sexta-feira, 29 de março de 2013

Às voltas com uma nova eleição para o cargo de Procurador Geral da República, surgem duas dúvidas: (i) o PGR tem que ser membro do MPF, ou basta ser membro do MPU? (ii) todos os membros do MPU podem votar para a formação da lista tríplice, ou apenas os membros do MPF?

São duas questões bem distintas. E comportam respostas distintas. Tentarei respondê-las.

Como se sabe, o MPU é formado por quatro MP´s: MPF, MPT, MPM e MPDFT, conforme estipula o art. 128, I,  CF.

Ao tratar da escolha do PGR, a CF dispõe que:

§ 1º - O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
 
Integrantes de que carreira? Seria o MPU uma única carreira? Surge o argumento de que o parágrafo não fala em MPF, razão pela qual o escolhido poderia ser de qualquer ramo do MPU. Contudo, não se pode interpretar a CF em tiras, como diria o Min. Eros Grau. Ela, a CF, deixa bem claro que o MPU não é carreira, senão vejamos:

 Esta conclusão advém do art. 130-A (trata do CNMP), que afirma:

"II quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras"

Ou seja, a própria CF determina que o MPU não é carreira. É um quadro com quatro carreiras distintas. Assim, a partir de uma interpretação sistemática da CF, observa-se que o art. 128, §1º, falou menos do que queria dizer ao referir-se apenas à carreira, quando, na verdade, queria referir-se à carreira do MPF.

Poderiam perguntar: Ora, se o PGR é chefe do MPU, por que teria que ser do MPF, e não de outra carreira do MPU? Porque, embora seja o chefe do MPU, o PGR não é Procurador Geral do MPM, nem do MPT, nem do MPDFT. Com efeito, cada ramo do MPU tem o seu Procurador-Geral, conforme prevê a Lei Complementar n. 75/93:

 
Art. 85. São órgãos do Ministério Público do Trabalho:
        I - o Procurador-Geral do Trabalho
 Art. 87. O Procurador-Geral do Trabalho é o Chefe do Ministério Público do Trabalho.

 Art. 118. São órgãos do Ministério Público Militar:
        I - o Procurador-Geral da Justiça Militar;
Art. 120. O Procurador-Geral da Justiça Militar é o Chefe do Ministério Público Militar.

  Art. 153. São órgãos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios:
        I - o Procurador-Geral de Justiça;
Art. 155. O Procurador-Geral de Justiça é o Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
 
E o MPF? Tem chefe? Sim. Mas o seu chefe é também o chefe do MPU:


Art. 43. São órgãos do Ministério Público Federal:
        I - o Procurador-Geral da República;
Art. 45. O Procurador-Geral da República é o Chefe do Ministério Público Federal.
 

Em suma: O PGR é Chefe do MPU e do MPF.

Se o PGR fosse de fora do MPF, teríamos duas situações interessantes: Primeiro, teríamos alguém estranho à carreira comandado-a. Segundo, o MPF seria o único ramo do MPU que não teria o seu próprio chefe (de dentro da própria carreira). Por que este desprestígio?!

A nosso sentir, melhor seria que o MPF também tivesse o seu Procurador Geral do MPF, tal qual o MPT, o MPM e o MPDFT. E, acima deles, o Procurador Geral do MPU, a ser escolhido dentre membros de todo o MPU. Porém, a Constituição de 1988 assim não quis. Quis que o Chefe do MPF também fosse o PGR, Chefe do MPU, mas não Procurador Geral dos outros ramos.

Por fim, embora saibamos que, no direito, a denominação das coisas pouco importe para a definição de sua natureza jurídica, faz-se a seguinte indagação: Seria coincidência que o nome dado ao cargo de Chefe do MPU fosse Procurador Geral da República, denominação semelhante àquela dada aos membros de uma das carreiras do MPU (Procuradores da República)? Por que não se definiu o título de Procurador Geral do Ministério Público da União, ou algo parecido?

Por outro lado, quanto à segunda questão, em razão de o PGR ser Chefe de todo o MPU, nada mais justo, pensamos, que todos os membros do MPU possam participar da eleição da lista tríplice, e não só os membros do MPF, como ocorreu nos últimos anos.


sexta-feira, 15 de março de 2013

O tal do poder investigatório do MP.

Tema muito discutido atualmente é o poder investigatório do Ministério Público, uma vez que se encontra em tramitação a PEC37, que o restringe. O tema também vem sendo enfrentado no Supremo Tribunal Federal.

Não pretendo escrever um texto longo sobre a matéria, já que já existe um bom material sobre o assunto. Apenas gostaria de pincelar, em breves pontos, o quão absurda é a tese de que somente a polícia pode investigar, e como isso configurará um atraso incomensurável no combate à corrupção.

1 - Não existe nenhum, repito, nenhum argumento jurídico que fundamente a ideia de que só a policia pode investigar. O fundamento do art. 144, §1, IV, CF, é falho, uma vez que apenas determina que quem realiza, com exclusividade, a tarefa de policia judiciária da Justiça Federal é a Polícia Federal. Isto porque, p.ex, a Polícia Federal atua em crimes estaduais, como o tráfico de drogas. É só para vedar a atuação da Polícia Civil na seara federal. Não tem nenhuma relação com o Ministério Público. Se assim não fosse, teríamos que concluir que somente o MPF não poderia investigar, mas os MPE´s poderiam, já que a Constituição não estabelece que a Polícia Civil atua com exclusividade na Justiça Estadual. 

2 - Se a tese de que somente a polícia pode investigar for procedente, é preciso lembrar que todos os procedimentos realizados pela Receita Federal (crimes tributários), IBAMA (autuações de infrações que também constituem crimes, tal como apreensão de animais, construções irregulares...) INSS (estelionatos previdenciários) etc... não terão validade alguma. As provas terão que ser encaminhadas à Polícia para instauração de Inquérito Policial, sem qualquer lógica. Não será só o MP que não poderá investigar questões criminais.

3 - É vergonhoso afirmar que o MP quer substituir a polícia, exercendo as suas atribuições. O que se pretende é apenas evitar que o MP não fique refém da polícia, amputado, sem poder buscar as provas de que necessita para ajuizar a Ação Penal. Pretende-se possibilitar a investigação em várias frentes, e não apenas em uma, seja no MP, seja na Polícia. 

4 - É risível o argumento de que a investigação do MP não teria controle. Existem resoluções dos MP´s e do CNMP que regulamentam o denominado Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Nada é feito às escuras ou sem registro. Existem procedimentos, portarias, prazos, notificações dos investigados, vista dos autos, acompanhamento por advogado etc...Diria que o PIC respeita bem mais as garantias individuais do que o próprio Inquérito. No mais, eventuais abusos e ilegalidades poderão ser levados ao Poder Judiciário, através do uso do HC. 

5 - Pior ainda é a justificativa de que o MP poderia cometer excessos. Poderia? Poderia sim, sem dúvidas. Mas a Polícia também não pode? Ou ela é perfeita? Aliás, alguém já ouviu falar de um investigado torturado dentro da sede do MP? Ou de grampo praticado pelo MP? Inclusive, nem estrutura para realizar as interceptações o MP possui. 

6 - Alguém acredita ser eficaz a Polícia investigar os seus próprios policiais envolvidos na prática de crimes? E se as próprias autoridades máximas estiverem envolvidas, o que será feito? 

7 - Em investigações que envolvam pessoas importantes, sobretudo agentes políticos com influência no Poder Executivo (do qual a Polícia é subordinada), quiçá representantes do Poder Executivo, o que é mais interessante do ponto de vista da investigação: alguém independente, com garantia de inamovibilidade e independência funcional, investigar ou alguém subordinado, que pode ser transferido para outro posto, outra cidade ou outro Estado no dia seguinte?

8 - Se você recebe um carro para utilizá-lo conforme achar necessário, mas não tem condições de colocar a gasolina necessária, dependendo de terceiros, o que acontece? Adianta ter carro se o terceiro não te der a gasolina no momento adequado e na quantidade adequada? Assim é a titularidade da Ação Penal do MP. Como exercê-la a contento se as provas necessárias dependeriam da atuação da Polícia? E se a Polícia não atuar? 

Em suma: O MP não quer ser Polícia. O MP investiga atualmente. A Polícia deixou de existir? Deixou de investigar? Claro que não. Em 90% dos casos, o MP atuará com base em Inquéritos Policiais. Essa é, e será, a regra. O que o MP quer é apenas ter liberdade para atuar nos outros 10%, na exceção, sob pena de configurar-se a impunidade.  

Sem o poder investigatório, o Ministério Público perde, sem dúvidas. Mas quem perde mais é a própria sociedade. 

Por que essa tentativa de restringir o seu poder investigatório surge no mesmo momento do processo do Mensalão? Talvez seja coincidência.

A quem interessa ceifar o Ministério Público? Interessa a você?