Prezados,
A recente Lei n. 13.245/2016, mais
especificamente o seu art. 7º, XXI, já está sendo alvo de bastante
discussão. Não é nosso objetivo esgotar o tema, mas apenas
transmitir a nossa visão a respeito do que realmente tratou o
dispositivo em questão, ora reproduzido:
“Art.
7º São direitos do advogado:
XXI
- assistir a seus clientes investigados durante a apuração
de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo
interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os
elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou
derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da
respectiva apuração:
Vamos direto ao ponto central da
controvérsia: O mencionado dispositivo estabeleceu a obrigatoriedade
da defesa técnica em fase investigativa? Em outras palavras, a
partir de então, nenhum depoimento, interrogatório, declaração
pode ser prestada pela pessoa alvo de investigação administrativa
ou criminal sem que ela esteja acompanhada de um advogado?
Antes de responder esta indagação,
acho relevante mencionar que o texto normativo pode comportar mais de
uma interpretação possível, sendo natural, portanto, que existam
opiniões diferentes sobre a mesma coisa. No entanto, não podemos
cometer o equívoco de interpretar uma norma da forma que nós
gostaríamos que ela tivesse sido feita.
Faço essa ressalva porque, apesar de
discordar veementemente, respeito opiniões de que seria
constitucional, convencional, justo, ético ou qualquer outro
adjetivo, a presença obrigatória do defensor técnico,
especificamente em investigações criminais. Mas, como dito, estou
convencido de que não foi esta a intenção da alteração
legislativa.
A partir de uma mera análise do
enquadramento da norma, já penso ser possível concluir que ela
tratou, muito mais da atuação do advogado, do que da
obrigatoriedade da ampla defesa na investigação. Com efeito, cabe
destacar que a legislação modificada foi o Estatuto da Advocacia, e
não o Código de Processo Penal.
Perceba-se que o art. 7º diz ser
direito do advogado assistir o seu cliente, não dispondo
absolutamente nada acerca da possibilidade, ou não, de investigação
envolvendo pessoa que não possua advogado.
A nosso sentir, o objetivo da norma
foi apenas de evitar qualquer tipo de embaraço à participação do
defensor no interrogatório ou qualquer outro tipo de depoimento
durante a fase investigativa. Se a pessoa a depor tiver defensor e
manifestar interesse em estar por ele assistido, a autoridade pública
não pode impedir a participação do defensor.
Se o objetivo fosse tornar a defesa
técnica obrigatória na investigação, bastaria o legislador
estipular, no CPP, tal obrigatoriedade, sob pena de nomeação de um
defensor dativo, na forma como ocorre no curso da Ação Penal (art.
261, CPP).
Esta
também é a opinião de Afrânio Jardim [1], para quem “(...)
como já deixei escrito em texto anterior, entendo que a nova regra
não tenha trazido o contraditório para o inquérito policial, o que
o transformaria em uma primeira fase do processo: juizado de
instrução sem juiz !!!!! O que a nova lei assegura é a
assistência jurídica do advogado ao seu cliente, quando convocado a
participar de algum ato no procedimento investigatório, com sua
presença e aconselhamento, tendo tomado conhecimento do que já foi
realizado.”
Comunga
desta opinião Márcio André [2], segundo quem “Em
minha leitura, o novo inciso XXI do art. 7º não impõe que todos os
interrogatórios realizados durante a investigação criminal tenham,
obrigatoriamente, a presença de advogado. O que esse dispositivo
garantiu foi o direito do advogado de, se assim desejar, se fazer
presente no interrogatório do seu cliente e nos demais depoimentos.
O inciso acrescenta novo direito ao advogado que, reflexamente,
acarreta benefícios ao investigado. O objetivo da Lei não foi o de
instituir ampla defesa automática e obrigatória nas investigações
criminais, mas sim o de garantir respaldo legal para que os advogados
possam melhor exercer suas funções.”
Se o investigado ou o advogado juntar
procuração nos autos, a autoridade pública (Delegado, p.ex) deve
notificá-lo da data do interrogatório do cliente? Ou basta a
notificação do cliente? Seguindo a linha teórica acima adotada, de
que não há obrigatoriedade da defesa técnica, penso que a notificação será
sempre do investigado, a quem cabe comunicar o ato ao seu advogado
para que se faça presente.
E se o investigado for pobre e não
puder contratar advogado? A autoridade pública deve nomear Defensor
Público ou dativo? Pensamos que não. Uma vez notificado, o
investigado pode, querendo, dirigir-se à Defensoria Pública e
solicitar a assistência jurídica.
Fincada a nossa opinião sobre a
inexistência de obrigatoriedade de defesa técnica na investigação,
avançamos com a seguinte indagação: Deve existir defesa técnica
obrigatória em investigação?
Em nossa visão, qualquer tipo de
investigação tem natureza inquisitorial, no bojo da qual não há
sequer acusação. Pelo contrário, a investigação busca colher
elementos que permitam, se for o caso, uma acusação com justa
causa. Logicamente, é perfeitamente possível falar-se em
contraditório e em defesa na investigação, mas em caráter
mitigado em atenção à própria essência do procedimento. Por
exemplo, é inegável que qualquer investigado terá direito ao
silêncio. Mas daí a afirmar que existe ampla defesa na
investigação, ou que esta agora se desenvolva em contraditório é
uma diferença enorme.
Não se pode querer igualar a defesa
na investigação à defesa no processo por uma simples razão: Não
existe ampla defesa sem prévia acusação. Somente com a acusação,
inicia-se o procedimento em contraditório, no qual o réu terá
assegurada a sua ampla defesa, inclusive, se houver necessidade,
custeada pelo Estado.
Não se pode cogitar da criação de
uma espécie de Ação Penal Preliminar à Ação Penal propriamente
dita, tal como a fase inicial do Tribunal do Juri. A própria França,
exemplo histórico dos Juizados de Instrução, já se apercebeu que
este não é o melhor caminho.
A
esse respeito, Vladimir Passos [3] adverte que “O
inquérito policial, por si só, já é algo com sabor de passado,
contaminado por formalismos típicos do processo judicial. Por
exemplo, cartas precatórias impressas, termos de juntada, conclusão,
pedidos de prazo etc. Torná-lo contraditório, pois isto é o que
resultará da participação de advogado na sua tramitação, é
dar-lhe o caráter de uma ação penal preliminar. E depois tudo se
repetirá em juízo. E se for processo de júri, de novo no
plenário.”
O aperfeiçoamento da investigação
passa necessariamente por sua modernização, mediante eliminação
de burocracias formais, sobreposição de funções e prática de
atos inúteis.
Passa também pela compreensão de
que os elementos de informação produzidos na investigação
criminal servem apenas para subsidiar uma possível Ação Penal, não
podendo ser utilizados para fundamentar a condenação, salvo as
provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas.
Por tal razão, doutrinadores advogam
que os autos da investigação sequer deveriam acompanhar os autos da
Ação Penal, posto que, recebida a acusação, cessa a finalidade da
investigação, devendo, aí sim, serem produzidas, em Juízo, as
provas que levarão à condenação ou à absolvição do réu.
Também é esta a razão pela qual se defende a criação do Juiz das
Garantias, evitando todo e qualquer contato do Juiz que irá
sentenciar com os autos da investigação.
Reconheça-se, por fim, que o Projeto do Novo Código de Processo Penal prevê a obrigatoriedade da defesa técnica em qualquer interrogatório criminal.
Reconheça-se, por fim, que o Projeto do Novo Código de Processo Penal prevê a obrigatoriedade da defesa técnica em qualquer interrogatório criminal.
[1] http://emporiododireito.com.br/tag/afranio-silva-jardim/
[2] http://www.dizerodireito.com.br/2016/01/comentarios-lei-132452016-que-assegura.html
[3] http://www.conjur.com.br/2013-nov-10/segunda-leitura-inquerito-policial-nao-combina-contraditorio
Professor, tenho uma dúvida enorme para tirar com o senhor (simples, mas importante). Mandei uma mensagem pelo facebook, mas como não somos amigos, o senhor precisaria aceitar a conversa - que deve ter ido parar no spam. Se puder dar uma olhadinha lá, agradeceria muito! É rapidinho. Abraço! (PS: fui aluno do CEI, mas não estou conseguindo entrar em contato, via email, com ninguém de lá)
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