domingo, 27 de outubro de 2013

O desconhecimento da comunidade juridica sobre a regulamentação da investigação criminal do MP

            No último informativo do STF, há voto do Ministro Gilmar Mendes que, salvo melhor juízo, denota bem o desconhecimento da comunidade jurídica a respeito das investigações criminais realizadas pelo Ministério Público.
            Imaginam, eu acho, que as investigações ocorrem às escondidas, sem qualquer tipo de formalização e publicação dos atos. Igualmente, pensam que as investigações podem durar ad eternum e não possuem controle de prazo. Defendem, ainda, que não há controle sobre os excessos praticados pelo Ministério Público. Por fim, aduzem haver negativa de acesso do investigado aos autos.
            Vejamos:

Poder de investigação do Ministério Público - 3

Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atuação não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a) observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b) formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c) comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d) autuar, numerar e controlar a distribuição; e) dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f) juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g) garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h) observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; i) respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j) observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento.
RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

            O denominado Procedimento Investigatório Criminal é regulamentado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, através da Resolução n. 77/04 (há quase 10 anos), e pelo Conselho Nacional do Ministério Público, através da Resolução n. 13/2006. Recomendo, a título de curiosidade, que os leitores deem uma breve olhada nos textos, a fim de que possam observar que todas as “recomendações” citadas na decisão acima mencionada já se encontram devidamente regulamentadas.
            Verifica-se, portanto, que todo e qualquer ato investigatório realizado pelo Ministério Público deve ser precedido de instauração de procedimento extrajudicial, com Portaria delimitando o seu objeto, e, pelo menos no âmbito do MPF, publicada eletronicamente no site da PGR e comunicada à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão.
            Além disso, as investigações possuem prazo máximo de 90 dias, que podem ser prorrogados sempre por mais 90 dias. Deve-se lembrar que o Inquérito Policial também pode ser prorrogado inúmeras vezes.
            Outrossim, a regulamentação prevê – diferentemente do que ocorre no Inquérito Policial – que o investigado deverá, sempre que possível, ser notificado, para manifestar-se nos autos, podendo valer-se, se quiser, de advogado.
            O investigado, assim como qualquer cidadão, tem direito de acesso aos autos, salvo hipótese de decretação de seu sigilo.
            Além disso, em caso de arquivamento das investigações, as Resoluções determinam que o investigado deve ser comunicado da decisão, o que não ocorre quando há o arquivamento do Inquérito Policial.
            Ainda sobre o arquivamento, o Procurador da República deve submeter a sua decisão à homologação, seja pelo Poder Judiciário, tal como o Inquérito, seja pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, que pode não concordar com o arquivamento e designar outro membro para atuar no feito. Embora a decisão do STF cite a necessidade de controle judicial, certo é que a doutrina moderna, à luz do sistema acusatória, tece severas críticas ao art. 28, CPP, destacando não competir ao Juiz analisar a decisão de arquivamento, mas sim o próprio Ministério Público, titular da Ação Penal.
            Eventuais excessos praticados pelo Ministério Público podem – à maneira do Inquérito Policial, serem objeto de análise pelo Poder Judiciário, por intermédio, p.ex, de Habeas Corpus, assim como eventuais descumprimentos das Resoluções podem ensejar a atuação correicional da Corregedoria do órgão e do CNMP.
           


sábado, 5 de outubro de 2013

art. 19, Lei n. 7.492/86. Financiamento fraudulento. Financiamento x Empréstimo, na visão do STJ

Um crime que é mais comum do que parece é a obtenção de financiamento fraudulento, figura típica prevista no art. 19, da Lei 7.492/86, a saber:

 Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:

No entanto, é importante não confundir financiamento – elementar do tipo penal – com empréstimo. São coisas distintas e somente o financiamento fraudulento caracteriza o crime acima citado. O empréstimo fraudulento pode configurar outro tipo de crime, tal como o estelionato.

Pois bem. Qual a distinção, então, entre empréstimo e financiamento? A finalidade dos recursos financeiros obtido. No caso do empréstimo, obtém-se um valor que poderá ser gasto em qualquer finalidade desejada pelo contraente. Por outro lado, no financiamento, os recursos financeiros são liberados com a condição de que sejam empregados em uma finalidade específica pré-determinada.

Assim, se o sujeito quer o dinheiro para adquirir o que for de seu interesse, haverá empréstimo. Se ele quer algum bem, móvel ou imóvel, e obtém o dinheiro para custear essa aquisição específica, é financiamento.

O Superior Tribunal de Justiça já tem jurisprudência consolidada no sentido de que o crime do art. 19 só ocorrerá em caso de financiamento, senão vejamos:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE FRAUDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Na esteira de julgados da Terceira Seção desta Corte, o tipo penal do art. 19 da Lei nº 7.492/86 exige que o financiamento tenha vinculação certa, distinguindo-se do empréstimo que possui destinação livre. 2. No caso, conforme apurado, o contrato celebrado mediante fraude envolvia valores com finalidade certa, qual seja, a aquisição de veículo automotor. A conduta em apreço, ao menos em tese, se subsume ao tipo previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, que, a teor do art. 26 do mencionado diploma, deverá ser processado perante a Justiça Federal. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina, o suscitante. (STJ, CC120412, Rel. Min. Alderita Ramos, p. 30/08/13)