Um dos crimes mais comuns na
prática do Ministério Público Federal é o estelionato previdenciário (art. 171,
§3°, CP). Em outras palavras, é o crime em que se pratica fraude contra o INSS,
com o objetivo de obter beneficio previdenciário indevido.
Quanto ao estelionato
previdenciário, o STF – e depois o STJ -, firmou o entendimento de que a
natureza do crime é dúplice, a depender do agente, a saber: Em relação ao próprio beneficiário, o crime
será permanente. Já em relação aos demais agentes (o sujeito que
falsifica documentos, p.ex), o crime será instantâneo, com efeitos permanentes.
Nesse
sentido, cite-se:
EMENTA: AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIME DEESTELIONATO
PREVIDENCIÁRIO. RÉU BENEFICIÁRIO
DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA
PRETENSÃO PUNITIVA. PRECEDENTES. 1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma
jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de
se distinguir aquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente
daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem
indevida. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes
no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente,
os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida
pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o
delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer
cessar a ação delitiva. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STF,
ARE663735 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, p. 19/03/12)
Essa distinção tem grande
relevância prática, no que diz respeito ao tema da prescrição. Com efeito, no
caso de crime permanente, a prescrição só se inicia com o término da
permanência (art. 111, III, CP). Nesse caso, quanto ao beneficiário, a
prescrição só começa a correr após a cessação do pagamento do benefício. Ou
seja, se o sujeito recebe beneficio fraudulento por 10 anos, somente após a
cessação do benefício é que a prescrição inicia-se. Por outro lado, quanto aos
crimes instantâneos, com ou sem efeitos permanentes, a consumação dá-se de
imediato, com a prática da conduta, de modo que a prescrição inicia-se logo
(art. 111, I, CP). Assim, quanto aos demais agentes que participaram da fraude,
a prescrição começa a contar a partir da primeira prestação.
Sobre o tema:
EMENTA: HABEAS
CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
(ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES
QUANDO SUPOSTAMENTE PRATICADO POR TERCEIRO NÃO BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO.
OCORRÊNCIA. 1. A Paciente não é segurada do INSS, mas funcionária do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se imputa a prática do
delito de estelionato
previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro não
beneficiário temnatureza de crime
instantâneo de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a
fluir da percepção da primeira parcela. Precedentes. 3. Considerando que o
recebimento da primeira parcela pela Paciente ocorreu em 24.11.1995 e que a
pena máxima em abstrato do delito a ela imputado é de seis anos e oito meses, o
prazo prescricional é de doze anos e, não havendo nenhuma causa interruptiva,
se implementou em 24.11.2007, conforme preceituam os arts. 107, inc. IV, e 109,
inc. III, do Código Penal. 4. Ordem concedida. (STF, HC112095, Rel. Min. Carmen
Lucia, p. 08/11/12)
EMENTA: HABEAS
CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL
(ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME PERMANENTE QUANDO O BENEFICIÁRIO
RECEBE A QUANTIA INDEVIDA. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. É firme a
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime deestelionato
previdenciário praticado pelo
próprio beneficiário tem natureza permanente, e, por isso, o prazo
prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do
primeiro pagamento do benefício. 2. Considerada a pena definitiva de 1 ano e 4
meses e 13 dias-multa imposta ao Paciente, entre uma causa de interrupção da
prescrição e outra, não houve período superior a quatro anos, o que afasta a ocorrência de
prescrição retroativa. 3. Ordem denegada. (STF, HC113179, Rel. Min. Carmen
Lucia, p. 12/06/12)
Esse entendimento, além de
ser bastante questionável do ponto de vista da teoria do crime (como o mesmo
crime, praticado por mais de uma pessoa, pode ter natureza diversa para cada
uma dessas pessoas?) acarreta dois outros problemas.
O primeiro problema é que a
tese é muito rigorosa quanto ao beneficiário, facilitando bastante a sua
punição, já que haverá tempo suficiente para o desenvolvimento da investigação,
uma vez que a prescrição só começará a contar meses, ou até anos, depois
da obtenção do benefício. Mas não é tão
rigorosa quanto aos terceiros participantes, geralmente os autores intelectuais
e grandes beneficiários das fraudes, que articulam o golpe, escolhem os
beneficiários, muitos dos quais ignorantes e analfabetos, e ficam com boa parte
dos valores “retroativos”. Quanto a essas pessoas, a investigação precisa ser
bem mais célere, já que a prescrição começa a contar com o primeiro pagamento.
O
segundo problema é que, seja no caso de crime permanente, seja no caso de crime
instantâneo com efeitos permanentes, haverá um único crime, e não crime
continuado, razão pela qual não incide, nessas hipóteses, a majorante do art.
71, CP. Assim, a tipificação correta é apenas o art. 171, §3°, CP.