sexta-feira, 15 de março de 2013

O tal do poder investigatório do MP.

Tema muito discutido atualmente é o poder investigatório do Ministério Público, uma vez que se encontra em tramitação a PEC37, que o restringe. O tema também vem sendo enfrentado no Supremo Tribunal Federal.

Não pretendo escrever um texto longo sobre a matéria, já que já existe um bom material sobre o assunto. Apenas gostaria de pincelar, em breves pontos, o quão absurda é a tese de que somente a polícia pode investigar, e como isso configurará um atraso incomensurável no combate à corrupção.

1 - Não existe nenhum, repito, nenhum argumento jurídico que fundamente a ideia de que só a policia pode investigar. O fundamento do art. 144, §1, IV, CF, é falho, uma vez que apenas determina que quem realiza, com exclusividade, a tarefa de policia judiciária da Justiça Federal é a Polícia Federal. Isto porque, p.ex, a Polícia Federal atua em crimes estaduais, como o tráfico de drogas. É só para vedar a atuação da Polícia Civil na seara federal. Não tem nenhuma relação com o Ministério Público. Se assim não fosse, teríamos que concluir que somente o MPF não poderia investigar, mas os MPE´s poderiam, já que a Constituição não estabelece que a Polícia Civil atua com exclusividade na Justiça Estadual. 

2 - Se a tese de que somente a polícia pode investigar for procedente, é preciso lembrar que todos os procedimentos realizados pela Receita Federal (crimes tributários), IBAMA (autuações de infrações que também constituem crimes, tal como apreensão de animais, construções irregulares...) INSS (estelionatos previdenciários) etc... não terão validade alguma. As provas terão que ser encaminhadas à Polícia para instauração de Inquérito Policial, sem qualquer lógica. Não será só o MP que não poderá investigar questões criminais.

3 - É vergonhoso afirmar que o MP quer substituir a polícia, exercendo as suas atribuições. O que se pretende é apenas evitar que o MP não fique refém da polícia, amputado, sem poder buscar as provas de que necessita para ajuizar a Ação Penal. Pretende-se possibilitar a investigação em várias frentes, e não apenas em uma, seja no MP, seja na Polícia. 

4 - É risível o argumento de que a investigação do MP não teria controle. Existem resoluções dos MP´s e do CNMP que regulamentam o denominado Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Nada é feito às escuras ou sem registro. Existem procedimentos, portarias, prazos, notificações dos investigados, vista dos autos, acompanhamento por advogado etc...Diria que o PIC respeita bem mais as garantias individuais do que o próprio Inquérito. No mais, eventuais abusos e ilegalidades poderão ser levados ao Poder Judiciário, através do uso do HC. 

5 - Pior ainda é a justificativa de que o MP poderia cometer excessos. Poderia? Poderia sim, sem dúvidas. Mas a Polícia também não pode? Ou ela é perfeita? Aliás, alguém já ouviu falar de um investigado torturado dentro da sede do MP? Ou de grampo praticado pelo MP? Inclusive, nem estrutura para realizar as interceptações o MP possui. 

6 - Alguém acredita ser eficaz a Polícia investigar os seus próprios policiais envolvidos na prática de crimes? E se as próprias autoridades máximas estiverem envolvidas, o que será feito? 

7 - Em investigações que envolvam pessoas importantes, sobretudo agentes políticos com influência no Poder Executivo (do qual a Polícia é subordinada), quiçá representantes do Poder Executivo, o que é mais interessante do ponto de vista da investigação: alguém independente, com garantia de inamovibilidade e independência funcional, investigar ou alguém subordinado, que pode ser transferido para outro posto, outra cidade ou outro Estado no dia seguinte?

8 - Se você recebe um carro para utilizá-lo conforme achar necessário, mas não tem condições de colocar a gasolina necessária, dependendo de terceiros, o que acontece? Adianta ter carro se o terceiro não te der a gasolina no momento adequado e na quantidade adequada? Assim é a titularidade da Ação Penal do MP. Como exercê-la a contento se as provas necessárias dependeriam da atuação da Polícia? E se a Polícia não atuar? 

Em suma: O MP não quer ser Polícia. O MP investiga atualmente. A Polícia deixou de existir? Deixou de investigar? Claro que não. Em 90% dos casos, o MP atuará com base em Inquéritos Policiais. Essa é, e será, a regra. O que o MP quer é apenas ter liberdade para atuar nos outros 10%, na exceção, sob pena de configurar-se a impunidade.  

Sem o poder investigatório, o Ministério Público perde, sem dúvidas. Mas quem perde mais é a própria sociedade. 

Por que essa tentativa de restringir o seu poder investigatório surge no mesmo momento do processo do Mensalão? Talvez seja coincidência.

A quem interessa ceifar o Ministério Público? Interessa a você? 





13 comentários:

  1. Perfeita a exposição!
    É uma pena que os poderes investigatórios do MP incomodem deputados, senadores, governadores etc.

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  2. Muito bom. Teria como você fazer tópicos também sobre Direito Penal e Política criminal? Obrigado.

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  3. Muito bacana, desculple pela expressão, e lúcidas as considerações sobre o tema.

    Esse tema foi objeto do meu TCC da gradução e da pós-graduação em Ciências Penais.

    Parabés, Dr. Bruno.

    Um abraço

    Daniel

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  4. Bruno, vc poderia dar algumas dicas para o concurso de Analista Processual do MPU?

    Excelente blog!

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  5. Concordo plenamente. A maioria dos que são contrários aos poderes investigatórios é formada pelos colarinhos brancos, que temem a independência do MP. Não quero dizer que a polícia é inepta. Não. No entanto, a polícia não possui a independência funcional que o MP possui.
    Seu blog é excelente.

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  6. Essa discussão é tão lamentável como aquela levantada pelo MP sobre a impossibilidade de propor ACP pela Defensoria Pública. O MP está sofrendo do mesmo veneno.

    No fundo não há fundamento jurídico, apenas vaidades e luta por poder.

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  7. A única pergunta que ainda não tem resposta: Qual é a LEI que estabelece o procedimento investigatório iniciado pelo MP.

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    1. Está na CF, meu amigo!! Se a CF deu ao MP a incumbência de propor a ação penal, deu também os meios.

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    2. Deve existir uma norma pra regular o procedimento investigatório proposto pelo MP. O Processo Penal regulamenta o Inquérito Policial e o PIC?

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    3. Colega, leia, por favor, o texto abaixo:

      STF sinaliza que permitirá investigação penal pelo MP
      Forum Brasileiro de Segurança Publica - São Paulo(SP) - 20/12/2012
      O Ministério Público tem o poder de conduzir diretamente investigações penais, desde que siga as mesmas balizas dos inquéritos policiais. Ou seja, o procedimento deve ser público em regra e tem de se submeter ao controle judicial, entre outras exigências. Nos casos de sigilo, a decretação do segredo tem de ser fundamentada. É necessário, também, dizer os motivos pelos quais a investigação tem de ser tocada pelo MP, e não pela polícia.

      Estas foram algumas diretrizes colocadas no voto do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, ao analisar dois processos que discutem o poder de investigação penal do Ministério Público nesta quarta-feira (19/12). Mas a decisão sobre o tema foi adiada mais uma vez e deve ser definida no ano que vem. O adiamento se deu depois de considerações do ministro Marco Aurélio.

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    4. Algumas leis que, ao meu sentir, possibilitam a investigação em matéria criminal (PIC) pelo MP:

      1) Lei n° 8.625/93:
      Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
      [...]
      V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;
      Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:
      Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:
      I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas;

      2) LC nº 75/93:
      Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:
      I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;
      Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
      I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
      II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
      IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
      V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
      VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
      VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar. (Grifamos)

      3) ECA: (para ato infracional)
      Art. 179. Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas.
      Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar.
      Art. 201. Compete ao Ministério Público:
      VI - instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
      a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar;
      b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;
      c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas;

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    5. 4) Estatuto do Idoso:
      Art. 74. Compete ao Ministério Público:
      V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo:
      a) expedir notificações, colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado da pessoa notificada, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar;
      b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias;
      c) requisitar informações e documentos particulares de instituições privadas;
      VI – instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, para a apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção ao idoso

      5) CPP:

      Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

      Parágrafo único. A competência definida neste artigo NÃO EXCLUIRÁ a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

      6) Código Eleitoral:
      Art. 356. Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal dêste Código deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou.
      § 1º Quando a comunicação fôr verbal, mandará a autoridade judicial reduzi-la a têrmo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas, e a remeterá ao órgão do Ministério Público local, que procederá na forma dêste Código.
      § 2º Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou outros elementos de convicção, deverá requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários que possam fornecê-los.

      7) Lei 4.792/96 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional):
      Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos CRIMES previstos nesta lei.

      8) Estatuto de Roma:
      Artigo 53
      Abertura do Inquérito
      1. O Procurador, após examinar a informação de que dispõe, abrirá um inquérito, a menos que considere que, nos termos do presente Estatuto, não existe fundamento razoável para proceder ao mesmo. Na sua decisão, o Procurador terá em conta se:

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