quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O STF e a imunidade parlamentar.

Prezados,


            Destaco notícia de hoje do site do STF acerca da imunidade material parlamentar do Vereador por atos, gestos e opiniões praticados no desempenho de seu mandato, a saber:

“Quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

STF garante imunidade de vereador no exercício do mandato

“Nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a imunidade do vereador”. Esta tese foi assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão desta quarta-feira (25), ao dar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 600063, com repercussão geral reconhecida. Os ministros entenderam que, ainda que ofensivas, as palavras proferidas por vereador no exercício do mandato, dentro da circunscrição do município, estão garantidas pela imunidade parlamentar conferida pela Constituição Federal, que assegura ao próprio Poder Legislativo a aplicação de sanções por eventuais abusos.
O RE foi interposto por um vereador de Tremembé (SP) contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJ-SP) no qual, em julgamento de apelação, entendeu que as críticas feitas por ele a outro vereador não estariam protegidas pela imunidade parlamentar, pois ofenderam a honra de outrem. Segundo o acórdão, as críticas não se circunscreveram à atividade parlamentar, ultrapassando “os limites do bom senso” e apresentando “deplorável abusividade”.
A maioria seguiu o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, que abriu a divergência em relação ao voto do relator, ministro Marco Aurélio. O ministro Barroso explicou que, embora considere lamentável o debate público em que um dos interlocutores busca desqualificar moralmente o adversário, ao examinar o caso em análise, verificou que as ofensas ocorreram durante sessão da Câmara Municipal e foram proferidas após o recorrente ter tomado conhecimento de uma representação junto ao Ministério Público contra o então prefeito municipal e solicitado que a representação fosse lida na Câmara.
O ministro destacou que, ainda que a reação do vereador tenha sido imprópria tanto no tom quanto no vocabulário, ela ocorreu no exercício do mandato como reação jurídico-política a uma questão municipal – a representação apresentada contra o prefeito, o que a enquadraria na garantia prevista no artigo 29 da Constituição. “Sem endossar o conteúdo, e lamentando que o debate público muitas vezes descambe para essa desqualificação pessoal, estou convencido que aqui se aplica a imunidade material que a Constituição garante aos vereadores”, argumentou o ministro Barroso.
Ao acompanhar a divergência, o ministro Celso de Mello lembrou que o abuso pode ser objeto de outro tipo de sanção no âmbito da própria casa legislativa, que pode submeter seus membros a diversos graus de punições, culminando com a cassação por falta de decoro.
A ministra Rosa Weber observou que o quadro fático apresentado pelo acórdão do TJ-SP emite juízo de valor sobre o abuso que teria ocorrido na fala do vereador. Segundo ela, a imposição de uma valoração específica a cada manifestação de membro do Legislativo municipal retiraria a força da garantia constitucional da imunidade.
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio, que votou no sentido de negar provimento do RE, pois entendeu que as críticas não se circunscreveram ao exercício do mandato.
A decisão tomada no RE 600063 terá impacto em, pelo menos, 29 processos sobrestados em outras instâncias.

Posto isto, merece registro o entendimento do STF no sentido de que a imunidade pode ser reconhecida mesmo se o ato, gesto ou opinião for praticado fora do recinto parlamentar, desde que mantenha relação de conexão com o mandato, a saber:

E M E N T A: QUEIXA-CRIME – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA PEÇA ACUSATÓRIA – POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA – COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DELEGOU, VALIDAMENTE, EM SEDE REGIMENTAL (RISTF, ART. 21, § 1º) – INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE – PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DESSA DELEGAÇÃO REGIMENTAL – EXTINÇÃO DA “PERSECUTIO CRIMINIS” PELO RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL – INVIOLABILIDADE COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À RESPONSABILIZAÇÃO PENAL E/OU CIVIL DO CONGRESSISTA – NECESSIDADE, PORÉM, DE QUE OS “DELITOS DE OPINIÃO” TENHAM SIDO COMETIDOS NO EXERCÍCIO DO MANDATO LEGISLATIVO OU EM RAZÃO DELE – SUBSISTÊNCIA DESSE ESPECÍFICO FUNDAMENTO, APTO, POR SI SÓ, PARA TORNAR INVIÁVEL A PERSECUÇÃO PENAL CONTRA MEMBRO DOCONGRESSO NACIONAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, “caput”) - que representa um instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo - somente protege o membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o âmbito espacial (“locus”) em que este exerça a liberdade de opinião (ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa), nas hipóteses específicas em que as suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa (prática “in officio”) ou tenham sido proferidas em razão dela (prática “propter officium”). Doutrina. Precedentes. - A prerrogativa indisponível da imunidade material – que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) – estende-se a palavras e a manifestações do congressista que guardem pertinência com o exercício do mandato legislativo. - A cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos, também abrange, sob seu manto protetor, (1) as entrevistas jornalísticas, (2) a transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e (3) as declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares. Doutrina. Precedentes. - Reconhecimento da incidência, no caso, da garantia de imunidade parlamentar material em favor do congressista acusado de delito contra a honra. (Inq 2874 AgR)

E mais: Há decisões do STF entendendo que, se o ato, gesto ou opinião for praticado dentro do recinto parlamentar, a imunidade é absoluta, pois a mera prática do ato dentro do recinto já caracterizaria o liame entre ele e o exercício do mandato, senão vejamos:

E MENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. MANIFESTAÇÕES DIFUNDIDAS NO INTERIOR DO PLENÁRIO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. INEXISTÊNCIA DE DEVER DE REPARAÇÃO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. JUÍZO DE ORIGEM. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A imunidade parlamentar material que confere inviolabilidade na esfera civil e penal a opiniões, palavras e votos manifestados pelo congressista (CF, art. 53, caput) incide de forma absoluta quanto às declarações proferidas no recinto do Parlamento. 2. In casu, a manifestação alegadamente danosa praticada pela ré foi proferida nas dependências da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Assim, para que incida a proteção da imunidade, não se faz necessário indagar sobre a presença de vínculo entre o conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida pela agravada, pois a hipótese está acobertada pelo manto da inviolabilidade de maneira absoluta. (...). (RE RE 576074 AgR )

EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA QUE FAZ IMPUTAÇÃO A PARLAMENTAR DE PRÁTICA DE CRIMES CONTRA A HONRA, COMETIDOS DURANTE DISCURSO PROFERIDO NO PLENÁRIO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA E EM ENTREVISTAS CONCEDIDAS À IMPRENSA. INVIOLABILIDADE: CONCEITO E EXTENSÃO DENTRO E FORA DO PARLAMENTO. A palavra "inviolabilidade" significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da Constituição Federal, com a redação da Emenda nº 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada "conexão como exercício do mandato ou com a condição parlamentar" (INQ 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material. Denúncia rejeitada. (Inq 1958)










domingo, 22 de fevereiro de 2015

STF e os limites do mandado de busca e apreensão

Prezados,

Em seu último Informativo, o STF noticiou interessante decisão.

Segundo o que foi divulgado, tratava-se de busca e apreensão determinada no 28º andar de um edifício, em salas comerciais pertencentes a um grupo econômico. Durante o cumprimento da busca, descobriu-se que aquele grupo também tinha salas comerciais no 3º andar do mesmo edifício, de modo que ali também foi realizada a busca.

A discussão girou em torno, então, da validade, ou não, dessa busca no 3º andar, vindo o STF a considerá-la nula, haja vista que o mandado de busca e apreensão consignava, de forma específica, o local objeto da medida, de maneira que não poderia haver a sua extensão indevida.

Em sendo assim, a Autoridade Policial deveria ter solicitado ao Juízo a extensão da busca e apreensão para o 3º andar. 


HC 106.566/SP*
RELATOR: Ministro Gilmar Mendes

Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas. 

RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus, sem pedido de medida liminar, impetrado por **, ** e ** em favor de **, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, por maioria, conheceu, parcialmente, do pedido e, nessa extensão, denegou a ordem no HC 124.253/SP.Relatou que foi alvo das investigações policiais federais – “Chacal” e “Satiagraha”. Em 27.10.2004, os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão, expedido nos autos do PCD 2004.61.81.001452-5 pela 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, tendo como alvo o endereço profissional do paciente, localizado na Av. **, **, Rio de Janeiro/RJ, no 28º andar. Na mesma oportunidade, realizaram busca e apreensão no endereço do Banco **, localizado no 3º andar do mesmo edifício, sem que houvesse mandado judicial para tal endereço.Afirmou que, após decidir realizar a busca e apreensão no 3º andar, a autoridade policial entrou em contato com o juiz substituto da Vara em questão. Esse juiz emitiu decisão autorizando o espelhamento do disco rígido do servidor da instituição financeira. Ressaltou que o magistrado não era o mesmo que emitiu os mandados, não dispunha dos autos em que a medida foi determinada, não sabia da inexistência de mandado para o endereço e não autorizou a apreensão, apenas determinou o espelhamento imediato do disco rígido como forma de preservar o funcionamento da instituição financeira.Relatou que a defesa do paciente e o Banco ** interpuseram apelação contra a decisão que determinou as buscas e apreensões (Processo nº 2004.61.81.009685-2).Paralelamente, a defesa do paciente peticionou ao juiz da causa, que proferiu decisão reconhecendo a ilicitude da prova obtida, mas negou-se a devolver os objetos apreendidos, alegando que a questão estava devolvida ao Tribunal Regional em apelação dos requeridos contra a decisão que determinou as buscas. Contra a decisão que reconheceu a ilegalidade da busca, o Ministério Público Federal propôs a Correição Parcial, à qual foi negado seguimento.Sobreveio decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, negando provimento ao apelo do paciente e do Banco ** contra o indeferimento da exclusão da prova.Alegou que a decisão do Tribunal Regional resulta indevida, visto que agrava a situação do paciente em recurso exclusivo da defesa.Acrescentou ter sido impetrado o Habeas Corpus 124.253, em favor do paciente, buscando, novamente, a exclusão da prova. Sobreveio decisão denegando a ordem, fundamentada na desnecessidade de referência precisa do local a ser cumprida a diligência de busca e apreensão e no fato de que o paciente seria, “notoriamente”, vinculado ao Banco **. Aduziu que os argumentos não se sustentam.Pediu provimento judicial que:
“reconhecendo a ilegalidade decorrente da busca e apreensão determinada no curso do Processo nº 2004.61.81.001452-5, decrete a nulidade da diligência de busca e apreensão sucedida em 27/10/2004, precisamente no ponto em que, extrapolando os limites do mandado judicial, abrangeu as dependências do BANCO **.”
Distribuída a ação ao ministro Marco Aurélio, por dependência ao Habeas Corpus 98.667, sobreveio decisão encaminhando os autos ao Ministro-Presidente para verificação de prevenção ao Habeas Corpus 95.009, relatoria do Ministro Eros Grau (eDOC 55).Sobreveio decisão do Ministro-Presidente, Cezar Peluso, determinando a livre distribuição do feito (eDOC 57).Redistribuídos, determinei a regularização dos documentos que instruíram a petição inicial e solicitei informações ao Juízo de primeira instância (eDOC 59).Prestadas informações (eDOC 62), o Procurador-Geral da República pugnou pela denegação da ordem (eDOC 69).Sobreveio petição dos impetrantes (eDOC 71), informando que o paciente foi absolvido em primeira instância, mas mantém o legítimo interesse processual, visto que interposta apelação pelo Ministério Público.É o relatório. 

VOTO: Tenho por cabível o habeas corpus. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é pelo cabimento do uso da ação com vistas ao reconhecimento de ilicitude de provas. Especificamente, no que se refere à busca e apreensão, menciono o HC 112.851, de minha relatoria, julgado pela 2ª Turma em 5.3.2013.Da mesma forma, é firme o entendimento da 2ª Turma no sentido de que o cabimento do recurso ordinário não afasta a possibilidade de impetração de novo habeas corpus. No julgamento do HC 111.670, Segunda Turma, julgado em 25.6.2013, votei pelo cabimento do habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, nos seguintes termos:
“Como já tive a oportunidade de me manifestar, não olvido as legítimas razões que alimentam a preocupação com o alargamento das hipóteses de cabimento do habeas corpus e, com efeito, as distorções que dele decorrem. Contudo, incomoda-me mais, ante os fatos históricos, restringir seu espectro de tutela.O valor fundamental da liberdade, que constitui o lastro principiológico do sistema normativo penal, sobrepõe-se a qualquer regra processual cujos efeitos práticos e específicos venham a anular o pleno exercício de direitos fundamentais pelo indivíduo. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição, cabe adotar soluções que, traduzindo as especificidades de cada caso concreto, visem reparar as ilegalidades perpetradas por decisões que, em estrito respeito a normas processuais, acabem criando estados de desvalor constitucional”.
No HC 121.419, julgado pela 2ª Turma em 2.9.2014, voltei a manifestar minha contrariedade e preocupação com as teses pela limitação do habeas corpus.Dito isso, tenho por cabível a ação de habeas corpus para a finalidade pretendida.Além disso, não vislumbro falta de legítimo interesse processual ou legitimidade de parte neste caso. Os impetrantes sustentam que o paciente nada tem a ver com a administração do Banco **. Ainda assim, buscam impedir a utilização da prova apreendida na sede de tal instituição em ação penal movida contra o paciente. Ainda que aparentemente contraditória, essa conduta não impede o conhecimento da ação de habeas corpus. O implicado pode pedir a exclusão de uma prova, com fundamento em sua ilicitude, independentemente do conteúdo. Entender em contrário, seria exigir que o implicado demonstrasse que a prova é incriminatória para, só então, admitir que sustente sua exclusão. Em consequência do direito à não autoincriminação, não se exige do implicado essa demonstração.Quanto ao mérito, o presente processo trata da validade de busca e apreensão em escritório sem autorização judicial.A casa é protegida contra o ingresso não consentido, sem autorização judicial, na forma do art. 5º, XI, da Constituição Federal:
“XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”
Muito embora a Constituição empregue o termo “casa”, a proteção contra a busca domiciliar não autorizada vai além do ambiente doméstico.O art. 150, § 4º, do Código Penal, ao definir “casa” para fins do crime de violação de domicílio, traz conceito abrangente do termo:
“§ 4º - A expressão “casa” compreende:I - qualquer compartimento habitado;II - aposento ocupado de habitação coletiva;III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
O conceito do Código Penal serve de ponto de partida para a regra constitucional de proteção contra a busca não autorizada.Assim, o conceito de “casa” estende-se:
“(...) a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais”. (HC 82788, relator min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12.4.2005).
Ou seja, não há dúvida de que o “compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”, isto é, ambientes profissionais privados em geral (escritórios, salas, lojas, oficinas, restaurantes, consultórios etc.) estão sujeitos à proteção constitucional.A busca e apreensão domiciliar dependem, imprescindivelmente, de ordem judicial devidamente fundamentada, indicando, da forma mais precisa possível, o local em que serão realizadas, assim como motivos e fins da diligência.Assim, a busca e apreensão de documentos e objetos realizados por autoridade pública em “casa” de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelam-se ilegítimas e o material eventualmente apreendido configura prova ilicitamente obtida.No presente caso, a Autoridade Policial representou pela expedição de mandados de busca e apreensão em vários endereços, dentre eles o endereço da Av. **, **, Rio de Janeiro/RJ, no 28º andar, apontado como endereço profissional do paciente (eDOC 5).O juiz da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, acolheu a representação (eDOC 6). O mandado de busca e apreensão foi expedido (eDOC 7).Conforme “Auto Circunstanciado de Busca” (eDOC 9), por ocasião da realização da diligência, foram apreendidos dois equipamentos de informática, que não estavam no local judicialmente autorizado para busca (28º andar), mas em andar inferior do mesmo prédio (3º andar), sede do Banco **. Trata-se dos itens 5 e 6 apreendidos, respectivamente, uma torre de computador com quatro discos rígidos e um servidor com cinco discos rígidos, assim descritos:
“5 – UMA (01) torre de computador marca COMPAQ PROLIANT 1600, nº de série F939DDJ11105, com drive de 3 ½’’, unidade de CD-ROM e array com 4 (quatro) discos SCSI.Localizado na sala do CPD da empresa **.LACRE nº 00010216 – UM (01) servidor marca HP, nº de série F328KJN21075, contendo array com 05 (cinco) discos rígidos SCSI.Localizado na sala do CPD do BANCO **, localizado no 3º andar.LACRE nº 0001022".
Houve expressa discordância do advogado presente à diligência quanto à medida, que fez constar do auto que a apreensão dos equipamentos não estava no objeto da medida e que as informações contidas diriam respeito ao Banco **, não ao aqui paciente.Ou seja, a apreensão ocorreu em local equiparado, para fins constitucionais e legais, à casa, sem estar amparada em mandado judicial de busca e apreensão e sem o consentimento do responsável.O argumento de que o mandado de busca e apreensão não precisa de indicar endereço determinado não convence.A legislação processual afirma que o mandado deverá “indicar, o mais precisamente possível”, o local da diligência (art. 243, CPP). A indicação, no caso concreto, não deixou margem a dúvidas.Não houve equívoco na identificação do endereço. Não se tratava de local de difícil identificação, como comumente ocorre no meio rural. Desde o início, os policiais identificaram o 28º andar como alvo da diligência – e para tal endereço o mandado foi expedido.O que ocorreu foi que, durante a diligência, os policiais identificaram um novo local de interesse. Esse novo local estava fora do âmbito do mandado em cumprimento – o mandado era expressamente direcionado ao 28º andar e para o 28º andar apenas. Por óbvio, não permitia uma diligência quinze andares abaixo, no 3º andar.Ou seja, não estamos diante de hipótese de interpretação dos limites do mandado de busca. A ordem claramente não contemplava o endereço aqui discutido.Não se cogitava de flagrante delito ou outra situação excepcional que dispensasse a ordem judicial. Assim, apenas com um novo mandado a diligência seria possível.É certo que, durante a execução da busca, foram descobertos elementos que levavam a crer que havia ligação do escritório do 28º andar com a sede do Banco **. É certo, também, que a ligação do paciente ao Grupo ** é fato conhecido – muito embora ele negue participar da administração do Banco **, que não seria parte do grupo. Esses elementos talvez servissem de justa causa a postular um novo mandado judicial – desta feita, direcionado à sede do Banco **, no 3º andar. Incumbiria ao juiz competente avaliar a justa causa da medida e, se fosse o caso, ordenar a diligência.Não houve, no entanto, pedido de novo mandado de busca e apreensão.Houve, sim, contato com o Juízo acerca na diligência no 3º andar. Há ofício, expedido pela 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo no dia da diligência, fazendo referência aos equipamentos apreendidos. Esse ofício, assinado pelo juiz federal Alexandre Cassetari – magistrado diverso daquele que ordenara as diligências iniciais –, determinava que o servidor do Banco ** não fosse apreendido, mas autorizava cópia do material nele constante – “mesmo que, para tanto, se faça necessária a momentânea remoção do equipamento ao DPF, com posterior e incontinenti restituição à instituição financeira”. (eDOC 6).O mencionado ofício, no entanto, não é um mandado de busca e apreensão. Sob o aspecto formal, o documento não atende aos requisitos do mandado de busca domiciliar, previstos no art. 243, I e II, do CPP:
“Art. 243. O mandado de busca deverá:I- indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;II - mencionar o motivo e os fins da diligência;”.
Reconheço que se tratava de uma situação em que o tempo era importante, na medida em que os policiais já estavam no local da diligência. A situação existente poderia levar a uma tolerância quanto a deficiências de documentação da diligência. Entretanto, mesmo uma interpretação benevolente não leva à conclusão de que o ofício seja uma autorização judicial para busca e apreensão.O ofício não exprime minimamente o fim de permitir a apreensão dos equipamentos de informática localizados no 3º andar. Muito pelo contrário, é uma ordem para que os servidores da instituição financeira não sejam apreendidos. Apenas se indispensável a apreensão para cópia (espelhamento) dos dados, é autorizada a remoção do equipamento, para imediata devolução.Ou seja, o que se tem não é uma nova ordem de apreensão, mas uma limitação à apreensão em andamento.Isso foi reconhecido pelo próprio Juiz da causa, em decisão posterior, em que afirma ser certo que “houve manifestações judiciais a respeito do HD”, no entanto, “nenhuma delas considerou a questão da abrangência da ordem” de busca e apreensão, apenas “referiram-se ao prejuízo existente com a remoção do HD” e ao sigilo dos dados financeiros de terceiros eventualmente contidos no dispositivo (eDOC 8).Aparentemente, o magistrado que despachou o caso no dia da busca e apreensão não foi alertado, ou simplesmente não percebeu, que os equipamentos em questão estavam em local diverso do constante do mandado.O que está documentado é que houve resistência do advogado presente contra a apreensão dos servidores da instituição financeira. Alegadamente, a apreensão dos servidores impediria as atividades da instituição financeira. Além disso, as operações financeiras têm sigilo assegurado legalmente – Lei Complementar 105/01. Disso se infere que o magistrado foi chamado para, em face das peculiaridades que envolviam a apreensão do banco de dados da instituição financeira, decidir acerca da persistência da ordem de busca e apreensão. Certamente, não foi para emitir nova ordem para endereço novo.Disso tudo se conclui que o ofício em questão não é um mandado de busca e apreensão, nem a ele é equivalente.Assim, as provas obtidas pela busca e apreensão no 3º andar do Av. **, **, Rio de Janeiro/RJ, foram ilicitamente adquiridas, porque a diligência contrariou a regra constitucional de inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da Constituição Federal.As provas ilicitamente incorporadas ao processo devem ser excluídas, na forma do art. 157, § 3º, do CPP.Ante o exposto, concedo a ordem para determinar a imediata devolução do material apreendido na sede do Banco ** (“UMA (01) torre de computador marca COMPAQ PROLIANT 1600, nº de série F939DDJ11105, com drive de 3 ½’’; unidade de CD-ROM e array com 4 (quatro) discos SCSI, LACRE nº 0001021; e UM (01) servidor marca HP, nº de série F328KJN21075, contendo array com 05 (cinco) discos rígidos SCSI, LACRE nº 0001022") e, se realizado espelhamento das mídias computacionais, a entrega do material aos representantes da instituição financeira, mediante substituição por mídias em branco com capacidade equivalente.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Informativo do STJ - Duas questões certas em concursos sobre Ação Rescisória

Caros leitores,
Depois de um longo período afastado, retorno às postagens, iniciando com duas questões certas nas próximas provas de concursos, sobretudo CESPE, e abordadas no último informativo do STJ.
1 - Qual o termo inicial para propositura da Ação Rescisória? O dia do trânsito em julgado ou o dia seguinte ao trânsito em julgado? Segundo o STJ, o termo inicial é o dia do trânsito (dia seguinte ao término do prazo recursal). Assim, se o prazo recursal terminou na segunda, o trânsito ocorre na terça e na terça inicia-se o prazo decadencial da AR.
2 - Se o último dia do prazo decadencial cair em final de semana ou feriado, há prorrogação para o primeiro dia útil seguinte? O STJ, mesmo reconhecendo a natureza decadencial do prazo (portanto, não se interrompe nem se suspende), admitiu a prorrogação do prazo para o dia útil subsequente. Porém, não se concorda com este entendimento, pois não há qualquer tipo de subtração do prazo da parte. Ora, ela tem dois anos para ajuizar a AR e, mesmo que deixe para fazer no último dia, basta que a ajuíze no plantão judiciário, em razao do risco de perecimento do direito. 
Estes aspectos serão cobrados em provas objetivas, mas também podem ser abordadas em questões discursivas e, até mesmo, em peças processuais, sendo comum o enunciado pedir para que a peça seja datada no último dia do prazo... 
Veja a notícia divulgada no Informativo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PRORROGAÇÃO DO TERMO FINAL DO PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
O termo final do prazo decadencial para propositura de ação rescisória deve ser prorrogado para o primeiro dia útil subsequente quando recair em data em que não haja funcionamento da secretaria do juízo competente. Preliminarmente, tendo em vista que o art. 495 do CPC dispõe que “o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão”, cabe examinar a data do trânsito em julgado da decisão, a partir da qual se dá o termo inicial do prazo para a proposição da ação rescisória. Essa análise se faz necessária, pois se observa a existência de divergência acerca da definição do termo inicial do biênio decadencial (se do dia do trânsito em julgado ou do dia seguinte ao trânsito em julgado), que ocorre, principalmente, em razão da imprecisão ao se definir o exato dia do trânsito em julgado. A teor do disposto no § 3.º do art. 6.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso”, bem assim no art. 467 do CPC: “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Em uma linha: só há trânsito em julgado quando não mais couber recurso, ou seja, há trânsito em julgado no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível contra a última decisão proferida na causa. Assim, em que pese a existência de precedentes em sentido contrário, o termo inicial para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda (STF, AR 1.412-SC, Tribunal Pleno, DJe 26/6/2009; AR 1.472-DF, Tribunal Pleno, DJe 7/12/2007; e STJ, AR 4.374-MA, Segunda Seção, DJe 5/6/2012). A regra para contagem do prazo bienal é a estabelecida no art. 1.º da Lei 810/1949, qual seja, “considera-se ano o período de doze meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”, fórmula que está em consonância com aquela estabelecida também no art. 132, § 2.º, do CC, onde se lê: “os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência”. Consoante adverte amplo magistério doutrinário, o prazo para a propositura da ação rescisória é decadencial, e, dessa forma, não estaria sujeito à suspensão ou interrupção. Não obstante, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, se o termo final do prazo para ajuizamento da ação rescisória recair em dia não útil prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente. Ressalte-se que não se está a afirmar que não se trata de prazo decadencial, pois esta é a natureza do prazo para o ajuizamento da ação rescisória. A solução apresentada pela jurisprudência do STJ, que aplica ao prazo de ajuizamento da ação rescisória a regra geral do art. 184, § 1.º, do CPC, visa a atender ao princípio da razoabilidade, evitando que se subtraia da parte a plenitude do prazo a ela legalmente concedido. E, conforme já assentado pelo STJ, “Em se tratando de prazos, o intérprete, sempre que possível, deve orientar-se pela exegese mais liberal, atento às tendências do processo civil contemporâneo - calcado nos princípios da efetividade e da instrumentalidade - e à advertência da doutrina de que as sutilezas da lei nunca devem servir para impedir o exercício de um direito” (REsp 11.834-PB, Quarta Turma, DJ 30/3/1992). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.231.666-BA, Primeira Turma, DJe 24/4/2012; REsp 1.210.186-RS, Segunda Turma, DJe 31/3/2011; AgRg no REsp 966.017-RO, Quinta Turma, DJe 9/3/2009; e EREsp 667.672-SP, Corte Especial, DJe 26/6/2008REsp 1.112.864-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 19/11/2014, DJe 17/12/2014.