ter uma noção básica das coisas. Qual a chance de cair uma questão doutrinária complexa sobre penal? Mínima. Qual a chance de cair uma questão doutrinária complexa sobre administrativo? Razoável para grande. Devo estudar as duas matérias com a mesma intensidade? A meu ver, não. 


4 - Peças e pareceres: É uma grande preocupação dos candidatos. É preciso aprofundar os estudos na forma das peças e pareceres, ou é melhor focar no conteúdo? Fazer, ou não, os cursinhos de redação de peças e pareceres? Ler, ou não, livros sobre peças e pareceres? A única peça processual que eu me preparava era sentença. O resto eu não lia nada a respeito, nem fazia curso de redação. Porque eu trabalhava, na prática, com petição inicial, contestação, agravo, apelação, RE/REsp etc... Ou seja, se você já lida com isso na prática (seja estagiando, advogando ou no cargo que você exerce) acho que é pura perda de tempo se preocupar com a forma das peças. Não é isso que a CESPE vai te cobrar. É lógico que você precisa saber basicamente como fazer a peça. Por exemplo, você tem que saber que, no caso do Agravo de Instrumento, você vai endereçar para o Tribunal, e não no 1º grau. Por outro lado, na Apelação, você interpõe no 1º grau. Essas coisas básicas. 
Mas, repito, os concursos não vão ser rigorosos quanto á forma, até porque não dá para fazer uma peça formalmente boa em num sei quantas linhas...
Você precisa ter a noção de como a peça deve ser feita. Se você tem essa noção na prática, ótimo. Se não tem, e caso não queira fazer cursinho, a dica que dou é pedir a alguma pessoa conhecida que trabalhe na área o envio de modelos de peças para você ler. 
Friso: O importante mesmo é o conteúdo da peça ou parecer. Se você não fizer uma peça ou parecer formalmente absurdo, você não vai ser prejudicado. A diferença, logicamente, está no "mérito" da peça. Portanto, o foco dos estudos deve ser o direito material, para que você saiba fundamentar a peça. 


5 - Revisões: Acredito que já postei isto anteriormente, mas explicarei como gostava de revisar para as provas objetivas. Eu juntava várias provas de concursos recentes, principalmente da mesma banca. Algo em torno de 10 a 15 provas objetivas. Programava-me para concluir os estudos uns 15, 10 dias antes da prova. Nesse último período, eu me dedicava a revisar súmulas (sugiro que nos dois últimos dias, sejam lidas as súmulas, sempre cai alguma coisa na prova) e a responder as provas. Entretanto, eu não me resumia apenas a responder o que tava sendo perguntado. Para cada pergunta, eu fazia uma espécie de exposição - para a parede mesmo - daquele assunto, tentando lembrar da lei, de decisões importantes sobre ele e de questões doutrinárias existentes. Exemplo: Uma pergunta que pergunta o prazo decadencial do MS. Eu não apenas marcava a resposta que afirmava ser 120 dias e passava para a próxima questão. Eu tentava relembrar tudo que eu estudei sobre MS. Depois dava uma olhada nos livros, para ver se faltou algo importante. Se percebesse que tava fraco naquele assunto, dava uma lida um pouco mais detida sobre ele. 
Através deste método, você consegue forçar a sua memória a trabalhar todos os aspectos da matéria, e não apenas aquele ponto específico que está sendo cobrado. 


Espero que esses comentários possam servir para alguém. Repito que não se trata da forma correta a ser adotada, ou de como você deve fazer, senão jamais passará em concurso. É a minha opinião, é o que eu fiz e, para mim, deu certo. Outras pessoas podem ter feito a mesma coisa e não ter dado certo. Assim como outras pessoas podem ter feito totalmente diferente e ter dado certo. 







quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Direito de Defesa: Defesa técnica e autodefesa

A postagem de hoje é um breve resumo sobre o direito de defesa no processo penal.

De acordo com a doutrina, o direito de defesa deve ser analisado em dois aspectos:

              (a)defesa técnica; e

(b) autodefesa.

A defesa técnica é aquela desempenhada por profissional habilitado, com capacidade postulatória. É obrigatória e indispensável, mesmo contra a vontade do réu (art. 261, CPP). Pode ser exercida pelo advogado constituído pelo réu, por um Defensor Público ou, por fim, por um defensor dativo, nomeado pelo Juízo. A ausência de defesa técnica é causa de nulidade absoluta do processo.

Ademais, o réu tem o direito de escolher o seu defensor, razão pela qual não cabe ao Juízo indicar, de logo, um novo defensor, em caso da renúncia do defensor anterior (Sumula n. 708, STF, aplicável por analogia). Deve o réu ser intimado para constituir um novo defensor e, somente se ele se omitir, é que o Juízo poderá nomear um defensor dativo.

E se o defensor do réu não oferecer Alegações Finais? Deve o Juiz intimar o réu para constituir um novo defensor, ou pode nomear um defensor imediatamente? A jurisprudência é vacilante. Há corrente que entende que o réu deve ser intimado para constituir um novo advogado (STJ, HC154250; HC 195783), como também há corrente que entende que o Juiz pode nomear, de logo, um defensor dativo (STF, HC107780; STJ, HC 161653; RHC 26252). O que não pode, em atenção ao princípio da ampla defesa e do contraditório, é o réu não oferecer Alegações Finais.

Lembrar que, no caso de processos administrativos, o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante n. 05, consignou que a defesa não precisa ser formulada por advogado. Contudo, atenção para a questão do procedimento que apura a prática de falta grave. Nesta hipótese, o STF entende que há necessidade da presença de advogado, haja vista os reflexos penais da falta grave (STF, RE398269; STJ, HC171364).

Por outro lado, a autodefesa é a defesa exercida pelo próprio réu, desdobrando-se em três vertentes, a saber: (a) direito de presença, (b) direito de audiência e (c) direito de postular.

No primeiro aspecto, está compreendido o direito de o réu participar dos atos processuais, acompanhando o andamento do processo e a produção probatória. Por tal razão, o réu tem o direito de ser intimado para comparecer à audiência. Entretanto, se for intimado e não comparecer a um ato processual, poderá ser decretada a sua revelia (art. 367, CPP), e o processo prosseguirá sem a sua intimação.

O direito de audiência configura-se na prerrogativa de o réu, se quiser, ter contato direto com o Juiz e expor a sua versão sobre os fatos que lhe são imputados. Corporifica-se no interrogatório, que, atualmente, é considerado meio de defesa, e não meramente um meio de prova. É essa a razão pela qual o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instrução e passou a ser o último. Ora, se é meio de defesa do réu, o momento mais propício para a sua ocorrência é após a produção de todas as provas, de maneira que o réu tenha consciência das provas que foram produzidas em seu favor e em seu desfavor e possa formar seu convencimento sobre a melhor estratégia para a sua defesa.

Há doutrina que enxerga o direito de audiência em duas óticas: na ótica positiva, o réu tem a possibilidade de se manifestar sobre os fatos e expor a sua versão, a fim de influenciar a formação do convencimento do Juízo; na ótica negativa, o réu tem o direito de manter-se em silêncio, e este silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo.

Por fim, o direito de o réu postular dá-se em casos em que a legislação admite que ele formule pretensões, mesmo sem a presença de um advogado. Por exemplo, o réu pode interpor recurso de Apelação, pode impetrar Habeas Corpus e ajuizar Revisão Criminal.  Por tal razão, o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença condenatória (art. 392, CPP).

A regra do art. 366, CPP, que prevê a suspensão do processo quando o réu, citado por Edital, não comparecer nem constituir advogado, também é decorrência da autodefesa, posto que, considerando-se que a citação editalícia é ficta, provavelmente sequer o réu terá conhecimento da Ação Penal em seu desfavor, de modo que não poderá estar presente aos atos processuais tampouco ser interrogado.



quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Peculato de uso é crime?

Prezados,


Destaco uma decisão do STF publicada no último Informativo n. 712:

Peculato de uso e tipicidade (INFO 712)

É atípica a conduta de peculato de uso. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma deu provimento a agravo regimental para conceder a ordem de ofício. Observou-se que tramitaria no Parlamento projeto de lei para criminalizar essa conduta.
HC 108433 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2013. (HC-108433)

O crime de peculato nada mais é do que a apropriação indébita praticada por agente público, estando tipificado no art. 312, CP. Para a sua caracterização, é preciso que o agente tenha o animus, a intenção de apoderar-se da coisa (tê-la como sua) ou desviá-la em favor de terceiro (tê-la como de terceiros).
Dessa forma, se ele apenas usa a coisa, com a intenção de devolvé-la posteriormente, não estaria configurado o elemento subjetivo do tipo, sendo a conduta, portanto, atípica, como sinalizado pelo STF neste julgamento.
Porém, há uma exceção, que pode ser cobrada em concurso público: No Decreto-lei n. 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade de Prefeitos, há a tipificação do peculato de uso, no art. 1º, inciso II, a saber:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (peculato normal)
Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; (peculato de uso)


Assim, se o Prefeito utiliza veículos da Prefeitura em proveito próprio, p.ex, para levar materiais de construção para o terreno onde ele está construindo a sua casa, estará configurado o crime do art. 1º, inciso II, que, para boa parte da doutrina, é hipótese de peculato de uso.
Percebem que o núcleo do tipo é “utilizar-se”, o que permite o seu uso momentâneo. Caso haja apropriação ou desvio, de forma permanente, o crime será o do inciso I.


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

STF e a teoria da dupla imputação nos crimes ambientais

 Prezados leitores,

Venho chamar a atenção de vocês para uma questão certa nos próximos concursos. Trata-se de recente decisão do STF afastando a necessidade de que, nos crimes ambientais, caso a pessoa jurídica seja denunciada, a pessoa física responsável também deveria ser. É a chamada teoria da “dupla imputação”, que vinha sendo adotada pelo STJ.

Vejamos os dois entendimentos (primeiro, o do STF; depois, o do STJ):

Primeira Turma admite abertura de ação penal contra Petrobras
Por maioria de votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a possibilidade de se processar penalmente uma pessoa jurídica, mesmo não havendo ação penal em curso contra pessoa física com relação ao crime. A decisão determinou o processamento de ação penal contra a Petrobras, por suposta prática de crime ambiental no ano de 2000, no Paraná.
Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal do Paraná, o rompimento de um duto em refinaria situada no município de Araucária, em 16 de julho de 2000, levou ao derramamento de 4 milhões de litros de óleo cru, poluindo os rios Barigui, Iguaçu e áreas ribeirinhas. A denúncia levou à instauração de ação penal por prática de crime ambiental, buscando a responsabilização criminal do presidente da empresa e do superintendente da refinaria, à época, além da própria Petrobras.
Em habeas corpus julgado em 2005 pela Segunda Turma do STF, o presidente da Petrobras conseguiu trancamento da ação penal, alegando inexistência de relação causal entre o vazamento e sua ação. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 6ª Turma concedeu habeas corpus de ofício ao superintendente da empresa, trancando também a ação contra a Petrobras, por entender que o processo penal não poderia prosseguir exclusivamente contra pessoa jurídica. Contra a decisão, o Ministério Público Federal interpôs o Recurso Extraordinário (RE) 548181, de relatoria da ministra Rosa Weber, levado a julgamento na sessão desta terça (6) da Primeira Turma.
Relatora
Segundo o voto da ministra Rosa Weber, a decisão do STJ violou diretamente a Constituição Federal, ao deixar de aplicar um comando expresso, previsto no artigo 225, parágrafo 3º, segundo o qual as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitam as pessoas físicas e jurídicas a sanções penais e administrativas. Para a relatora do RE, a Constituição não estabelece nenhum condicionamento para a previsão, como fez o STJ ao prever o processamento simultâneo da empresa e da pessoa física.
A ministra afastou o entendimento do STJ segundo o qual a persecução penal de pessoas jurídicas só é possível se estiver caracterizada ação humana individual. Segundo seu voto, nem sempre é o caso de se imputar determinado ato a uma única pessoa física, pois muitas vezes os atos de uma pessoa jurídica podem ser atribuídos a um conjunto de indivíduos. “A dificuldade de identificar o responsável leva à impossibilidade de imposição de sanção por delitos ambientais. Não é necessária a demonstração de coautoria da pessoa física”, afirmou a ministra, para quem a exigência da presença concomitante da pessoa física e da pessoa jurídica na ação penal esvazia o comando constitucional.
A relatora também abordou a alegação de que o legislador ordinário não teria estabelecido por completo os critérios de imputação da pessoa jurídica por crimes ambientais, e que não haveria como simplesmente querer transpor os paradigmas de imputação das pessoas físicas aos entes coletivos. “O mais adequado do ponto de vista da norma constitucional será que doutrina e jurisprudência desenvolvam esses critérios”, sustentou.
Ao votar pelo provimento do RE, a posição da relatora foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física – quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a Empresa Recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados. (STJ, RMS37293, Rel. Min. Laurita Vaz, p. 09/05/2013)


domingo, 4 de agosto de 2013

INFO 522, STJ, e três importantes decisões em processo penal

Prezados,

No último Informativo do STJ, há três interessantes decisões na esfera do processo penal. Vamos a elas.

1 – Na exceção de verdade contra autoridade com prerrogativa de foro, há que se diferenciar o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. O primeiro compete ao Juiz da causa, que deverá avaliar os requisitos necessários à exceção, bem como instrui-la. O juízo de mérito compete ao Tribunal perante o qual a autoridade possui prerrogativa de foro. É o que prevê o art. 85, CPP. Assim, o Tribunal irá apenas julgar a exceção, mas o seu recebimento e processamento competem ao juízo da causa.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DE EXCEÇÃO DA VERDADE OPOSTA EM FACE DE AUTORIDADE QUE POSSUA PRERROGATIVA DE FORO.
A exceção da verdade oposta em face de autoridade que possua prerrogativa de foro pode ser inadmitida pelo juízo da ação penal de origem caso verificada a ausência dos requisitos de admissibilidade para o processamento do referido incidente. Com efeito, conforme precedentes do STJ, o juízo de admissibilidade, o processamento e a instrução da exceção da verdade oposta em face de autoridades públicas com prerrogativa de foro devem ser realizados pelo próprio juízo da ação penal na qual se aprecie, na origem, a suposta ocorrência de crime contra a honra. De fato, somente após a instrução dos autos, caso admitida a exceptio veritatis, o juízo da ação penal originária deverá remetê-los à instância superior para o julgamento do mérito. Desse modo, o reconhecimento da inadmissibilidade da exceção da verdade durante o seu processamento não caracteriza usurpação de competência do órgão responsável por apreciar o mérito do incidente. A propósito, eventual desacerto no processamento da exceção da verdade pelo juízo de origem poderá ser impugnado pelas vias recursais ordinárias. Rcl 7.391-MT, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/6/2013.

2 – No caso de superveniência de fato que enseje prerrogativa de foro, não há necessidade de ratificação da Denúncia já oferecida, uma vez que tais atos foram praticados pelo Promotor Natural. Exemplo: Cidadão é denunciado pelo Procurador da República oficiante perante a Justiça Federal de 1º Grau em junho de 2012. Em outubro, ele vence as eleições para Prefeito e é empossado em janeiro/2013. Nessa hipótese, o Juízo Federal deverá remeter os autos ao TRF, que dará prosseguimento ao feito, sem necessidade de ratificação, pelo Procurador Regional, da Denúncia oferecida.
CUIDADO: Se, no momento do oferecimento da Denúncia, já existia a prerrogativa de foro, haverá necessidade de sua ratificação pelo Promotor Natural.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RATIFICAÇÃO DA DENÚNCIA NA HIPÓTESE DE DESLOCAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE SUPERVENIENTE PRERROGATIVA DE FORO DO ACUSADO.
Não é necessária a ratificação de denúncia oferecida em juízo estadual de primeiro grau na hipótese em que, em razão de superveniente diplomação do acusado em cargo de prefeito, tenha havido o deslocamento do feito para o respectivo Tribunal de Justiça sem que o Procurador-Geral de Justiça tenha destacado, após obter vista dos autos, a ocorrência de qualquer ilegalidade. Isso porque tanto o órgão ministerial que ofereceu a denúncia como o magistrado que a recebeu eram as autoridades competentes para fazê-lo quando iniciada a persecução criminal, sendo que a competência da Corte Estadual para processar e julgar o paciente só adveio quando iniciada a fase instrutória do processo. Assim, tratando-se de incompetência superveniente, em razão da diplomação do acusado em cargo detentor de foro por prerrogativa de função, remanescem válidos os atos praticados pelas autoridades inicialmente competentes, afigurando-se desnecessária a ratificação de denúncia oferecida. Desse modo, não há que se falar em necessidade de ratificação da peça inaugural, tampouco da decisão que a acolheu, uma vez que não se tratam de atos nulos, mas válidos à época em que praticados. Ademais, não tendo o órgão ministerial — após análise da denúncia ofertada e dos demais atos praticados no Juízo inicialmente competente — vislumbrado qualquer irregularidade ou mácula que pudesse contaminá-los, conclui-se, ainda que implicitamente, pela sua concordância com os termos da denúncia apresentada. HC 202.701-AM, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.

3 – Após o oferecimento da resposta à acusação, o Juiz poderá, não só absolver sumariamente o réu, mas também reconsiderar a decisão de recebimento da Denúncia, e rejeitá-la.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA APÓS A DEFESA PRÉVIA DO RÉU.
O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do CPP, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do CPP, suscitada pela defesa. Nos termos do art. 396, se não for verificada de plano a ocorrência de alguma das hipóteses do art. 395, a peça acusatória deve ser recebida e determinada a citação do acusado para responder por escrito à acusação. Em seguida, na apreciação da defesa preliminar, segundo o art. 397, o juiz deve absolver sumariamente o acusado quando verificar uma das quatro hipóteses descritas no dispositivo. Contudo, nessa fase, a cognição não pode ficar limitada às hipóteses mencionadas, pois a melhor interpretação do art. 397, considerando a reforma feita pela Lei 11.719/2008, leva à possibilidade não apenas de o juiz absolver sumariamente o acusado, mas também de fazer novo juízo de recebimento da peça acusatória. Isso porque, se a parte pode arguir questões preliminares na defesa prévia, cai por terra o argumento de que o anterior recebimento da denúncia tornaria sua análise preclusa para o Juiz de primeiro grau. Ademais, não há porque dar início à instrução processual, se o magistrado verifica que não lhe será possível analisar o mérito da ação penal, em razão de defeito que macula o processo. Além de ser desarrazoada essa solução, ela também não se coaduna com os princípios da economia e celeridade processuais. Sob outro aspecto, se é admitido o afastamento das questões preliminares suscitadas na defesa prévia, no momento processual definido no art. 397 do CPP, também deve ser considerado admissível o seu acolhimento, com a extinção do processo sem julgamento do mérito por aplicação analógica do art. 267, § 3º, CPC. Precedentes citados: HC 150.925-PE, Quinta Turma, DJe 17/5/2010; HC 232.842-RJ, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.318.180-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2013.

Por fim, destaco uma boa reportagem sobre a delação anônima e o entendimento do STJ: