No último informativo do STF, há
voto do Ministro Gilmar Mendes que, salvo melhor juízo, denota bem o
desconhecimento da comunidade jurídica a respeito das investigações criminais
realizadas pelo Ministério Público.
Imaginam, eu acho, que as
investigações ocorrem às escondidas, sem qualquer tipo de formalização e
publicação dos atos. Igualmente, pensam que as investigações podem durar ad eternum e não possuem controle de
prazo. Defendem, ainda, que não há controle sobre os excessos praticados pelo
Ministério Público. Por fim, aduzem haver negativa de acesso do investigado aos
autos.
Vejamos:
Poder de
investigação do Ministério Público - 3
Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atuação não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a) observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b) formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c) comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d) autuar, numerar e controlar a distribuição; e) dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f) juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g) garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h) observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; i) respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j) observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento.
RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)
O denominado Procedimento
Investigatório Criminal é regulamentado pelo Conselho Superior do Ministério
Público Federal, através da Resolução n. 77/04 (há quase 10 anos), e pelo
Conselho Nacional do Ministério Público, através da Resolução n. 13/2006. Recomendo,
a título de curiosidade, que os leitores deem uma breve olhada nos textos, a
fim de que possam observar que todas as “recomendações” citadas na decisão
acima mencionada já se encontram devidamente regulamentadas.
Verifica-se, portanto, que todo e
qualquer ato investigatório realizado pelo Ministério Público deve ser
precedido de instauração de procedimento extrajudicial, com Portaria
delimitando o seu objeto, e, pelo menos no âmbito do MPF, publicada
eletronicamente no site da PGR e comunicada à 2ª Câmara de Coordenação e
Revisão.
Além disso, as investigações possuem
prazo máximo de 90 dias, que podem ser prorrogados sempre por mais 90 dias. Deve-se
lembrar que o Inquérito Policial também pode ser prorrogado inúmeras vezes.
Outrossim, a regulamentação prevê –
diferentemente do que ocorre no Inquérito Policial – que o investigado deverá,
sempre que possível, ser notificado, para manifestar-se nos autos, podendo
valer-se, se quiser, de advogado.
O investigado, assim como qualquer
cidadão, tem direito de acesso aos autos, salvo hipótese de decretação de seu
sigilo.
Além disso, em caso de arquivamento
das investigações, as Resoluções determinam que o investigado deve ser
comunicado da decisão, o que não ocorre quando há o arquivamento do Inquérito
Policial.
Ainda sobre o arquivamento, o Procurador
da República deve submeter a sua decisão à homologação, seja pelo Poder Judiciário,
tal como o Inquérito, seja pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, que pode
não concordar com o arquivamento e designar outro membro para atuar no feito.
Embora a decisão do STF cite a necessidade de controle judicial, certo é que a
doutrina moderna, à luz do sistema acusatória, tece severas críticas ao art.
28, CPP, destacando não competir ao Juiz analisar a decisão de arquivamento,
mas sim o próprio Ministério Público, titular da Ação Penal.
Eventuais excessos praticados pelo
Ministério Público podem – à maneira do Inquérito Policial, serem objeto de
análise pelo Poder Judiciário, por intermédio, p.ex, de Habeas Corpus, assim como eventuais descumprimentos das Resoluções podem ensejar a atuação correicional da Corregedoria do órgão e do CNMP.