sábado, 7 de janeiro de 2017

DELEGADO DE POLÍCIA TEM GARANTIA DE INAMOVIBILIDADE?

Recentemente, com a edição da Lei n. 12.830/2013, que, em seu art. 2º, §5º, estabeleceu que "[a] remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.", parcela da doutrina (especialmente autores delegados de polícia) passou a afirmar que tal dispositivo teria estabelecido a garantia da inamovibilidade, tal como ela existe para a magistratura,para o MP, e mais recentemente, para a Defensoria.

Esta conclusão é absolutamente equivocada e demonstra, mais uma vez, a presença de forte desejo corporativista por detrás desse tipo de afirmação, senão vejamos:

A garantia da inamovibilidade, em resumo, consiste na garantia dos membros da magistratura, do MP e da Defensoria Pública de não serem removidos de suas lotações, sem que haja a sua concordância, salvo por interesse público, em caráter de sanção administrativa (art. 95, II; art. 128, §5º, I, b; e 134, I, todos da Constituição Federal).

Em outras palavras, um Procurador da República não pode ser removido de uma cidade para a outra, contra a sua vontade, salvo se esta remoção for aplicada como sanção pela prática de infração disciplinar. Mas, por exemplo, este mesmo Procurador não poderá ser removido porque a outra lotação está com um volume maior de trabalho, ou porque está vaga há certo tempo etc...

Logo se vê, portanto, que afirmar-se que o delegado de polícia não pode ser removido sem ato fundamentado não guarda nenhuma semelhança com o instituto da inamovibilidade, que, como dito, veda qualquer tipo de remoção, ainda que fundamentada, salvo se aplicada como sanção disciplinar.

Frise-se que a inamovibilidade é garantia assegurada em sede constitucional, e a Lei n. 12.830/2013 é mera lei ordinária.

Além disso, basta uma leitura dos textos normativos para se identificar a absoluta distinção entre as suas redações. Com efeito, enquanto os dispositivos constitucionais que estabelecem a inamovibilidade fazem alusão expressamente ao instituto e o apresenta como uma garantia dos membros daquelas instituições, a Lei n.12.830/2013 não faz qualquer referência ao instituto da inamovibilidade.

Muito pelo contrário. Ela trata justamente do instituto que é vedado pela inamovibilidade: a remoção sem a concordância do agente público.

Afinal, se a norma veda a remoção sem fundamentação, conclui-se que ela autoriza a remoção, desde que fundamentada. E, sendo possível a remoção fundamentada, descabe cogitar-se de inamovibilidade.

Interessante mencionar que essa doutrina, ciente da absoluta discrepância entre as situações narradas, afirma que a inamovibilidade do delegado de polícia existiria, mas seria relativa.

Inamovibilidade relativa, com o devido respeito, é algo parecido com a história da mulher que está meio grávida. Não dá para engolir. Ou há inamovibilidade, ou não há. No caso dos delegados de polícia, não há inamovibilidade alguma.

Quanto a isto, basta indagar, por exemplo: Se o Delegado atua em uma Delegacia com outros dois Delegados, ele pode ser removido para atuar em outra Delegacia, cujo único Delegado aposentou-se? Ou seja, diante do interesse público de não deixar aquela Delegacia sem qualquer Delegado, poderá ser feita a remoção? A resposta é, desenganadamente, positiva.

Se alguém ainda tem dúvida sobre como as situações são escancaradamente diversas, cumpre questionar: na mesma hipótese acima, o Juiz poderia ser removido para uma outra Vara, que ficaria sem titular? Sem dúvidas, não, porque é inamovível.

Nessa linha de raciocínio, resta evidente que a regra prevista no art. 2º, §5º, da Lei n. 12.830/2013, longe de estabelecer a garantia da inamovibilidade ao delegado de polícia, apenas reafirmou o óbvio: o ato de remoção, como ato administrativo que é, precisa ter motivo e este motivo precisa ser explicitado.

O que se buscou vedar, na verdade, foi o desvio de finalidade, vício que invalida o ato administrativo. Já inviabilizava antes dessa norma e continuará inviabilizando após a sua edição. Com efeito, se o Delegado for removido por perseguição política, por exemplo, esta remoção é nula, não porque ele não poderia ser removido sem a sua concordância (inamovível), e sim porque um dos elementos do ato administrativo está viciado e vicia, por sua vez, a higidez de todo o ato.

Mas, diferentemente de juízes, membros do MP e da Defensoria, que verdadeiramente possuem inamovibilidade e não podem ser removidos sem a sua concordância, salvo em caráter de punição disciplinar, o delegado de polícia continua sendo passível de remoção, sim, por determinação de seu superior hierárquico, bastando, para tanto, que o ato seja devidamente motivado em razões de interesse público, como, pex., aposentadorias, excesso de trabalho em outra localidade etc...

Um comentário:

  1. Duas questões a serem consideradas. Primeiro, o exemplo que foi dado no texto é de péssima redação (a comparação da remoção do Juiz com a do Delegado)
    Segundo, nem mesmo os juízes ou membros do ministério público têm inamovibilidade absoluta (posto que elas só podem ser relativas), uma vez que o colegiado das classes, por interesse público, após aprovação do quórum respectivo pode removê-los.
    Em resumo: basta uma emenda constitucional e os delegados também ganharam inamovibilidade similar a dos juízes, diga-se de passagem, RELATIVA.

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