quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A Lei n. 13.245/2016 tornou obrigatória a defesa técnica na investigação?

Prezados,

A recente Lei n. 13.245/2016, mais especificamente o seu art. 7º, XXI, já está sendo alvo de bastante discussão. Não é nosso objetivo esgotar o tema, mas apenas transmitir a nossa visão a respeito do que realmente tratou o dispositivo em questão, ora reproduzido:

Art. 7º São direitos do advogado:

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

Vamos direto ao ponto central da controvérsia: O mencionado dispositivo estabeleceu a obrigatoriedade da defesa técnica em fase investigativa? Em outras palavras, a partir de então, nenhum depoimento, interrogatório, declaração pode ser prestada pela pessoa alvo de investigação administrativa ou criminal sem que ela esteja acompanhada de um advogado?

Antes de responder esta indagação, acho relevante mencionar que o texto normativo pode comportar mais de uma interpretação possível, sendo natural, portanto, que existam opiniões diferentes sobre a mesma coisa. No entanto, não podemos cometer o equívoco de interpretar uma norma da forma que nós gostaríamos que ela tivesse sido feita.

Faço essa ressalva porque, apesar de discordar veementemente, respeito opiniões de que seria constitucional, convencional, justo, ético ou qualquer outro adjetivo, a presença obrigatória do defensor técnico, especificamente em investigações criminais. Mas, como dito, estou convencido de que não foi esta a intenção da alteração legislativa.

A partir de uma mera análise do enquadramento da norma, já penso ser possível concluir que ela tratou, muito mais da atuação do advogado, do que da obrigatoriedade da ampla defesa na investigação. Com efeito, cabe destacar que a legislação modificada foi o Estatuto da Advocacia, e não o Código de Processo Penal.

Perceba-se que o art. 7º diz ser direito do advogado assistir o seu cliente, não dispondo absolutamente nada acerca da possibilidade, ou não, de investigação envolvendo pessoa que não possua advogado.

A nosso sentir, o objetivo da norma foi apenas de evitar qualquer tipo de embaraço à participação do defensor no interrogatório ou qualquer outro tipo de depoimento durante a fase investigativa. Se a pessoa a depor tiver defensor e manifestar interesse em estar por ele assistido, a autoridade pública não pode impedir a participação do defensor.

Se o objetivo fosse tornar a defesa técnica obrigatória na investigação, bastaria o legislador estipular, no CPP, tal obrigatoriedade, sob pena de nomeação de um defensor dativo, na forma como ocorre no curso da Ação Penal (art. 261, CPP).

Esta também é a opinião de Afrânio Jardim [1], para quem “(...) como já deixei escrito em texto anterior, entendo que a nova regra não tenha trazido o contraditório para o inquérito policial, o que o transformaria em uma primeira fase do processo: juizado de instrução sem juiz !!!!!  O que a nova lei assegura é a assistência jurídica do advogado ao seu cliente, quando convocado a participar de algum ato no procedimento investigatório, com sua presença e aconselhamento, tendo tomado conhecimento do que já foi realizado.”

Comunga desta opinião Márcio André [2], segundo quem “Em minha leitura, o novo inciso XXI do art. 7º não impõe que todos os interrogatórios realizados durante a investigação criminal tenham, obrigatoriamente, a presença de advogado. O que esse dispositivo garantiu foi o direito do advogado de, se assim desejar, se fazer presente no interrogatório do seu cliente e nos demais depoimentos. O inciso acrescenta novo direito ao advogado que, reflexamente, acarreta benefícios ao investigado. O objetivo da Lei não foi o de instituir ampla defesa automática e obrigatória nas investigações criminais, mas sim o de garantir respaldo legal para que os advogados possam melhor exercer suas funções.”

Se o investigado ou o advogado juntar procuração nos autos, a autoridade pública (Delegado, p.ex) deve notificá-lo da data do interrogatório do cliente? Ou basta a notificação do cliente? Seguindo a linha teórica acima adotada, de que não há obrigatoriedade da defesa técnica, penso que a notificação será sempre do investigado, a quem cabe comunicar o ato ao seu advogado para que se faça presente.

E se o investigado for pobre e não puder contratar advogado? A autoridade pública deve nomear Defensor Público ou dativo? Pensamos que não. Uma vez notificado, o investigado pode, querendo, dirigir-se à Defensoria Pública e solicitar a assistência jurídica.

Fincada a nossa opinião sobre a inexistência de obrigatoriedade de defesa técnica na investigação, avançamos com a seguinte indagação: Deve existir defesa técnica obrigatória em investigação?

Em nossa visão, qualquer tipo de investigação tem natureza inquisitorial, no bojo da qual não há sequer acusação. Pelo contrário, a investigação busca colher elementos que permitam, se for o caso, uma acusação com justa causa. Logicamente, é perfeitamente possível falar-se em contraditório e em defesa na investigação, mas em caráter mitigado em atenção à própria essência do procedimento. Por exemplo, é inegável que qualquer investigado terá direito ao silêncio. Mas daí a afirmar que existe ampla defesa na investigação, ou que esta agora se desenvolva em contraditório é uma diferença enorme.

Não se pode querer igualar a defesa na investigação à defesa no processo por uma simples razão: Não existe ampla defesa sem prévia acusação. Somente com a acusação, inicia-se o procedimento em contraditório, no qual o réu terá assegurada a sua ampla defesa, inclusive, se houver necessidade, custeada pelo Estado.

Não se pode cogitar da criação de uma espécie de Ação Penal Preliminar à Ação Penal propriamente dita, tal como a fase inicial do Tribunal do Juri. A própria França, exemplo histórico dos Juizados de Instrução, já se apercebeu que este não é o melhor caminho.

A esse respeito, Vladimir Passos [3] adverte que “O inquérito policial, por si só, já é algo com sabor de passado, contaminado por formalismos típicos do processo judicial. Por exemplo, cartas precatórias impressas, termos de juntada, conclusão, pedidos de prazo etc. Torná-lo contraditório, pois isto é o que resultará da participação de advogado na sua tramitação, é dar-lhe o caráter de uma ação penal preliminar. E depois tudo se repetirá em juízo. E se for processo de júri, de novo no plenário.”

O aperfeiçoamento da investigação passa necessariamente por sua modernização, mediante eliminação de burocracias formais, sobreposição de funções e prática de atos inúteis.

Passa também pela compreensão de que os elementos de informação produzidos na investigação criminal servem apenas para subsidiar uma possível Ação Penal, não podendo ser utilizados para fundamentar a condenação, salvo as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas.


Por tal razão, doutrinadores advogam que os autos da investigação sequer deveriam acompanhar os autos da Ação Penal, posto que, recebida a acusação, cessa a finalidade da investigação, devendo, aí sim, serem produzidas, em Juízo, as provas que levarão à condenação ou à absolvição do réu. Também é esta a razão pela qual se defende a criação do Juiz das Garantias, evitando todo e qualquer contato do Juiz que irá sentenciar com os autos da investigação. 

Reconheça-se, por fim, que o Projeto do Novo Código de Processo Penal prevê a obrigatoriedade da defesa técnica em qualquer interrogatório criminal. 

[1] http://emporiododireito.com.br/tag/afranio-silva-jardim/
[2] http://www.dizerodireito.com.br/2016/01/comentarios-lei-132452016-que-assegura.html
[3] http://www.conjur.com.br/2013-nov-10/segunda-leitura-inquerito-policial-nao-combina-contraditorio

2 comentários:

  1. Professor, tenho uma dúvida enorme para tirar com o senhor (simples, mas importante). Mandei uma mensagem pelo facebook, mas como não somos amigos, o senhor precisaria aceitar a conversa - que deve ter ido parar no spam. Se puder dar uma olhadinha lá, agradeceria muito! É rapidinho. Abraço! (PS: fui aluno do CEI, mas não estou conseguindo entrar em contato, via email, com ninguém de lá)

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  2. Bruno e caros leitores: sobre esse tema, vejam o que o MPRJ cobrou em recente prova para ingresso na carreira:

    4ª Questão – Direito Processual Penal (Valor: 4 pontos) Orlando, Romero, José Maria e Gibson são investigados pelo Ministério Público por supostos crimes de lavagem de capitais e organização criminosa. No curso do procedimento investigatório criminal, constituem o advogado Rui Barbosa, o qual atravessa petição requerendo o acesso integral aos autos de investigação, bem como passar a ser intimado, a partir daquele momento, para todos os atos de colheita de depoimentos que vierem a ser praticados, isso com fulcro no art. 7º, XIV e XXI, do Estatuto da OAB. Qual deve ser a decisão do Promotor que preside a investigação? Os depoimentos das testemunhas, que eventualmente forem prestados sob a intervenção do advogado dos investigados no curso do procedimento, poderiam ser utilizados como prova no processo, na hipótese de essas testemunhas não terem sido ouvidas em juízo? Resposta objetivamente fundamentada.

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