Prezados,
Segue comentário sobre
duas decisões do Supremo Tribunal Federal em processo penal.
No primeiro caso, estava
em discussão, mais uma vez, o cabimento do Protesto por Novo Juri, revogado em
2008. Qual é o marco temporal a ser considerado para fins de análise do
cabimento, ou não, deste recurso? A data do fato ou a data da sentença?
Ratificando o seu posicionamento, o Supremo Tribunal
Federal decidiu que, para fins de análise de interposição de recurso penal,
deve se considerar a lei vigente à época da decisão a ser recorrida,
e não à época do fato criminoso. Portanto, decidiu-se que a matéria recursal é
de índole processual, e não penal (ou penal-processual), de modo que, quanto
à eficácia da lei no tempo, aplica-se o princípio do tempus regit actum.
Assim, como o Protesto por Novo Júri foi revogado,
ele só permanece válido para aquelas condenações proferidas antes da lei que o
extinguiu. Para as condenações posteriores, ainda que por fatos ocorridos
durante a vigência do recurso, não mais é cabível o Protesto por Novo Júri.
Protesto por novo júri e “tempus regit actum” – INFO 732
A 2ª Turma negou provimento a agravo regimental em que pretendido o cabimento de protesto por novo júri. Na espécie, a prolação da sentença penal condenatória ocorrera em data posterior à entrada em vigor da Lei 11.689/2008, a qual revogara o dispositivo do CPP que previa a possibilidade de interposição do aludido recurso. Reputou-se que o art. 2º do CPP (“Art. 2º. A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”) disciplinaria a incidência imediata da lei processual aos feitos em curso, de modo que, se nova lei viesse a suprimir ou abolir recurso existente antes da sentença, não haveria direito ao exercício daquele. Ressaltou-se inexistir óbice à supressão de recursos na ordem jurídica processual ou à previsão de outras modalidades recursais serem instituídas por lei superveniente, considerado o disposto no artigo em comento e o princípio fundamental de que a recorribilidade reger-se-á pela lei em vigor na data em que a decisão for publicada. Por fim, salientou-se a ausência de amparo legal do pleito, ante a observância do princípio da taxatividade dos recursos.
RE 752988 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 10.12.2013. (RE-752988)
No segundo caso, estava em discussão os limites da
Revisão Criminal em caso de condenação pelo Tribunal do Júri. Em tal hipótese,
o Tribunal de Justiça pode, ele próprio, anulando a decisão proferida pelo Júri,
analisar o mérito e absolver – ou modificar a pena – do condenado? Ou poderia
ele apenas rescindir a decisão e devolver os autos para um novo julgamento pelo
Tribunal do Júri?
Vê-se que estão em conflito, em tese, duas garantias
constitucionais asseguradas ao réu. De um lado, o Tribunal do Júri, com o seu
princípio da soberania dos veredictos. De outro, a revisão criminal, ação
autônoma de impugnação manejável apenas pela defesa, inexistindo a denominada
revisão em favor da sociedade.
Decidiu o Supremo Tribunal Federal que, rescindindo
a decisão do Júri (juízo rescindente), o próprio Tribunal poderá realizar o
juízo rescisório e absolver, se for o caso, o condenado, não se limitando
apenas a devolver os autos para novo julgamento pelo Júri.
Poder-se-ia argumentar, então, que esse
posicionamento violaria a garantia do Tribunal do Júri, posto que o Tribunal de
Justiça estaria analisando, em sede de Revisão Criminal, crimes dolosos contra
a vida.
Porém, bem analisada a situação, ver-se-á que uma
garantia constitucional assegurada ao réu não pode ser interpretada em sentido
prejudicial ao próprio réu. Ou seja, a soberania dos veredictos, nesse caso, estaria
impedindo que houvesse a prolação de decisão favorável ao réu em sede de outra
garantia a ele assegurada.
Dessa forma, a partir da interpretação sistemática
das duas garantias – Juri e Revisão Criminal – parece-nos que agiu
acertadamente o STF: O Tribunal pode, em Revisão Criminal, efetuar o juízo
rescindente, prolatando, de logo, decisão mais favorável ao réu, sem a
necessidade de que haja novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
Esse é o posicionamento da doutrina majoritária,
destacando-se Eugênio Pacelli e Aury Lopes Jr.
Júri - Soberania - Revisão Criminal - Possibilidade (Transcrições) –INFO 728
ARE 674151/MT*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PENAL PELO JÚRI. ERRO JUDICIÁRIO. INOPONIBILIDADE DA SOBERANIA DO VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA À PRETENSÃO REVISIONAL. JULGAMENTO DESSA AÇÃO AUTÔNOMA DE IMPUGNAÇÃO PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. CUMULAÇÃO DO “JUDICIUM RESCINDENS” COM O “JUDICIUM RESCISSORIUM”. POSSIBILIDADE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
- O Tribunal de segunda instância, ao julgar a ação de revisão criminal, dispõe de competência plena para formular tanto o juízo rescindente (“judicium rescindens”), que viabiliza a desconstituição da autoridade da coisa julgada penal mediante invalidação da condenação criminal, quanto o juízo rescisório (“judicium rescissorium”), que legitima o reexame do mérito da causa e autoriza, até mesmo, quando for o caso, a prolação de provimento absolutório, ainda que se trate de decisão emanada do júri, pois a soberania do veredicto do Conselho de Sentença, que representa garantia fundamental do acusado, não pode, ela própria, constituir paradoxal obstáculo à restauração da liberdade jurídica do condenado. Doutrina. Precedentes.
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