É possível ler-se, em textos e artigos que circulam na internet, doutrina do processo penal escrita por delegados de polícia sustentando que o inquérito policial é indispensável à propositura da Ação Penal.
Trata-se de erro crasso. Aliás, erro não, pois erro é desconhecimento da realidade. Trata-se de nítido posicionamento doutrinário decorrente de um anseio corporativista em valorizar, ao máximo, o seu instrumento de trabalho.
É natural que isso aconteça. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. O juiz sempre vai valorizar a sentença; o MP, a Denúncia; e o Delegado, o inquérito. Mas não se pode ir ao ponto de querer desvirtuar a natureza das coisas.
Quem afirma que o inquérito policial tem, como uma de suas características, a "dispensabilidade" não sou eu. Na verdade, desconheço qualquer doutrinador que afirme que a Denúncia só possa estar fundamentada no inquérito policial, ou, em outras palavras, que não possa existir processo penal sem inquérito policial.
Realmente, se assim o fosse, teríamos o inquérito policial como uma condição de procedibilidade, tal como a representação do ofendido.
Percebam, inclusive, que o próprio art. 12, CPP, determina que o inquérito acompanhará a denúncia ou queixa-crime, sempre que servir de base àquela ou a esta, deixando claro que nem sempre a base probatória surgirá de um inquérito policial.
Com efeito, o inquérito policial é apenas uma das várias formas de investigação preliminar, podendo-se citar, exemplificativamente, o termo circunstanciado, o procedimento investigatório criminal, o inquérito civil público (que pode fundamentar uma Denúncia, conforme pacífico entendimento do STF e do STJ), além dos procedimentos administrativos desenvolvidos no âmbito de outros órgãos públicos, tais como Receita Federal, INSS, IBAMA, dentre outros.
Até mesmo uma representação de um indivíduo qualquer, acompanhada da documentação pertinente, poderá, em tese, ensejar a propositura da Ação Penal.
Não se desconhece que o inquérito policial ainda é a forma mais comum de investigação criminal e, por isso mesmo, reveste-se de importância. Sem dúvidas. E aqui há de se reconhecer que boa parte dos membros do MP ainda não assumiu o ônus da investigação criminal.
De todo modo, o argumento de que o inquérito policial é indispensável porque a maioria das Denúncias é ancorada em um inquérito policial ofende o próprio significado linguístico do termo "indispensável".
Indispensável é algo necessário, imprescindível, que não pode faltar. A partir do momento em que se afirma que a maioria das Denúncias surge de inquérito policial, conclui-se que há espaço para Denúncias que não foram antecedidas por inquérito; logo, não se trata de algo indispensável.
Assim sendo, se se quer mencionar que o inquérito policial é o meio mais comum de investigação, para como isso defender a sua relevância, talvez a melhor definição dessa sua característica seja "habitualidade", mas jamais "indispensabilidade".
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