Morte de promotor em Pernambuco será
investigada pela Polícia Federal
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a
imediata transferência para a Polícia Federal do inquérito que investiga o
assassinato do promotor Thiago Faria Soares, ocorrido em outubro do ano passado
no interior de Pernambuco. O relator do incidente de deslocamento de competência,
ministro Rogerio Schietti Cruz, entendeu que a demora no esclarecimento do
crime representa grave violação dos direitos humanos e pode resultar na
impunidade dos seus mandantes e executores.
A Seção ainda determinou que o inquérito seja acompanhado pelo
Ministério Público Federal e que fique sob a jurisdição da Justiça Federal.
Soares, integrante do Ministério Público de Pernambuco, foi morto a tiros
quando dirigia seu veículo numa rodovia no município de Itaíba. O crime estaria
inserido no contexto de atuação de grupos de extermínio na área, conhecida como
Triângulo da Pistolagem.
O pedido de federalização foi feito ao STJ pelo procurador-geral da
República, após solicitação do Ministério Público estadual. O procurador-geral
sustentou que haveria um conflito aberto entre instituições – a Polícia Civil e
o MP de Pernambuco –, o que demonstraria a impossibilidade de autoridades
locais oferecerem resposta ao crime praticado.
Segundo o ministro Schietti, o deslocamento de competência é medida
excepcional que exige três requisitos. Além de grave violação dos direitos
humanos, o caso deve representar risco de responsabilização internacional do
Brasil por descumprimento de obrigações decorrentes de tratados dos quais seja
signatário. Por fim, deve ficar evidente que o estado-membro, por suas
instituições e autoridades, não é capaz levar a cabo a persecução penal.
Falhas na investigação
Schietti advertiu que a federalização não deve ser a primeira
providência a ser tomada em relação a um fato, por mais grave que seja. Esse
instituto, para ele, “deve ser utilizado em situações em que demostrado
descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições
pessoais ou materiais de instituições responsáveis em levar a cabo a
responsabilização dos envolvidos na conduta criminosa”.
No caso, o ministro entende que há indícios de que o assassinato do
promotor provavelmente resultou da ação de grupos de extermínio que atuam no
interior de Pernambuco. Ele também ressaltou que é “notório o conflito institucional
que se instalou, inarredavelmente, entre os órgãos envolvidos com a
investigação e a persecução penal dos ainda não identificados autores do
crime”.
Conforme observou o magistrado, a falta de entendimento operacional
entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual provocou falhas na
investigação, o que pode comprometer o resultado final, podendo inclusive gerar
a impunidade dos mandantes e dos executores do homicídio.
Direito das vítimas
O ministro Schietti explicou que o direito à vida, previsto na Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), é a base do
exercício dos demais direitos humanos. “O julgamento justo, imparcial e em
prazo razoável é, por seu turno, garantia fundamental do ser humano, e dele é titular
não somente o acusado em processo penal, mas também as vítimas do crime objeto
da persecução penal”, destacou.
Em seu voto, o relator citou decisões da Corte Interamericana de
Direitos Humanos em que se reconheceu a obrigação de o estado investigar e
punir autores de violações graves a direitos humanos.
Para aquela corte, "o estado não somente incorre em
responsabilidade internacional por violação ao direito à vida quando seus
agentes privam alguém de tal direito, mas também quando, apesar de não ter
violado diretamente tal direito, não adota as medidas de prevenção necessária
e/ou não efetua uma investigação séria, por um órgão independente, autônomo e
imparcial, de privações do direito à vida cometidas seja por seus agentes ou
por particulares".
Segundo o ministro, ficou evidenciada a incapacidade do estado de
Pernambuco de apurar e punir os responsáveis pela morte do promotor
de Justiça, em descumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é parte.
A decisão da Terceira Seção foi unânime. Acompanharam o voto do relator
os ministros Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior,
Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Nefi Cordeiro,
além da desembargadora convocada Marilza Maynard.