Ontem, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão bastante interessante a respeito da extensão da competência de foro por prerrogativa de função.
Discutia-se se um magistrado aposentado ainda faria jus à prerrogativa de foro, levando-se em consideração tratar-se de cargo vitalício. Um dos casos analisados era o do ex-Ministro do STJ, Paulo Medina, e do ex-Juiz Federal do TRF/2ª Região, Carreira Alvim, acusados de participação na Operação Hurricane, e que foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ, maior sanção que pode ser aplicada administrativamente a um magistrado vitalício.
A decisão, por maioria, foi no sentido de que, tendo em conta que a prerrogativa de foro é garantia para o exercício da função, e não garantia pessoal, não há mais razão para que ela subsista quando o particular não mais desempenhe a função que a justificava.
Seguem as notícias sobre o julgamento:
Quinta-feira, 22 de março de 2012
STF nega prerrogativa de foro a desembargadores aposentados
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a dois Recursos Extraordinários (RE 546609 e RE 549560) interpostos por desembargadores aposentados que pretendiam o reconhecimento do direito ao foro por prerrogativa de função após a aposentadoria. Nos dois casos, a decisão foi por maioria.O RE 549560, cujo julgamento iniciou-se em maio de 2010 e foi suspenso para aguardar a composição completa da Corte, foi interposto por um desembargador aposentado do Estado do Ceará que respondia a ação penal por supostos delitos praticados no exercício da função.Devido à prerrogativa de foro, a ação penal foi instaurada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após a jubilação do desembargador, o relator da ação remeteu os autos à Justiça Estadual do Ceará. Em situação semelhante, no RE 546609, um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFTO) respondia, também no STJ, a ação penal por suposta participação em esquema para a liberação de preso acusado de tráfico de drogas. Com a aposentadoria, o STJ remeteu os autos à Justiça Criminal de primeiro grau do DF.Nos recursos ao STF, as defesas dos dois desembargadores pretendiam o reconhecimento do direito a que as ações penais continuassem a ser julgadas pelo STJ. A alegação principal era a de que o cargo do magistrado, de acordo com o inciso I do artigo 95 da Constituição da República, é vitalício. Isso garantiria ao magistrado a vitaliciedade mesmo após a aposentadoria e, consequentemente, o direito à prerrogativa de foro no julgamento de casos ocorridos no exercício da função de magistrado mesmo após o jubilamento.O relator dos dois REs, ministro Ricardo Lewandowski, reiterou o voto proferido em 2010 no sentido de que a prerrogativa de foro somente se aplica aos membros ativos da carreira. “A vitaliciedade dos magistrados brasileiros não se confunde, por exemplo, com a ‘life tenure’ garantida a certos juízes norte-americanos, que continuam no cargo enquanto bem servirem ou tiverem saúde para tal”, assinalou. “Para nós, no entanto, os juízes podem ser afastados do cargo por vontade própria, sentença judiciária, disponibilidade e aposentadoria voluntária ou compulsória”.A prerrogativa, segundo o ministro Lewandowski, não deve ser confundida com privilégio. “O foro por prerrogativa de função do magistrado existe para assegurar o exercício da jurisdição com independência e imparcialidade”. Num paralelo com a imunidade dos parlamentares, seu voto assinala que se trata, antes, de uma garantia dos cidadãos e, só de forma reflexa, de uma proteção daqueles que, temporariamente, ocupam certos cargos no Judiciário ou no Legislativo – ou seja, “é uma prerrogativa da instituição judiciária, e não da pessoa do juiz”.Seu voto foi seguido, nos dois recursos, pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ficaram vencidos, no RE 549560, os ministros Eros Grau e Menezes Direito (que participaram da primeira sessão de julgamento, em 2010) e Gilmar Mendes e Cezar Peluso. No RE 546609, ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. O ministro Luiz Fux, que participou do julgamento quando integrante da Corte Especial do STJ, estava impedido.Quinta-feira, 22 de março de 2012
STF confirma envio para primeira instância de ação penal de ministro aposentado do STJ
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento aos agravos regimentais na Ação Penal (AP 552) e no Inquérito (INQ 2811) apresentados pelo ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina e outros acusados contra decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, que determinou a remessa dos autos à Seção Judiciária do Rio de Janeiro em razão da perda da prerrogativa de foro assegurada constitucionalmente aos magistrados. Na sessão desta quinta-feira (22), foi determinada a imediata baixa dos autos à Justiça Federal fluminense, vencido o ministro Marco Aurélio.O ministro Gilmar Mendes determinou a baixa dos autos com base no entendimento firmado pelo STF a partir do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2797 e 2860), nas quais a Corte declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal (CPP), que estabeleciam prorrogativa de foro para ex-detentores de cargo público por ato de improbidade administrativa (Lei 10.628/2002). Com a decisão, as ex-autoridades passaram a ser julgadas pela instância judicial competente, de acordo com a natureza do ato.O relator enfatizou a conclusão, na sessão de hoje, do julgamento dos Recursos Extraordinários (REs 546609 e 549560), nos quais foi decidido que os magistrados que se aposentam perdem a prerrogativa de foro. “Considerando o decidido nos REs 549560 e 546609 nesta data, pelo Plenário, e reafirmando a orientação jurisprudencial, é o caso de negar-se provimento aos agravos interpostos”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.
Achei interessante o argumento trazido pelo Min. Joaquim Barbosa (li em algum site, mas não encontrei o texto), quando afirma que não haveria lógica em concluir que o Presidente da República, eleito por milhões e milhões de votos, perdesse a prerrogativa de foro após o término de seu mandato, mas um magistrado a mantivesse durante toda a sua vida, mesmo após a inatividade.
Não se pode esquecer que a prerrogativa visa assegurar o desempenho imparcial e independente da função por quem a exerça, não havendo razão nem porquê para que ela permaneça vigente quando o particular não mais exerça aquela função.
Vitaliciedade e prerrogativa de foro são garantias distintas. A primeira garante o cargo do magistrado que, após dois anos de efetivo exercício, ou imediatamente no caso dos Tribunais, só poderá perdê-lo por sentença judicial. A segunda diz respeito ao órgão jurisdicional que irá apreciar eventual Ação Penal contra o magistrado, de modo que, a meu ver, não há nenhum fundamento jurídico para concluir que a vitaliciedade levaria à continuidade da prerrogativa de foro.
RESUMO DA ÓPERA: Para o STF, a prerrogativa de foro do magistrado persiste apenas durante o exercicio do cargo, não se estendendo à aposentadoria.