quinta-feira, 15 de novembro de 2012

STJ: Critério de definição da competência no crime de uso de documento falso

Caros leitores,

Após um tempo sem postar, trago hoje uma questão interessante que me apareceu na prática. Como se define a competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso? Deve-se considerar o órgão que teria atribuição para expedir o documento falsificado, ou, noutro sentido, deve-se considerar o orgão perante o qual o documento foi apresentado?

Trago dois exemplos:

1 -Apresentação de CNH falsa (atribuição do DETRAN) perante a Polícia Rodoviária Federal;

2 - Apresentação de CTPS (atribuição do MTE) perante empresa privada;

Nesses dois casos, a competência será da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

O critério adotado pelo STJ é o seguinte: Como se trata de crime de uso de documento falso, que se consuma com a apresentação desse documento perante terceiros, deve-se verificar perante quem o documento foi usado. Se é orgão, entidade ou agente federal, a competência é federal, ainda que o documento seja particular ou de atribuição estadual ou municipal (exemplo 1). Se é órgão, entidade ou agente estadual, municipal ou particular, a competência é estadual, ainda que o documento seja se atribuição federal (exemplo 2).

Nesse sentido:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. UTILIZAÇÃO PERANTE A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A qualificação do órgão expedidor do documento público é irrelevante para determinar a competência do Juízo no crime de uso de documento falso, pois o critério a ser utilizado para tanto define-se em razão da entidade ou do órgão ao qual foi apresentada, porquanto são estes quem efetivamente sofrem os prejuízos em seus bens ou serviços. 2. In casu, como a CNH teria sido utilizada, em tese, para tentar burlar a fiscalização realizada por agentes da Polícia Rodoviária Federal, que possuem atribuição de patrulhamento ostensivo das rodovias federais, resta caracterizado o prejuízo a serviço da União, justificando-se a fixação da competência da Justiça Federal, consoante o disposto no art. 109, inciso IV, da Carta da República. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, o suscitante. (STJ, CC99105, Rel. Min. Jorge Mussi, p. 27.02.09)

 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO E USO DE ATESTADO MÉDICO, SUPOSTAMENTE EMITIDO PELA DIRETORIA DE SAÚDE DO COMANDO DA AERONÁUTICA. FINALIDADE DE JUSTIFICAR FALTA AO TRABALHO PERANTE EMPRESA PRIVADA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A apresentação de atestado médico falso, ainda que supostamente proveniente de órgão da União ou de entidade autárquica ou empresa pública, com a finalidade exclusiva de justificar falta ao trabalho em empresa privada, não atrai a competência da Justiça Federal (...). (STJ, CC119939, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, p. 07.05.2012
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. JUÍZO COMPETENTE. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO E REGISTRO GERAL. NATUREZA DO ÓRGÃO ONDE FOI APRESENTADO. FLAGRANTE EFETUADO POR POLICIAIS FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. (...) II. A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, aplica-se às hipóteses em que os crimes são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. III. In casu, a documentação falsa foi apresentada em detrimento de serviço da União, qual seja, a fiscalização prestada pela Polícia Federal, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. Precedentes. IV. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (STJ, 195037, Rel. Min. Gilson Dipp, p. 17.08.2011

5 comentários:

  1. Dr. Bruno,gostaria que voc~e continuasse escrevendo os "Tópicos de Processo Penal" (adorei a primeira postagem. É um texto muito esclarecedor).

    Abraço,

    Matheus

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  2. Dr. Bruno caso o autor da falsificação seja o mesmo do uso em se tratando de CNH apresentada a PRF li um material que diz que a falsificação prevalece e o uso torna-se post factum impunível. O que o sr. acha disso? Segundo renomado autor é um critério baseado na jurisprudencia. Abc

    brunonichollas@yahoo.com.br

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  3. Xará, esse é o entendimento mesmo do STJ, inclusive. Se o sujeito falsifica e usa, o crime é o da falsificação, porque, nesse momento, já houve a ofensa ao bem jurídico (fé pública).

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    1. Obrigado meu xará Dr. Bruno Barros. È que ocorreu um caso no interior da Bahia que uma juíza amiga minha não quis apreciar o flagrante de um autor que confessou que ele mesmo havia feito a falsificação de uma CNH. Ele foi abordado pela PRF, e a magistrada não quis apreciar o flagrante. Encaminhou os autos para Justiça Federal o que me causou bastante estranheza pelo fato dele mesmo ter cometido a falsificação.

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  4. Caro Dr. Bruno, tenho uma dúvida: se o agente usa cédula de identidade falsa com dados de um beneficiário do INSS para a obtenção de empréstimo junto a um banco privado, mas não saca os valores referentes ao benefício previdenciário, não causando, desse modo, prejuízo à União, a competência será da Justiça Estadual pelo fato de o documento ter sido apresentado à instituição privada? Obrigado!

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