quarta-feira, 4 de abril de 2012

DICAS AGU: O STF e o art. 394, §4º, CPP.

Uma dos critérios clássicos de solução de controvérsias entre regras jurídicas é o critério da especialidade, isto é, a regra especial prevalece diante da regra geral. Contudo, o Código de Processo Penal traz uma interessante hipótese de uma regra geral que, expressamente, afirma se sobrepor à regra especial.

Eis o que dispõe o art. 394, §4º, do CPP:



Art. 394 (...)
§ 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
Cumpre esclarecer que os artigos 395 a 398 estabelecem regras sobre o procedimento penal perante o Juízo de 1º grau, abrangendo a rejeição da Denúncia ou Queixa, o oferecimento da resposta à acusação e a absolvição sumária.

Dessa forma, o art. 394, §4º, CPP, prevê a aplicação desses institutos a todos os procedimentos penais que tramitem em Juízos de 1º grau, mesmo que haja previsão de procedimento específico em legislação especial.

Tomando, como exemplo, a hipótese do Código Eleitoral, que assim se pronuncia:

Art. 359. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado, ordenando a citação deste e a notificação do Ministério Público.
Parágrafo único. O réu ou seu defensor terá o prazo de 10 (dez) dias para oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.

Perceba-se, então, que, diferentemente do procedimento encartado nos artigos 395 a 398, CPP, o procedimento do Código Eleitoral não prevê a resposta à acusação, tampouco a possibilidade de absolvição sumária, estipulando que, recebida a Denúncia, o Juiz designará data para interrogatório do réu e, somente após este prazo, o réu poderá apresentar defesa escrita.

Porém, por força do disposto no art. 394, §4º, CPP, tratando-se de procedimento perante Juízo de 1º grau, é preciso adequar o procedimento penal na esfera eleitoral, a fim de que sejam observadas as determinações dos artigos 395 a 398.

Vale salientar, outrossim, que o procedimento previsto nos artigos 395 a 398, CPP, é mais benéfico ao réu, notadamente no que diz respeito à possibilidade de oferecimento da resposta à acusação e, sobretudo, da previsão da absolvição sumária.

Nesse sentido, recentemente, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, cujo inteiro teor veio transcrito em recente Informativo, verbis:

Crime Eleitoral - Procedimento Penal - Conflito entre o CPP e o Código Eleitoral - Não Aplicação do Critério da Especialidade - Aplicação de Procedimento Penal mais Favorável (Transcrições)

HC 107795 MC/SP*
RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: CRIME ELEITORAL. PROCEDIMENTO PENAL DEFINIDO PELO PRÓPRIO CÓDIGO ELEITORAL (“LEX SPECIALIS”). PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO NOVO “ITER” PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA REFORMA PROCESSUAL PENAL DE 2008, QUE INTRODUZIU ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (“LEX GENERALIS”). ANTINOMIA MERAMENTE APARENTE, PORQUE SUPERÁVEL MEDIANTE APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE (“LEX SPECIALIS DEROGAT LEGI GENERALI”). CONCEPÇÃO ORTODOXA QUE PREVALECE, ORDINARIAMENTE, NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ANTINÔMICOS QUE OPÕEM LEIS DE CARÁTER GERAL ÀQUELAS DE CONTEÚDO ESPECIAL. PRETENDIDA UTILIZAÇÃO DE FATOR DIVERSO DE SUPERAÇÃO DESSA ESPECÍFICA ANTINOMIA DE PRIMEIRO GRAU, MEDIANTE OPÇÃO HERMENÊUTICA QUE SE MOSTRA MAIS COMPATÍVEL COM OS POSTULADOS QUE INFORMAM O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VALIOSO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AP 528-AgR/DF, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI). NOVA ORDEM RITUAL QUE, POR REVELAR-SE MAIS FAVORÁVEL AO ACUSADO (CPP, ARTS. 396 E 396-A, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.719/2008), DEVERIA REGER O PROCEDIMENTO PENAL, NÃO OBSTANTE DISCIPLINADO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL, NOS CASOS DE CRIME ELEITORAL. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DESSA POSTULAÇÃO. OCORRÊNCIA DE “PERICULUM IN MORA”. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
(...)
Aduz, em síntese, a parte ora impetrante, neste “writ”, a ocorrência de nulidade absoluta do procedimento penal em questão, alegando-se que o magistrado de primeiro grau teria desrespeitado o rito estabelecido nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, eis que “as disposições dos artigos 395 a 398 do Código de Processo Penal aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados nesse Código, incluindo-se, assim, os processos apuratórios de crimes eleitorais, ainda que o rito procedimental seja regulado por lei especial” (grifei).
(...)
Tenho por relevante, bem por isso, esse aspecto da causa ora em exame, uma vez que a previsão do contraditório prévio a que se referem os artigos 396 e 396-A do CPP, mais do que simples exigência legal, traduz indisponível garantia de índole jurídico- constitucional assegurada aos denunciados, de tal modo que a observância desse rito procedimental configura instrumento de clara limitação ao poder persecutório do Estado, ainda mais se se considerar que, nessa resposta prévia – que compõe fase processual insuprimível (CPP, art. 396-A, § 2º) -, torna-se lícita a formulação, nela, de todas as razões, de fato ou de direito, inclusive aquelas pertinentes ao mérito da causa, reputadas essenciais ao pleno exercício da defesa pelo acusado, como assinala, com absoluta correção, o magistério da doutrina (EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência”, p. 869/870, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 374/375, 4ª ed., 2009, Forense; ANDREY BORGES DE MENDONÇA, “Nova Reforma do Código de Processo Penal”, p. 260/264, 2ª ed., 2009, Método, v.g.).
(...)
Ministro CELSO DE MELLORelator


RESUMO DA ÓPERA: Por força do que dispõe o art. 394, §4º, CPP, aplicam-se as regras previstas nos artigos 395 a 398, CPP, a todos os procedimentos penais de 1º grau, ainda que haja previsão específica em legislação especial.

6 comentários:

  1. Interessante também foi o que decidiu a 5ª Turma do STJ, com base em precedente do STF, em que se entendeu pela aplicabilidade do art. 400 do CPP, que prevê o interrogatório do réu como o último ato de instrução, por ser mais benéfico, mesmo nos processos de competência originária dos tribunais, disciplinado pela Lei n. 8.038/1990, mitigando o princípio da especialidade. Tal julgado foi noticiado no Informativo n. 489 do STJ:

    INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO PROCESSUAL. AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS NOS TRIBUNAIS.
    A previsão do interrogatório como último ato processual, nos termos do disposto no art. 400 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008, por ser mais benéfica à defesa, deve ser aplicada às ações penais originárias nos tribunais, afastada, assim, a regra específica prevista no art. 7º da Lei n. 8.038/1990, que rege a matéria. Esse é o entendimento do STJ, ao rever seu posicionamento para acompanhar decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg 528-DF. Nesses termos, a ordem foi concedida para que o interrogatório do paciente, prefeito municipal acusado da prática dos crimes de lesão corporal e ameaça, detentor de foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça, seja realizado ao término da instrução processual, conforme rito comum ordinário previsto no CPP. HC 205.364-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/12/2011.

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  2. Sim, inclusive já comentei o tema no blog. Salvo engano, foi uma das três primeiras postagens. Particularmente, não concordo com a tese.

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  3. Ah, que bom ter encontrado o seu blog! :) Abraços!

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  4. Bruno, queria tirar uma dúvida: no procedimento referente aos crimes funcionais (art.513 a 518 CPP), de acordo com o entendimento acima, poderiamos aplicar a absolvição sumaria (art.397 CPP) tb? Abç

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  5. Sem dúvidas. O art. 396 é claro: vale para todos os procedimentos em 1 grau, ainda que previstos em legislação especial.

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