sábado, 23 de fevereiro de 2013

O STF e a prescrição no crime de estelionato previdenciário


Um dos crimes mais comuns na prática do Ministério Público Federal é o estelionato previdenciário (art. 171, §3°, CP). Em outras palavras, é o crime em que se pratica fraude contra o INSS, com o objetivo de obter beneficio previdenciário indevido.

Quanto ao estelionato previdenciário, o STF – e depois o STJ -, firmou o entendimento de que a natureza do crime é dúplice, a depender do agente, a saber:   Em relação ao próprio beneficiário, o crime será permanente. Já em relação aos demais agentes (o sujeito que falsifica documentos, p.ex), o crime será instantâneo, com efeitos permanentes.

    Nesse sentido, cite-se:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIME DEESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. RÉU BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRECEDENTES. 1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir aquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (STF, ARE663735 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, p. 19/03/12)

Essa distinção tem grande relevância prática, no que diz respeito ao tema da prescrição. Com efeito, no caso de crime permanente, a prescrição só se inicia com o término da permanência (art. 111, III, CP). Nesse caso, quanto ao beneficiário, a prescrição só começa a correr após a cessação do pagamento do benefício. Ou seja, se o sujeito recebe beneficio fraudulento por 10 anos, somente após a cessação do benefício é que a prescrição inicia-se. Por outro lado, quanto aos crimes instantâneos, com ou sem efeitos permanentes, a consumação dá-se de imediato, com a prática da conduta, de modo que a prescrição inicia-se logo (art. 111, I, CP). Assim, quanto aos demais agentes que participaram da fraude, a prescrição começa a contar a partir da primeira prestação.

Sobre o tema:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES QUANDO SUPOSTAMENTE PRATICADO POR TERCEIRO NÃO BENEFICIÁRIO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. 1. A Paciente não é segurada do INSS, mas funcionária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se imputa a prática do delito de estelionato previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro não beneficiário temnatureza de crime instantâneo de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir da percepção da primeira parcela. Precedentes. 3. Considerando que o recebimento da primeira parcela pela Paciente ocorreu em 24.11.1995 e que a pena máxima em abstrato do delito a ela imputado é de seis anos e oito meses, o prazo prescricional é de doze anos e, não havendo nenhuma causa interruptiva, se implementou em 24.11.2007, conforme preceituam os arts. 107, inc. IV, e 109, inc. III, do Código Penal. 4. Ordem concedida. (STF, HC112095, Rel. Min. Carmen Lucia, p. 08/11/12)

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). CRIME PERMANENTE QUANDO O BENEFICIÁRIO RECEBE A QUANTIA INDEVIDA. PRESCRIÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime deestelionato previdenciário praticado pelo próprio beneficiário tem natureza permanente, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir a partir da cessação da permanência e não do primeiro pagamento do benefício. 2. Considerada a pena definitiva de 1 ano e 4 meses e 13 dias-multa imposta ao Paciente, entre uma causa de interrupção da prescrição e outra, não houve período superior a  quatro anos, o que afasta a ocorrência de prescrição retroativa. 3. Ordem denegada. (STF, HC113179, Rel. Min. Carmen Lucia, p. 12/06/12)

Esse entendimento, além de ser bastante questionável do ponto de vista da teoria do crime (como o mesmo crime, praticado por mais de uma pessoa, pode ter natureza diversa para cada uma dessas pessoas?) acarreta dois outros problemas.

O primeiro problema é que a tese é muito rigorosa quanto ao beneficiário, facilitando bastante a sua punição, já que haverá tempo suficiente para o desenvolvimento da investigação, uma vez que a prescrição só começará a contar meses, ou até anos, depois da  obtenção do benefício. Mas não é tão rigorosa quanto aos terceiros participantes, geralmente os autores intelectuais e grandes beneficiários das fraudes, que articulam o golpe, escolhem os beneficiários, muitos dos quais ignorantes e analfabetos, e ficam com boa parte dos valores “retroativos”. Quanto a essas pessoas, a investigação precisa ser bem mais célere, já que a prescrição começa a contar com o primeiro pagamento.

O segundo problema é que, seja no caso de crime permanente, seja no caso de crime instantâneo com efeitos permanentes, haverá um único crime, e não crime continuado, razão pela qual não incide, nessas hipóteses, a majorante do art. 71, CP. Assim, a tipificação correta é apenas o art. 171, §3°, CP. 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

STJ e a competência para julgar assaltos aos Correios


       Embora os Correios sejam empresa pública federal, nem sempre os assaltos praticados contra as suas Agências configurarão crimes de competência federal.

          Com efeito, considerando que há agências exploradas diretamente pelos Correios e outras que são franqueadas e exploradas por particulares, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a sua jurisprudência da seguinte forma: Se a Agência é explorada diretamente pela EBCT, a competência é federal. Por outro lado, se a Agência é explorada mediante franquia, a competência será estadual. O fundamento para esta distinção é que, no caso de franquia, há previsão contratual de que os prejuízo serão suportados pelo particular, razão pela qual inexistiria interesse jurídico dos Correios.

          Nesse sentido, destacamos:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. CRIME DE ROUBO PERPETRADO CONTRA AGÊNCIA COMUNITÁRIA DOS CORREIOS, CONSTITUÍDA MEDIANTE CONVÊNIO ENTRE A ECT E O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO BATISTA/SC. INTERESSE RECÍPROCO NO SERVIÇO PRESTADO, INCLUSIVE DA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DANO DE PEQUENO VALOR. IRRELEVÂNCIA. PERDA MATERIAL E PREJUÍZO AO SERVIÇO POSTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Nos crimes praticados em detrimento das agências da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, esta Corte Superior já firmou o entendimento de que a fixação da competência depende da natureza econômica do serviço prestado. Se explorado diretamente pela empresa pública - na forma de agência própria -, o crime é de competência da Justiça Federal. De outro vértice, se a exploração se dá por particular, mediante contrato de franquia, a competência para o julgamento da infração é da Justiça estadual.(...) (STJ, CC122596, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, p. 22/08/12)